“O Corredor Bioceânico é o novo motor de crescimento nacional e regional”

Ministro João Carlos Parkinson de Castro
Foto: João Gabriel Vilalba
Obra promete tornar MS um hub logístico da América Latina, e necessita então dar atenção a rodovias, ferrovias e portos

A Rota Bioceânica promete tornar Mato Grosso do Sul o grande “hub” logístico da América do Sul. Com investimento de R$ 466,8 milhões, a ponte ligará os municípios de Porto Murtinho, em Mato Grosso do Sul, a Carmelo Peralta, no Paraguai. Além de países como Argentina e Chile. Em entrevista ao jornal O Estado, o ministro da carreira diplomática do Ministério das Relações Exteriores, João Carlos Parkinson de Castro, disse que esse será o novo motor de crescimento econômico. 

O ministro também acredita que é necessário que Mato Grosso do Sul se profissionalize e que tenha autoridades responsáveis por cada área, após a concretização da ponte. 

“O Estado tem de se profissionalizar, tem de ter autoridades responsáveis para cada uma de suas áreas e deve ser mais agressivo no ponto de vista de promoção das exportações, pois pouco o Estado fez em termos de promover exportações que não sejam do setor agrícola. Há necessidade de diversificar a pauta de exportação”, destacou. 

Parkinson falou ainda da necessidade de melhorar o idioma para atender as demandas, sendo necessário, pelo menos, o inglês. 

“Atualmente não há aqui nenhum escritório capaz de redigir um contrato em inglês. Vamos ter de ter profissionais do Direito na área do comércio exterior, ele vai ter de ligar para o cliente em outro país e falar em inglês, no mínimo”, ressaltou ao jornal O Estado. Atualmente, o ministro também é coordenador nacional dos Corredores Rodoviário e Ferroviário Bioceânicos.

A Ponte Bioceânica terá comprimento de 680 metros, duas pistas de rolagem de veículos de passeio e caminhões, com 12,5 metros de largura, e duas passagens nas laterais, com 2,5 metros cada uma, para o trânsito de pedestres e ciclistas. 

A estrutura, que representa muito mais que uma ponte, possibilitará a potencialização da competitividade econômica por meio do encurtamento de distâncias e do estreitamento comercial com os países integrantes da rota, sendo estes Argentina, Chile e Paraguai. 

A previsão é de gerar cerca de 700 empregos durante o pico do período de construção. Todo o projeto está previsto para ser entregue em 2024. A obra do lado brasileiro, em trecho do Pantanal, deve começar em janeiro do próximo ano.

Entrevista

O Estado: Com uma obra dessa magnitude, consequentemente os municípios ao redor terão um impacto social. O senhor acredita que Mato Grosso do Sul está preparado para receber este desafio? 

João Carlos: Mato Grosso do Sul ainda não está preparado, mas em um desafio, o importante para você se preparar é conhecer esse desafio. Então, o impacto, primeiro, não será somente na área econômica, terá um efeito multidimensional. Com o corredor aumentará, por exemplo, o fluxo de turistas, isso exigirá que Mato Grosso do Sul se prepare para recebê-los. Isso significa que terá de aumentar a oferta hoteleira, com restaurantes de melhor nível, significa que esse local terá de oferecer um cardápio no mínimo em duas línguas (português/espanhol). Não existe, hoje, aqui no Estado nenhum cardápio bilíngue, nem mesmo em Bonito. 

Ou seja, serão impactos no comércio, na infraestrutura, nas atividades profissionais e, sobretudo, o que sempre saliento, é o impacto cultural e que afeta todo mundo. O que significa isso? Como vou me preparar? E respondendo diretamente à pergunta: MS ainda não está preparado, ainda é um Estado muito provinciano e o que estamos fazendo com o corredor é acelerando a sua internacionalização. 

O sul-mato-grossense vai poder, por exemplo, pegar o seu carro e viajar para outro país: a distância de Porto Murtinho para a cidade de Salta (Argentina) é igual à distância de Porto Murtinho a São Paulo, isso implica que se poderá passar um fim de semana em Salta, ir e voltar em seu próprio veículo. 

Em relação à questão social, ela obviamente será impactada de forma positiva e também negativa. Positiva no sentido em que se terão mais investimentos, mais ofertas de trabalho, trabalho de qualidade, com carteira assinada e não empregos informais. Agora o lado negativo, com tudo isso, o jovem também terá de estar preparado para atender as exigências do mercado de trabalho, do “contratista”. 

O Estado: Como o senhor define a Rota Bioceânica, já que a obra promete tornar Mato Grosso do Sul um hub logístico da América do Sul? 

João Carlos: O Corredor Bioceânico é o novo motor de crescimento nacional e regional. Hoje, nós estamos em processo recessivo, tentativa de recuperação de nossa economia, e isso está acontecendo no Brasil e em todos os lugares. Agora existem espaços onde acontece um crescimento latente, que está praticamente oculto e que será explorado com o corredor. 

No caso de Mato Grosso do Sul, são potencialidades comerciais econômicas adormecidas que vão se tornar mais latentes. É importante para Mato Grosso do Sul começar a diversificar sua pauta para exportação, não ficando só nos grãos.

O Estado:No Governo Bolsonaro, o senhor acredita que teve desenvolvimento na construção da rota? E em relação à chegada do Lula na Presidência? 

João Carlos: Os dois governos apoiaram o Corredor Rodoviário Bioceânico, por uma razão simples, vai gerar emprego, vai melhorar a competitividade da economia, vai favorecer o produtor e o consumidor local. É uma obra de infraestrutura, não tem nenhum caráter ideológico, é a construção de uma ponte ligando o Brasil ao Paraguai o que obviamente vai beneficiar os dois países. 

O que eu diria é que a administração Lula, ao contrário da administração Bolsonaro, tem uma visão regional, reconhece a importância das relações do Brasil com o Paraguai, com o Chile, com a Argentina, e isso incentiva e deve dar uma contribuição maior ao desenvolvimento das relações comerciais e políticas com os países sul-americanos. 

O Governo Bolsonaro, de certa forma, entendeu a importância da construção da ponte, esteve presente em vários momentos importantes no desenvolvimento da obra. 

O Estado: Dentro dessa verdadeira revolução que o Corredor Bioceânico trará, quais serão os principais órgãos que terão de realizar adequações para acompanhar as atividades? 

João Carlos: O Estado tem de se profissionalizar, tem de ter autoridades responsáveis para cada uma de suas áreas e deve ser mais agressivo no ponto de vista de promoção das exportações, pois pouco o Estado fez em termos de promover exportações que não sejam do setor agrícola. Há necessidade de diversificar a pauta de exportação. 

Escritórios de promoção comercial em outros países seriam uma das ferramentas importantes a implementar. Organizar grupos de jovens empreendedores e talentos para que conheçam a rotina de mercado de grandes centros, como Chicago e Genebra. Falta ao empresário local uma maior internacionalização, ele tem de se sentir menos sul-mato-grossense e mais um habitante do planeta Terra. Ter consciência de que o Estado depende do comércio dele (exterior) e com o corredor a inserção será muito mais forte. Agora se terá um comércio crescente com o Paraguai, com a Argentina, com o Chile, tendo também a presença de outros empresários. 

Indo mais a fundo na carência do Estado, se tiver a presença de turistas estrangeiros, onde eles vão fazer a conversão de moeda? Não existe casa de câmbio, não tem um terminal para fazer um saque. Hoje em dia o sistema bancário tem de estar conectado. 

O impacto vai ser muito grande, não é só carga, mexe com as pessoas. O corredor simplesmente vai acelerar um conjunto de mudanças que serão profundas e que irão afetar a vida de todos.

Falando de setores específicos, como a saúde, é necessário que as autoridades incentivem a celebração de convênios internacionais no setor privado da saúde ao longo do Corredor Bioceânico, para que os vindos de fora tenham acesso à saúde particular por meio de seus convênios, mediante os que existem aqui, como é o caso da Unimed. Ação que será um trabalho preventivo para não sobrecarregar ainda mais o sistema de saúde público dessas regiões. 

Outro elemento a ser levado em consideração será a ocorrência de possíveis acidentes graves. Se isso ocorrer em Porto Murtinho é muito provável que essas vítimas tenham de ser transferidas para a Capital, diante disso eu pedi ao secretário de Saúde que faça um levantamento da disponibilidade de serviços médicos hospitalares disponíveis para os turistas e para os cidadãos sul-mato-grossenses pelo menos na rota do corredor. Sendo assim, o serviço hospitalar tem de estar preparado já que essa região não conta com equipamentos e serviços avançados nesse setor. 

Já sobre a segurança, temos de reforçar o trabalho ao longo de nossas fronteiras, não focando somente em um ponto, mas focando efetivamente no controle da área. É preciso, por exemplo, que a Polícia Rodoviária Federal seja munida com drones, passando o controle por via aérea e não rodoviária, eliminando as limitações que uma viatura impõe. 

O Estado: Em relação aos serviços oferecidos pelos empresários sul-mato-grossenses atualmente, o senhor acredita que haverá uma mudança na forma como eles conduzem os negócios em razão da chegada da rota? 

João Carlos: Muito grande! As Trade Companys, por exemplo, só existem cinco cadastradas em Campo Grande, e esse mercado terá de ser ampliado. 

Outro grande problema de quem pratica atividades de comércio exterior aqui é o uso de mão de obra de outros estados, o que por muitas vezes gera prejuízos a esses empresários  por questões burocráticas e até mesmo por localidade. Esse é um tipo de serviço que terá de ser encontrado e realizado aqui. 

A questão do idioma deve ser melhorada, o bilíngue passará a ser fator obrigatório. Atualmente não há aqui nenhum escritório capaz de redigir um contrato em inglês. Vamos ter de ter profissionais do Direito na área do comércio exterior, ele vai ter de ligar para o cliente em outro país e falar em inglês, no mínimo. Terá de ter um grupo de profissionais com amplo domínio em outras línguas. E estes serão apenas alguns dos desafios a serem vencidos.

O Estado: A Rota Biocêanica vai dar mais abertura para que MS construa relações exteriores? 

João Carlos: Além de fortalecer as relações com os países da América do Sul, o propósito do Corredor Rodoviário Bioceânico é facilitar o acesso ao Pacífico e por consequência ao grande mercado da Ásia, significando que vamos poder exportar produtos diretamente para a China, não passando pelos portos de Santos e Paranaguá, nem precisando de uma intermediação de São Paulo; este é o primeiro ponto. Já o segundo, que vamos poder importar. 

As exportações tendem normalmente a consolidar relações de comércio exteriores já existentes ao se ampliar, ganhando mais escala. Agora a importação ela é muito mais transformadora. 

Posso importar componentes eletrônicos, montar equipamentos, como, por exemplo, drones, e nacionalizar esse produto pagando a tributação em solo sul-mato-grossense, em um porto seco servindo como uma zona aduaneira secundária dentro da fronteira. Desenvolver uma área industrial, que é a fase incipiente desse processo.

Por Evelyn Thamaris – Jornal O Estado de MS.

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