Especialistas analisam momento político e suas vertentes históricas que culminam com escolha de candidatos
As eleições deste ano marcam a história da democracia no Brasil, e acontecem no próximo domingo (2), das 7h às 16h em Mato Grosso do Sul. A conjuntura do pleito 2022 é resultado de uma série de fatos, que tiveram início muito antes da eleição de Jair Bolsonaro em 2018.
Fatos como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fortalecimento de grupos antipetistas, de direita e extrema-direta, polarização violenta, levantamento de dúvidas sobre a urna eletrônica e instituições. Este é um momento eleitoral que será contado nos livros de história. De forma hipotética pode até ser chamada de 3º turno das eleições de 2018.
O analista político Tercio Albuquerque diz que o Brasil é uma democracia jovem, e citou como marcante o ano de 1945, época de Getúlio Vargas, onde se possibilitaram eleições livres com vários partidos se apresentando; e a eleição de Eurico Gaspar Dutra; o ano de 1964 com o conhecido golpe; e 1988 quando se voltou à prática da democracia.
Albuquerque pondera a excepcionalidade deste pleito pelo fato de Lula concorrer após dois mandatos, ser preso, ter processos anulados e não inocentado e protagonizar a polarização com Bolsonaro.
“Estas eleições trazem uma situação de excepcionalidade. A característica histórica a ser apresentada é o fato de termos um candidato que foi presidente da República por dois mandatos consecutivos, e que em razão do último mandato sofreu processos judiciais que o conduziram à prisão por um período superior a um ano. Então, mesmo tendo os seus processos anulados é importante destacar que Lula não foi inocentado dos processos. A anulação ocorreu por problema de competência da época do juiz Sergio Moro, da vara federal de Curitiba, quando haveria de os processos serem tramitados na vara federal de Brasília. Aconteceu que, nessa declaração de nulidade processual, houve a prescrição, ou seja, não houve mais possibilidade de manifestação para um eventual desenrolar dos processos.”
O analista enfatiza que a nulidade não dá inocência, mas permite a disputa como outro candidato qualquer. Além disso, ele destaca que há outras candidaturas à disposição do eleitor, além de Lula e Bolsonaro.
Tercio Albuquerque diz que a polarização ou bipolarização é nefasta para a democracia, a partir do momento em que se parte de um relacionamento democrático de ideias, para um relacionamento de inimizades e de confronto.
“Então, se Lula se eleger como as pesquisas indicam, historicamente será um grande momento democrático porque vai ser usado pela história, e vai mostrar quem Lula foi durante os mandatos anteriores e muito vai se dizer do que serão os próximos anos do seu mandato. Se teve mudança de comportamento, o que significaram esses problemas que ele passou na gestão antecedente, os processos penais que sofreu. Então, espera-se que o Brasil tenha uma recuperação na sua condição de democracia, mostrando ao mundo e aos próprios brasileiros que muito mais de um embate entre dois candidatos, o Brasil é muito além disso, que permite ainda assim, observadas as características da lei, que até um ex-presidiário possa concorrer à eleição majoritária nacional.”
Professor da UEMS
Doutor em Ciência Política da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), o professor Ailton de Souza pontuou que essa possibilidade de um “terceiro turno” das eleições de 2018 pode até soar mesmo como um momento de tira-teima, no sentido de que o eleitorado brasileiro vai avaliar agora.
Ele observa que os movimentos de extrema-direita cresceram em todo o mundo e não só no Brasil. Um exemplo é o caso dos Estados Unidos com o ex-presidente Donald Trump, que não aceitou o resultado das eleições ao perder. No Brasil, também houve momentos em que os movimentos de direita descredibilizaram as urnas eletrônicas e políticos indicaram estratégias para o caso de derrota.
“Além de ser a maior eleição da história recente brasileira, é uma eleição histórica pelo aumento do eleitorado ser um tira-teima, sim, da eleição de 2018, e um momento onde houve uma experimentação do governo de Jair Bolsonaro, ou seja, a direita tem Bolsonaro como seu representante. E isso acompanhando um pouco o movimento de nível internacional: o trumpismo.”
Ele cita que movimentos de esquerda vêm se consolidando em nível de América do Sul, uma tentativa de volta dos governos e o resultado da eleição vai consolidar isso ou não.
Para Ailton de Souza, é um marco pelas mudanças do eleitor, aumento da direita, crescimento de uma mídia da direita. Para ele, o eleitor agora vai analisar se o governo foi bom, se trouxe mudanças, se melhorou o país. E se deve optar pela mudança trajada por um governo que já ocupou o cargo por dois mandatos.
“Outro aspecto importante do porquê de essa eleição ser histórica é porque o presidente eleito também vai pegar um país no pós-pandemia. E isso vai ao encontro com os vários grupos que se consolidaram, como, por exemplo, os caminhoneiros, bancadas religiosas, que são atores importantes. Há também as demandas de entidades e grupos que há algum tempo não se manifestam, como o caso do MST, Movimento Sem Teto, e que hoje não vemos manifestação como era antigamente.”
Ele diz que o novo presidente vai ter de lidar com diversas demandas, um ponto que seria marcado pelo desafio de aumentar o emprego e o nível de desenvolvimento do país.
Sempre existiu a direita
O historiador e doutor universitário pela UFMS (Universidade Federal de MS) Eronildo Barbosa destacou pontos da história que são importantes para o resultado das eleições em 2022.
Ele cita que a história da humanidade é cheia de contradições e nos momentos de crise isso se acirra ainda mais, e abre espaço para todo tipo de ideologias. Barbosa destaca que o Brasil notoriamente, em sua trajetória política, sempre cultivou ideologias de direita.
“Nos anos 30 tínhamos o Salgado Filho, nos anos 50, o Carlos Lacerda [opositor de Getúlio Vargas], e nos anos 80 tinha José Sarney, todos de direita. No Congresso Nacional sempre existiu uma parcela importante de pessoas da direita. E uma expressão maior desse movimento é o ex-presidente Fernando Collor de Melo. Então, a direita sempre existiu no Brasil, não é uma coisa nova, é concepção econômica, e ideologia que vem desde os séculos 17, 18, até os dias atuais”, explica ele, que destaca também o surgimento da Escola de Chicago, em 1920 nos Estados Unidos, e que defende o neoliberalismo e privatizações.
O historiador enfatiza que “ser de direita não é ser contra a democracia, é um pensamento político”, porém, para ele, o problema é o surgimento de políticos que caminham na ala da direita e extrapolam ideologias.
“Temos exemplos como o de Adolf Hitler, Benito Mussolini, e todos aqueles que juntam o pensamento de direita com a ditadura, no sentido mais perverso da palavra. São contra negros, pobres, índios. O Brasil já teve ditaduras, mas nunca teve um governo nos termos desse governo atual. O que difere agora é que nem sempre é preciso você ter uma ditadura para fazer as mazelas, você pode fazer coisas parecidas tendo o civil apoiando, ter apoios da base militar, base religiosa, bancada da bala, do agro e dos evangélicos.”
Saída de Dilma à eleição de Bolsonaro
Eronildo destaca que, durante 2003 a 2011, Lula conseguiu driblar os problemas da economia e sair com saldo positivo, o que não foi realizado pela sua sucessora, Dilma Rousseff, que foi deposta em 2016, após vencer a reeleição, durante a arquitetura de alguns líderes do Congresso Nacional.
“A Dilma não conseguiu cuidar das fendas administrativas, e abriu uma brecha para que os conservadores de direita tomassem o governo. Eles perceberam que podiam dar um golpe, mas não o clássico com uso da força militar. Era preciso montar o centrão, com bancada evangélica, escola sem partido, e criando narrativas moralistas, como mamadeira de piroca, etc.”
Barbosa segue dizendo que a primeira fase da operação foi tirar a presidente Dilma Rousseff, e a segunda ter a desmoralização do PT e da esquerda, até culminar na prisão do ex-presidente com o erro de percurso na eleição de Jair Bolsonaro.
Segundo o historiador, a direita não queria elegê-lo, mas teve de engoli-lo após não ter um personagem final para o plano. “O problema é que não conseguiram candidato deles. Tinham só o Bolsonaro. E não tinha como voltar atrás, por isso tiveram de engolir. Bolsonaro costurou com as fake news, militares, e ampliou relação com igrejas pentecostais. Ele entrega ao Congresso Nacional o orçamento secreto com a turma do centrão. E o resultado disso é o caos que se consolida com a pandemia.”
O historiador continua a análise, e cita que os antigos aliados de Bolsonaro rompem com ele após os resultados da eleição.
“Os políticos deram golpe e foram engolidos pela cloroquina de Bolsonaro. E Bolsonaro foi engolido pela cloroquina do centrão, eles estão em aliança até o fim do ano. Eles podem perder no primeiro turno. O centrão vai ter um monte de gente eleita, seja quem for o presidente; e o que fazer nessa democracia? Reeleger o Lula no primeiro turno não basta. Tem de eleger bancada de deputados federais e senadores para dar base de sustentação a ele. Pois, senão, novamente o centrão se fortalece fazendo o mesmo caminho e engolir ele.
Por Rayani Santa Cruz – Jornal O Estado
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