Famílias de pacientes transferidos enfrentam espera de até 35 horas por chegada dos corpos

A demora no translado das vítimas amplia a tristeza de parentes que ainda vivem com a angústia por informações 

A partida prematura de Nice Menani, aos 52 anos, fez silenciar a alegria de uma casa que gritava felicidade. Sem leito de UTI que pudesse atendê-la em Dourados, a empregada doméstica voou até Rondônia em busca de atendimento médico adequado. Lá, permaneceu internada até segunda-feira (7), até uma parada cardiorrespiratória encerrar a luta que travava contra a COVID-19. Agora, enquanto enfrenta a dor do luto, a família ainda tem sido obrigada a lidar com a agonia da espera para conseguir sepultar a matriarca da família.

É uma espera sem fim, uma dor que você nem imagina. Não desejo essa situação para ninguém porque é muito triste”, desabafa Ramão Claudionor Ximenes, de 50 anos, marido de Nice. Segundo ele, o corpo da esposa saiu de Porto Velho em um carro funerário por volta das 13h30 de terça-feira (8). Pela frente, uma viagem de 2.393 quilômetros com duração de 35 horas, aumentando em mais um dia e meio a aflição de quem já nem consegue mais comer ou dormir.

“Por minhas contas ela chega aqui na quinta-feira pela manhã, mas a gente não sabe. Pode atrasar porque depende das condições da estrada”, explica o marido. Para ele, se a volta fosse de avião, assim como a ida, a angústia da família seria menor. “Se chegasse aqui mais rápido aliviaria um pouco nossa dor, não precisaria ficar nessa espera”, relata.

Além da espera que se arrasta desde segunda-feira, para a família a despedida será de longe, sem direito a velório. Chegando a Dourados, o corpo de Nice seguirá para o Cemitério Santo Antônio, onde ficará em um túmulo ao lado da mãe do esposo. “Espero que eles me avisem quando estiver próximo, até pra a gente ir se preparando aqui”, pontua.

Ainda tentando associar o turbilhão de emoções das últimas semanas, Ramão encontra no filho de 24 anos e na neta, de 5, forças para enfrentar a perda repentina da mulher com quem viveu por quase 29 anos. “Faríamos 29 anos de casados agora, dia 22 de junho”, pontua o motorista.

Ele lembra que, na última conversa que teve com a mulher, ambos estavam esperançosos com a oportunidade de conseguir tratamento mais adequado, mesmo que em outro estado. “Ela não estava entubada e por isso a gente conseguia conversar normalmente. Ela aceitou ser transferida e estava confiante. Não entendemos como tudo isso aconteceu tão de repente. É desesperador saber que agora estamos aqui, agoniados esperando o corpo dela chegar”, finaliza.

Além dos parentes de Nice, outras duas famílias vivem o mesmo drama. Transferido para São Paulo no último domingo (6), Antônio de Souza Ferreira, de 53 anos, dono do pesqueiro São Sebastião, em Maracaju, não resistiu à COVID-19 e morreu nessa terça-feira (8), dois dias após ser internado. Até voltar à cidade, o corpo enfrentará viagem de mais de 12 horas e a previsão é de que chegasse a Mato Grosso do Sul somente no fim da tarde dessa quarta-feira, prolongando ainda mais o sofrimento da família.

O mesmo procedimento vai acontecer com o terceiro sul-mato-grossense que havia sido transferido por falta de leitos. O idoso de 66 anos também estava internado em São Paulo, não resistiu e morreu na madrugada dessa quarta-feira (9). Pela manhã, a família deu entrada nos procedimentos para liberação do corpo, ainda sem previsão de chegar ao Estado.

Segundo a SES (Secretaria de Estado de Saúde), os corpos estão retornando a Mato Grosso do Sul de carro porque o governo tem convênio com as funerárias. No caso dos três pacientes mortos, o velório não será permitido por questões de segurança.

Telefonema é esperança para quem tem mãe internada em SP 

Se para uns a distância representa o prolongar da dor, para outros é um exercício de paciência ante o cenário desfavorável. Com a mãe internada em São Paulo desde o último domingo (6), a biomédica Helen Cristina Rios, de 24 anos, procura não se lembrar que mais de 1.000 quilômetros a separam da dona Clarice da Silva Rios, 57 anos. “É difícil saber que ela está longe, mas um alívio entender que ela está bem assistida, diferente de como estaria se estivesse por perto. Aqui ela estava em um leito improvisado”, explica.

Entubada desde o dia 24 de maio, Clarice foi uma das pacientes que saíram de Maracaju rumo ao Hospital Santa Cecília, no estado vizinho. Para a família, o fim da tarde tem sido o momento mais esperado do dia. “O médico que atende ela liga e fala pra a gente sobre as condições de saúde dela”, explica a filha. Ainda ontem (9) informações da Prefeitura de Dourados indicaram que pelo menos duas famílias não aceitaram a oferta da vaga para transferência a São Bernardo do Campo.

Clayton Neves

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