Entrevista da Semana com a subsecretária estadual de Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência

Entrevista da Semana com a subsecretária estadual de Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência
foto: Luan Saraiva

“Não precisamos de tolerância. Precisamos de respeito, oportunidades e condições”

Na terça-feira, 21 de setembro, é o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência (PcD). De acordo com levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 8,4% da população brasileira acima dos 2 anos de idade tem algum tipo de deficiência – isso representa 17,3 milhões de pessoas. É um alerta para a necessidade de se colocar em prática o que já existe de leis que trazem políticas de direitos para este público e ampliar o debate quanto às pessoas com deficiência nos seus mais diversos aspectos como saúde, acessibilidade, mobilidade, e serem vistas pela sociedade como cidadãos que podem tranquilamente estar no mercado de trabalho. 

Recentemente, o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul incumbiu a pedagoga especialista em metodologia da educação especializada para o atendimento, Telma Nantes de Matos, como subsecretária estadual de Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência. “A criação desta subsecretaria é um compromisso do governador Reinaldo Azambuja com o segmento das pessoas com deficiência, com os profissionais e com toda a sociedade envolvida com a causa das pessoas com deficiência de Mato Grosso do Sul. Acreditamos que, ao ser criada, a subsecretaria é muito mais que uma proposta de governo. É uma proposta de Estado para com as pessoas com deficiência”, destaca.

Telma reforça que a questão da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um grande desafio. Falta reconhecimento sobre capacitações e valorização financeira. “Precisamos de respeito, oportunidades e condições. A deficiência não é peso para os familiares e para as pessoas com deficiência, quando temos acesso aos bens e serviços para minimizar as dificuldades do dia a dia”, cobra. 

O Estado: Há pouco tempo, foi instituída a Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para as Pessoas com Deficiência. Qual a função dessa pasta?

Telma Nantes: A subsecretaria tem, como competências básicas, a promoção e a defesa dos direitos da pessoa com deficiência; estimular estudos e debates; promover a participação das organizações representativas na formulação das políticas públicas para pessoas com deficiência; assegurar a universalização dos direitos, a visibilidade e o protagonismo das pessoas com deficiência; realizar a condução e a articulação das ações governamentais entre os órgãos e as entidades governamentais e os diversos setores da sociedade, sempre com o objetivo de realizar a necessária inclusão social das pessoas com deficiência; e desenvolver projetos e programas para melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência do Estado.

A criação desta subsecretaria é um compromisso do governador Reinaldo Azambuja com o segmento das pessoas com deficiência, com os profissionais e com toda a sociedade envolvida com a causa das pessoas com deficiência do Estado de Mato Grosso do Sul. Acreditamos que, ao ser criada, a subsecretaria é muito mais que uma proposta de governo. É uma proposta de Estado para com as pessoas com deficiência.

O Estado: Que desafios já percebeu que vai ter de enfrentar para que as políticas públicas da pasta saiam do papel?

Telma Nantes: O maior desafio é fazer um trabalho para que as políticas públicas cheguem a cada uma das pessoas com deficiência em MS, por meio de mobilização e articulação com os órgãos governamentais, organização da sociedade civil e demais atores responsáveis pela efetivação dos trabalhos a serem realizados. Precisamos enxergar que temos um grande público de pessoas com deficiência, as quais, na maioria, são invisíveis e buscam a sua sobrevivência e a garantia dos seus direitos. As pessoas com deficiência são cidadãos que buscam os seus espaços na sociedade. Diante dessa realidade, faz-se necessário realizar ações para que as políticas públicas, por meio de serviços, programas e projetos cheguem a todas as pessoas. No momento, estamos dialogando com órgãos, organizações e pessoas com deficiência que devem protagonizar o momento, para que sejamos o máximo assertivos na realização dos nossos trabalhos.

O Estado: Hoje, quais são os problemas mais rotineiros na vida da pessoa com deficiência?

Telma Nantes: Acredito que as maiores barreiras que nós pessoas com deficiência enfrentamos, primeiramente, são as barreiras atitudinais e em segundo lugar as barreiras arquitetônicas. Para eliminar todas as barreiras precisamos mudar os nossos olhares para com as pessoas com deficiência. É uma reivindicação e está prevista em lei a eliminação de todas as barreiras. Assim diz a Lei Brasileira de Inclusão: “Art. 2º, IV – barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros…”.

Devemos ter como premissa a acessibilidade e a inclusão. Pois as pessoas com deficiência precisam ter acesso aos bens e serviços, aos espaços e a todas as políticas públicas que estão disponíveis. Também precisamos pensar e realizar ações específicas para as pessoas com deficiência. Creio que vivemos um momento em que as pessoas com deficiência devem se colocar como protagonistas na defesa dos seus direitos. A acessibilidade e a inclusão são os meios para que as pessoas conquistem os seus direitos e os seus deveres de cidadãos e, consequentemente, a sua inclusão social.

O Estado: Acredita que a pandemia dificultou o acesso das pessoas com deficiência à saúde e ao emprego?

Telma Nantes: A pandemia isolou todas as pessoas, inclusive isolou com mais gravidade as pessoas com deficiência, que antes da pandemia viviam um isolamento velado. Quanto ao distanciamento social, podemos considerar que trouxe um prejuízo imenso. Pois, enquanto buscamos a inclusão social, é necessário o afastamento social. Mais do que antes, as pessoas com deficiência ficaram isoladas. A questão fica mais complexa quando pensamos na diversidade e nas especificidades dos tipos de deficiência. Por exemplo, as pessoas que dependem de cuidadores: a questão dos cuidados pessoais por terceiros coloca as pessoas com deficiência em risco. No período da pandemia as pessoas com deficiência visual (cegas e com baixa visão) e as pessoas surdas viveram uma realidade de não ter acesso à comunicação e à informação. Infelizmente, a maioria das campanhas de orientação sobre COVID-19, em razão da falta de acessibilidade, não chegavam até esses cidadãos. 

Outro caso é a realidade das pessoas com deficiência intelectual, que têm a compreensão das informações processadas de forma diferente, sendo assim, as informações sobre prevenção e cuidados à COVID-19 devem ser realizadas de forma que essas pessoas as compreendam. Nós precisamos pensar em uma comunicação com uma linguagem simples, direta e acessível para todos, também traduzida em libras para as pessoas surdas e com audiodescrição para as pessoas cegas. Isso está previsto nas legislações e nas políticas públicas, mas precisamos efetivar. Precisamos destacar a importância das tecnologias para as pessoas com deficiência em tempo de pandemia. O digital fez parte das realidades das pessoas com deficiência. Houve uma necessidade de investimentos nos recursos tecnológicos, muitas pessoas com deficiência realizaram e continuam realizando os seus trabalhos de forma remota. Inclusive uma  luta das pessoas com deficiência para ter o direito do teletrabalho.

O Estado: A lei que obriga as empresas a garantirem vagas a pessoas com deficiência completou 30 anos em 2021. Esta legislação é suficiente com relação ao mercado de trabalho?

Telma Nantes: Infelizmente, a questão da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho é um grande desafio. A realidade é de que muitas pessoas com deficiência com suas respectivas capacitações ainda não são reconhecidas e valorizadas pelo mercado de trabalho. A questão fica mais complexa quando pensamos na diversidade e nas especificidades das deficiências, os empregadores precisam mudar os seus olhares e ver as pessoas com deficiência como profissionais. Uma questão que precisamos analisar e reconhecer são os casos das pessoas com deficiência que estão vivendo do BPC, aos quais são oferecidos empregos com o salário-mínimo – as pessoas não se sentem seguras em deixar o benefício para assumir um trabalho com ganho semelhante ao benefício. 

Atualmente as pessoas com deficiência podem solicitar por dois anos a suspensão do benefício. No caso de o emprego não ter sucesso, a pessoa pode voltar para o benefício. Também temos para ser efetivado o auxílio-inclusão, no qual as pessoas que forem empregadas com até dois salários-mínimos recebem um valor como auxílio-inclusão. Isso já é realidade em muitos países. Eu acredito que devemos realizar ações para a formação das pessoas com deficiência, incentivar o empreendedorismo, as oficinas protegidas. Mas, principalmente, os empregadores precisam ver as pessoas com deficiência como profissionais.

O Estado: De forma geral, a sociedade brasileira é tolerante com as pessoas com deficiência?

Telma Nantes: Não precisamos de tolerância. Precisamos de respeito, oportunidades e condições. A deficiência não é peso para os familiares e para as pessoas com deficiência, quando temos acesso aos bens e serviços para minimizar as dificuldades do dia a dia. Precisamos eliminar as barreiras atitudinais, que são as que mais limitam as pessoas com deficiência. Precisamos olhar para as pessoas que por acaso vivem com uma deficiência. Valorizando mais a pessoa que a deficiência.

O Estado: O governo consegue sanar ou amenizar boa parte desses problemas?\

Telma Nantes: O governo, tanto em âmbito federal, estadual e municipal, tem realizado ações. Porém não atinge todas as pessoas com deficiência, pois não é tão simples realizar um trabalho. Tem a necessidade do envolvimento de todos, gestores públicos, sociedade civil, comunidade e das pessoas com deficiência. Precisamos aprender a fazer valer os direitos que estão previstos nas legislações. As pessoas com deficiência precisam sair da invisibilidade e apresentar a sua pauta para que todos conheçam as suas necessidades e as suas possibilidades.

O Estado: O que ainda falta fazer, em nível nacional, para atender este público?

Telma Nantes: As políticas públicas têm de acontecer nas cidades, nos bairros, onde as pessoas vivem.

O Estado: O mundo acompanhou recentemente as paralimpíadas. Como avalia a inclusão pelo esporte?

Telma Nantes: A paralimpíada mostra para o mundo que a deficiência não é limite. As pessoas com deficiência, com apoio, incentivo e condições, conseguem superar os obstáculos e transformar a sua vida por meio da superação e das conquistas. Assim é quando há conquista na educação, no acesso ao trabalho e na inclusão social de uma maneira geral. Precisamos minimizar a deficiência por meio de ações que venham promover a inclusão em todos os meios: educação, trabalho, saúde, assistência social, desporto, turismo, lazer e outros. Talvez o caminho para a inclusão das pessoas com deficiência seja o fortalecimento das redes de atendimento para os cidadãos com deficiência.

(Texto: Bruno Arce)

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