“Faço agora o que não fiz enquanto professora”, diz advogada que atua em prol dos servidores da Educação

Foto: Arquivo Pessoal
Foto: Arquivo Pessoal

Desde 1997, a advogada Renata Lacerda é comprometida com o segmento da educação pública. Não só por ser filha de professores – um deles coordenador que até pouco tempo atrás estava na ativa –, mas por ela mesma ter sido uma. Por oito anos, foi a “profe Rê” que alfabetizou e marcou a vida de alunos com deficiência intelectual na Capital.

De lá pra cá, trocou a lousa e o caderno pautado pela papelada dos processos civis – tendo até a Constituição como seu livro de cabeceira. E assim luta incansavelmente pelos direitos dos professores contratados no município de Campo Grande, no Estado de Mato Grosso do Sul e inclusive no Brasil. “Não é para os moles”, brinca sobre o trabalho árduo nos últimos 24 anos.

Só em casos relacionados ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), ela fez com que mais de dois mil professores recebessem o que fossem de direito. E ainda faltam outros mil, como afirmou em entrevista à redação do O Estado Play.

O Estado Play: Qual a problemática atual?

Renata Lacerda: Antigamente, os professores contratados não recebiam o FGTS. Inclusive, até poucos anos atrás, esses profissionais nem sequer tinham direito às férias. Fui uma das primeiras advogadas brasileiras a discutir a fundo esses assuntos na esfera da Justiça. Em razão do ajuizamento de uma ação minha no ano de 2005, o STF (Supremo Tribunal Federal) entendeu que esse profissional merece o pagamento. Só em Mato Grosso do Sul, são entre quatro a cinco mil servidores – e a maioria nem sabe que tem direito ao Fundo. Se eles mesmos não tem conhecimento da prerrogativa, como é que iriam poderiam pleitear?

O Estado Play: Então como corrigir isso?

Renata Lacerda: O correto de fato seria que os governos (municipal e estadual) pagassem de forma direta aos prejudicados. No entanto, isso só acontece por meio do ajuizamento das ações. O Estado é o maior desrespeitador das leis que ele próprio cria. O que acontece com os servidores públicos da Educação também acontece em outros níveis, órgãos e secretarias. Precisamos sim de mais informação, de mais gente estudando as leis e decretos, indo pra cima, justamente para achar soluções legais para essas questões.

“Decidi que iria fazer como advogada o que eu não fiz enquanto professora”.

O Estado Play: E isso é um universo muito próximo a você…

Renata Lacerda: Eu mesma fui injustiçada várias e várias vezes. Um exemplo prático: passei em cinco concursos públicos, mas só fui chamada para apenas um deles. Como eu entendia que não se tratava de uma “expectativa de direito” e sim de um direito meu, adquirido, constitucional, pedi um mandado de segurança. Até 2002, muitos professores eram aprovados nos certames e também não eram convocados.

Outra questão: já havia terminado a faculdade e estava à espera do diploma físico, e mesmo assim o Estado decidiu que minha posse não deveria ser reconhecida com a graduação no ensino superior. E assim recebi por dois anos seguidos o salário enquanto segundo grau/ensino médio completo. Decidi que iria fazer como advogada o que eu não fiz enquanto professora.

O Estado Play: E por que tem pouca gente fazendo isso?

É uma área difícil. Não é como no Penal ou Civil. Eu tenho que lidar com decretos e legislações muitos esparsas. Meu livro de cabeceira é a própria Constituição Federal, pois parto dela para tudo. Até porque encontro leis vigentes inconstitucionais e que estão a produzir efeitos, portanto, prejuízos. Se você não provocar o Judiciário, não é ele quem vai dizer que determinada lei fere a Constituição.

O Estado Play: Há uma luz no fim do túnel?

Renata Lacerda: Acredite, já melhorou muito. Devido a súmula do STF, todos os juízes em todos os tribunais brasileiros estão vinculados à decisão de garantias aos servidores da Educação. São pleiteados os valores dos últimos cinco anos, que é o prazo de prescrição máximo para a cobrança, com os devidos juros e correções monetárias. Os pagamentos se dão em conta corrente do próprio servidor – o que facilita a vida. Até mesmo, o próprio cliente/professor pode acompanhar a ação on-line, o que dá mais transparência ao processo.

Os advogados sul-mato-grossenses têm um trabalho consistente nesse sentido, de busca pelos direitos das partes. Foto: Arquivo Pessoal

O Estado Play: E como funcionam essas ações? São coletivas?

Renata Lacerda: Na realidade, são sempre individualizadas para que possam ter mais agilidade no Judiciário e também para fins de controle processual. Considerando que ainda estamos em um momento de crise global, qualquer valor que o professor tenha direito é preciso que ele tenha conhecimento – e o receba de fato.

Com relação aos valores, que muitas vezes chegam aos milhares – mês passado mesmo um grupo de professores recebeu R$ 300 mil em FGTS retroativo –, os clientes pedem para que não haja a notificação pública. Ao mesmo tempo que eu entendo a atitude, também é uma limitação nessa área: quem recebe o que é de direito não compartilha a quem também precisa. E isso é uma questão não só regional, mas em todo o Brasil. É triste afirmar isso. O trabalhador, especialmente o da Educação, não deveria ser jamais penalizado pela postura dos governantes e pela falta de uma uniformização nos regulamentos.

O Estado Play: Você acredita que ainda possa existir uma compilação legal dessas inconstitucionalidades?

Renata Lacerda: Acredito que não. É muito difícil. O Congresso mesmo não tem interesse no assunto. Meu trabalho é de formiguinha, de muito boca a boca. Meus clientes sempre vem indicados por alguém, é assim. Como disse anteriormente: por que o professor público contrataria um advogado se com esse valor ele poderia usar em área de emergência, como as contas da casa ou alimentação da família? E o crime infelizmente fica impune…

Para se ter uma ideia: entre mil pessoas prejudicadas, apenas 10% buscam a Justiça. E olha que em MS somos a população que mais procura pelo seu Judiciário. Tanto é que os advogados sul-mato-grossenses têm um trabalho consistente nesse sentido, de busca pelos direitos das partes.

O Estado Play: Você ainda pensa em voltar para a sala de aula um dia?

Às vezes me pego sonhando que eu ainda dou aula. Ser educador – como também ser advogado – não é para os “moles”. Mas eu me sinto mais feliz, mais realizada, quando vejo que reparei alguma injustiça para os professores, e isso fez com que mudasse a vida deles. Teve quem quitou dívidas, comprou a própria casa… muitas histórias bonitas de serem divididas.

Mas, em particular, me lembro de uma professora que ajudei já algum tempo. Ela me ligou chorando ao saber do resultado, de ter ganho a ação. Com aquele dinheiro, ela pode pagar os custos de um tratamento de câncer. É todo um percurso apaixonante que venho exercitando diariamente em prol dos professores. Há muito trabalho pela frente.

1 thought on ““Faço agora o que não fiz enquanto professora”, diz advogada que atua em prol dos servidores da Educação”

  1. Sou muito grata a dra Renata e sua Equipe,depois de longos anos recebi meu FGTS,parabéns são merecedoras aao seu trabalho e o respeito com os seus clientes,MT obgdo.

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