O STF (Supremo Tribunal Federal) pode analisar nos próximos meses se as mensagens trocadas por integrantes da força-tarefa da Lava Jato devem ser usadas ou não como provas legais para questionar a conduta do ex-juiz Sergio Moro e de procuradores da operação.
A validação do material pode afetar processos já concluídos ou em andamento, acarretando até a anulação de algumas decisões. Cada caso, no entanto, deve ser julgado individualmente, o que significa que não haveria efeito imediato sobre a operação como um todo.
A lei diz que um material obtido de maneira ilícita -a partir de quebra de sigilo sem autorização judicial, por exemplo- é inadmissível como prova. Por outro lado, informações coletadas por meio ilegal poderiam ser usadas para beneficiar um acusado que se considere prejudicado dentro de um processo.
O caso mais emblemático em discussão no Supremo é um pedido da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-presidente quer que o tribunal determine a suspeição de Moro por ausência de imparcialidade no julgamento do petista.
Casos de validação de provas ilícitas
Dias após a publicação das primeiras reportagens, o ministro Gilmar Mendes, do STF, disse que um material obtido ilegalmente pode ser considerado válido em alguns casos.
“Se amanhã alguém tiver sido alvo de uma condenação, por exemplo, por assassinato, e aí se descobrir por uma prova ilegal que ele não é o autor do crime, em geral se diz que essa prova é válida”, afirmou.
Segundo o Código de Processo Penal, provas ilícitas são aquelas “obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”, o que incluiria mensagens privadas coletadas sem autorização judicial. O artigo 157 afirma que essas provas “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas [retiradas] do processo”.
Existem precedentes, no entanto, de validação de provas com essas características. Ministro aposentado do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Gilson Dipp afirma que um material ilegal jamais pode ser utilizado para acusar ou condenar alguém, mas pode ser usado em benefício do acusado.
“Esse conteúdo, se verdadeiro, pode beneficiar aqueles que, em tese, foram prejudicados por algum ato que tenha sido praticado e narrado no conteúdo da conversa”, diz. “Ela pode, sim, beneficiar alguns daqueles que foram condenados na Lava Jato, a depender do caso concreto.”
Discussão sobre as mensagens no Supremo
Caso decida enfrentar essa questão, o Supremo precisará determinar se as mensagens divulgadas são autênticas (ou seja, se não foram manipuladas ou distorcidas) e se podem ser usadas como prova, mesmo se tiverem sido obtidas a partir de um crime.
O tribunal recebeu, no dia 5 de agosto, uma cópia do inquérito da Operação Spoofing, que apura um ataque hacker a contas de Telegram de autoridades -incluindo Moro e procuradores da Lava Jato. Estariam nesse material as mensagens trocadas pela força-tarefa.
O envio foi feito pela Polícia Federal por determinação do ministro Alexandre de Moraes. Ele é responsável por uma investigação sobre ataques, ameaças e publicação de notícias falsas contra integrantes da corte.
Na decisão, Moraes solicitou cópia do inquérito sobre os hackers “diante de notícias veiculadas apontando indícios de investigação ilícita contra ministros desta corte”. O texto sugere que ao menos uma ala do Supremo pretende usar o material para questionar a conduta dos procuradores.
Efeitos sobre o ‘Caso Lula’
Advogados de Lula afirmam que sua defesa foi prejudicada porque o então juiz atuou em parceria com o Ministério Público Federal, que é a parte acusadora do processo.
O pedido de Lula foi feito antes do vazamento das conversas. O caso está na Segunda Turma do STF. O julgamento foi suspenso em junho, depois da divulgação dos diálogos, pelo ministro Gilmar Mendes.
Ministros agem com cautela em relação à aplicação dessas mensagens como provas em julgamentos que podem anular decisões tomadas por Moro na Lava Jato, em especial nos processos relacionados a Lula, devido a seus efeitos públicos e políticos.
Gilmar Mendes, no entanto, já comunicou a colegas que pretende retomar o caso ainda no segundo semestre deste ano. A decisão dependerá da avaliação dos ministros sobre a validade desse material. (Informações da Folhapress/Reportagem de Bruno Boghossian)