Entrevista da semana com Presidente do Sindicato dos Médicos de MS

Foto: Nilson Figueiredo
Foto: Nilson Figueiredo

[Texto: Tamires Santana e Michelly Perez, Jornal O Estado de MS]

Segundo o presidente do SinMed-MS, hoje não há falta de médicos no país, mas incentivos para que os profissionais atuem no interior

Diferente de tempos atrás, o número de faculdades de medicina cresceu muito não só no país, mas também em países que fazem fronteira com o Brasil. Com isso, para o presidente do SinMed-MS (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso do Sul), Marcelo Santana, o problema de hoje não é com a falta de profissionais, mas com a distribuição deles dentro do território brasileiro.

Segundo Marcelo, isso ocorre porque não existem incentivos para que esses médicos queiram ir atuar no interior. “Os vínculos de emprego dentro do interior do país são muito poucos e, além disso, temos a questão de ter uma falta de estrutura muito grande nas cidades mais afastadas, o que limita muito o trabalho do médico e faz com que, inclusive, tenha um receio muito grande de ir para esses locais, não tendo condições de atender adequadamente a população”, reforçou.

Em relação à quantidade de novos profissionais formados, o presidente da entidade assegurou que o problema não é a quantidade, mas a qualificação deles. “O número de profissionais deve crescer muito nos próximos anos, mas isso a gente não vê como um problema. O problema que nos deixa mais preocupados é com a qualificação que muitos profissionais terão, pois temos visto que muitas universidades que abriram, inclusive nem hospital têm, como hospital-escola. Então, a gente fica mais preocupado com a questão da qualidade da formação do profissional”, disse.

Outro ponto que tem preocupado Santana é a questão da pejotização dos médicos do Brasil. Ele afirma que muitos têm trabalhado até mesmo informalmente. “Porque não tem vínculo de trabalho, não têm férias, 13º salário, a mulher não tem, quando médica, a licença-maternidade e a gente tenta, então, formalizar o trabalho médico, principalmente com essa questão de trazer novos concursos públicos para a área e poder haver um vínculo empregatício sólido para o médico de Mato Grosso do Sul”, comenta.

O Estado: Quantos médicos temos, atualmente, atuando no Estado?

Marcelo Santana: Temos em torno de uns 7 mil médicos na ativa. Como esses médicos estão tendo uma formação muito grande, a gente acredita que esse número varia anualmente, de uma forma muito expressiva.

O Estado: Quais são os maiores desafios enfrentados pela categoria?

Marcelo Santana: Principalmente no que tange às condições de trabalho, falta de melhorias nas mesmas e nos leitos hospitalares, que são poucos também. Outra questão é quanto aos concursos públicos – estamos com poucos concursos na área da saúde.

O Estado: A pandemia mudou a rotina de trabalho em diferentes segmentos. Quais foram os legados e lições deixados na medicina?

Marcelo Santana: Principalmente a questão que vimos foi a vulnerabilidade da categoria para atender. Os médicos ficaram mais expostos durante a pandemia, muitos profissionais adoeceram, muitos morreram. Então, vimos o quanto é difícil trabalhar com a área da saúde, na atualidade. Vimos todas as dificuldades que a gente tem, não só de material, mas também de condições de trabalho, principalmente, nas unidades públicas. Elas representam as maiores dificuldades em relação ao trabalho do médico.

O Estado: Atuando à frente do sindicato e conhecendo as demandas da classe, acredita que estes profissionais estão tendo o reconhecimento necessário por parte do Governo do Estado e da Prefeitura?

Marcelo Santana: Esse é um embate que a gente tem, diariamente, para o reconhecimento do profissional da área de saúde com um plano de cargos e carreiras, de conseguir tal plano na Prefeitura, para entrar em vigência no dia 31 de dezembro. No Governo do Estado nós também estamos lutando por um plano de cargos e carreiras. E o concurso público também, junto ao Estado, que vai ser lançado neste ano para alguns profissionais médicos, mas principalmente essa questão do reconhecimento que os médicos precisam ter, em relação ao trabalho formal. A gente vê que hoje tem muito a questão da pejoratização desses profissionais no Brasil, pois eles trabalham de uma forma, digo que até informal, porque não tem vínculo de trabalho, não têm férias, 13º salário, a mulher não tem, quando médica, a licença-maternidade e a gente tenta, então, formalizar o trabalho médico, principalmente com essa questão de trazer novos concursos públicos para a área e poder ter um vínculo empregatício sólido para o médico de Mato Grosso do Sul.

O Estado: Os profissionais médicos de MS se sentem sobrecarregados? Qual é a média de afastamentos destes profissionais por problemas de saúde?

Marcelo Santana: São sim, pois os profissionais, muitas vezes, não tem apenas um vínculo empregatício. Muitos deles trabalham com vários vínculos, com jornadas de trabalho bastante extensas e condições, muitas vezes, sem qualidade para realizar o atendimento da forma que ofereça segurança aos profissionais. A gente pode ver, principalmente, em relação à medicação, a materiais e equipamentos médicos, isso não é disponibilizado nos locais de atendimento. Fora isso, as demandas dos profissionais, geralmente, são muito grandes: o profissional atende um número muito grande de pacientes durante o período do plantão, então isso, com certeza, faz com que eles, no decorrer do tempo de atendimento, vão se sentindo bastante cansados. Principalmente na área de saúde, a gente vê que não só entre os médicos, mas entre todos os profissionais da área da saúde, devido a toda essa sobrecarga de trabalho, eles acabam se afastando, principalmente por problemas psicológicos. A gente tem um número grande, que deve girar, hoje, em torno de, pelo menos, 15% dos profissionais, que acabam tendo algum tipo de prejuízo ao longo do período de sua atividade.

O Estado: Como avalia o novo modelo aplicado ao programa Mais Médicos, que neste ano priorizou os profissionais nacionais?

Marcelo Santana: É sempre importante priorizar estes profissionais, principalmente porque hoje nós temos um número muito grande de faculdades e de formandos no Brasil. Então, a gente sabe que hoje o problema não é mais a falta do profissional, o grande problema é a distribuição destes profissionais dentro do território brasileiro. Isso ocorre, basicamente, porque não há incentivo para que os médicos vão para o interior. Os vínculos de emprego dentro do interior do país são muito poucos, muito sensíveis, muito instáveis, então a gente sabe que esses profissionais vão para o interior sem vínculo algum, sem saber se vão ficar empregados ou não, se deslocam com suas famílias para esses locais e nem sequer sabem se vão poder desenvolver raízes nas localidades.

Além disso, temos a questão de ter uma falta de estrutura muito grande nas cidades mais afastadas, o que limita muito o trabalho do médico e faz com que, inclusive, haja um receio muito grande de ir a esses locais, por não terem condições de atender adequadamente à população.

O Estado: Nos últimos meses, voltou à tona o debate sobre a preferência de profissionais por atuarem em clínicas particulares em vez de atuarem pelos convênios, com os planos de saúde, pela baixa remuneração. Acredita que esta seja a tendência que será adotada nos próximos anos?

Marcelo Santana: Acredito que não, principalmente porque o número de profissionais hoje, em todas as áreas e na medicina, é muito grande. Esses profissionais acabam se submetendo a outros tipos de trabalho, independentemente do desejo ou não.

Com relação à preferência, posso dizer que muitos médicos têm perfil para atender nos SUS e, se fosse deSegundo o presidente do SinMed-MS, hoje não há falta de médicos no país, mas incentivos para que os profissionais atuem no interior pender deles, eles atenderiam lá em vez de atender no sistema privado de saúde. Porque na formação médica, nós entramos em contato com o SUS, as universidades públicas e privadas acabam que, em algum momento, realizam esse aprendizado no SUS e muitos médicos acabam se identificam com os pacientes e preferem atender
no SUS, se as condições de trabalho fossem adequadas.

Os planos de saúde hoje, em relação à remuneração, também estão bastante deficitários, mas é muito difícil ter um profissional que atenda apenas os pacientes no particular, essa não é uma realidade em boa parte dos consultórios. É a realidade de uma minoria de médicos, que conseguem atender a pacientes privados. Em algumas especialidades, isso pode ocorrer, sim, por exemplo, na neuropediatria, na psiquiatria e em outras especialidades com baixo número de profissionais. A gente sabe que a lei da oferta e da procura faz com que eles tenham a oportunidade de atender mais
pacientes particulares, mas essa não é uma realidade da medicina, que está bem longe disso.

O Estado: Campo Grande vive uma falta de profissionais pediatras e o município chegou a apresentar proposta de redução de plantonistas e recuou. Na sua opinião, tirar esses profissionais poderia representar um risco às crianças?

Marcelo Santana: O que eu digo, sempre, é que a prefeitura estava com o argumento de que ela não reduziria os atendimentos da pediatria e que, na realidade, ela faria uma redistribuição destes profissionais na rede pública de saúde. Só que essa redistribuição é complexa porque, ao fazer a concentração desses profissionais em poucos locais, você tira a acessibilidade dos pacientes. Imagine o seguinte: você mora num local muito periférico da cidade e tem apenas duas opções para se deslocar com o seu filho para atendimento. O transporte público, na Capital, encerra à meia-noite e não é todo mundo que está na periferia que consegue acionar um motorista de aplicativo, e também, em algumas regiões, os motoristas acabam nem indo depois de determinado horário e não é todo vizinho que pode auxiliar no transporte. Então, na realidade, foi por isso que a gente foi tão enfático em combater esse projeto que a prefeitura quis adotar e que a entidade não estaria de acordo com ele e em nenhum momento a prefeitura consultou a categoria sobre a elaboração da adequação.

O Estado: A remuneração paga aos profissionais e os adicionais por especialidades estão defasados?

Marcelo Santana: A tabela SUS já é uma tabela defasada, naturalmente. Com relação aos plantões pagos pela prefeitura, pelo serviço público e privado, nós temos uma defasagem, sim, enfrentamos essa questão financeira também dentro da gestão pública. Com relação aos pediatras, é importante dizer que existem pediatras, só que, devido à destrutividade que se tem em trabalhar dentro da prefeitura, eles acabam optando por trabalhar em outros locais. Mas, com certeza, com política séria, concurso públicos adequados, eles atenderão na rede pública.

O Estado: Sobre a falta de anestesistas nos hospitais públicos, ela existe realmente?

Marcelo Santana: Nos três principais hospitais públicos de importância no atendimento municipal, como o Hospital Universitário, o Regional e a Santa Casa, não. O Hospital Universitário é um hospital federal, o regional é estadual e a Santa Casa é uma fundação, nestes hospitais são onde ocorrem as principais cirurgias de grande porte e temos também o São Julião, mas há, nestes hospitais, contratos fechados com anestesistas, então, não recebemos nenhuma informação sobre a falta de anestesistas.

O Estado: Como avalia o cenário do profissional médico nos próximos anos, em Campo Grande e no Estado?

Marcelo Santana: O cenário é complexo. Foram abertas muitas universidades, não só no Brasil, mas também na fronteira com outros países, o que faz com que o número de profissionais deva crescer muito nos próximos anos, mas isso a gente não vê como um problema. O que nos deixa mais preocupados é com a qualificação que muitos profissionais terão, visto que muitas universidades que abriram, inclusive, nem hospital têm, como hospital-escola. Então, a gente fica mais preocupado com a questão da qualidade do profissional do que com a questão do número de profissionais, mas é uma situação em que a gente vê que teremos muitos mais profissionais, em quantidade.

Segundo a OMS, o Brasil é um país que tem um número per capita de médicos muito acima da maior parte dos países do mundo e também, sobre as escolas médicas, só perde para a Índia, proporcionalmente, então, não vai ser a falta de profissionais que será problema nos próximos anos, e sim o quanto que o sistema de saúde vai avançar em estrutura, número de vagas e acesso ao atendimento pela população. Acesse também: Morre a atriz Aracy Balabanian, aos 83 anos

Confira as redes sociais do O Estado Online no Facebook Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *