Comércio faz queima de estoque, mas teme consumo abaixo da expectativa

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Foto: Nilson Figueiredo

Explicação é que na região central faltam estacionamentos além de gastos de início de ano 

Após o período de festas, o comércio em geral tem sentido os efeitos da recessão de início de ano. No centro da Capital sul-mato-grossense o cenário não é diferente. Com a chegada do IPVA (Imposto sobre a propriedade de veículos automotores), do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) e dos demais impostos que compõem as contas de janeiro, comerciantes afirmam queda expressiva nos números, que em algumas lojas, chegam até mesmo a 50% de redução.

Embora caracterizado como um movimento natural da economia, lojistas buscam reverter a situação por meio de estratégias comerciais, mas além da dificuldade natural imposta pelo cenário de início de ano, há o incremento da falta de gestão do espaço, tido como componente importante do varejo.

O economista, Lucas Mikael, explica que a estratégia da queima de estoque contribui com a dinâmica econômica ao estimular o consumo e impulsionar as vendas. “Os consumidores são atraídos por ofertas e descontos, o que, por sua vez, aumenta o tráfego nas lojas físicas e virtuais, beneficiando tanto pequenos negócios quanto grandes varejistas. Além disso, a queima de estoque tem o potencial de melhorar o fluxo de caixa das empresas, especialmente após períodos de alta demanda, como as festas de fim de ano. A rápida liquidação de estoques antigos permite que os varejistas gerem receita imediatamente, proporcionando uma base financeira mais sólida para enfrentar desafios futuros e investir em novos produtos e estratégias”, esclarece.

A vendedora líder da loja Yank, Edmara Inácia Santos, 39, explica que as vendas caíram substancialmente e que é preciso “se virar nos 30”. Com o início do ano, ela entende que os clientes estão focados em outras demandas, como a volta às aulas, o material escolar, o IPVA e o IPTU. Com isso, acaba deixando algumas questões de lado, como, por exemplo, o vestuário. “A gente está com uma grande queima de estoque, com uma grande promoção. Além desses descontos, estamos parcelando até em 10x sem juros para facilitar para o cliente ter essa possibilidade, essa vantagem e vir na loja comprar. Trazemos vantagens como descontos e forma de parcelamento, tem produto que estamos com 50% de desconto para facilitar e buscar clientes para a loja. Buscamos esses meios que temos para não cair, mas caiu grande mesmo, de 40% a 50%”, relata a vendedora, que pontua que os itens mais vendidos para o público masculino hoje no quesito vestuário são calçados como tênis e chinelo.

A gerente comercial da Passaletti Calçados, Luana Carneiro, 35, argumenta que é comum que o fluxo caia consideravelmente em janeiro. Por isso, desde o dia 26 de dezembro a loja aderiu à queima de estoque, com itens que chegam a 70% de desconto. Segundo Carneiro, a ideia é fazer com que aquelas pessoas que não conseguiram adquirir nada antes do Natal – uma das datas mais otimistas para o comércio – possam aproveitar as oportunidades ainda no início de ano, ao mesmo tempo que impulsiona as vendas.

“O fluxo caiu e sobretudo no centro da cidade. Eu acompanho as outras regiões, não só das empresas que trabalho, como das outras empresas, ou seja, eu acompanho o mercado. O centro de Campo Grande teve uma queda bem grande no fluxo. As pessoas estão preferindo ir ao shopping. Primeiro, porque não conseguem estacionar no centro da cidade e, como não tem parquímetro, o lojista chega 7h, estaciona e quem precisa comprar não encontra lugar para estacionar. Segundo, porque aumenta cada vez mais o fluxo de moradores de rua no centro da cidade e você não vê nenhum tipo de segurança na esquina, você vê cada vez mais lojas fechadas, então é preciso fazer um trabalho muito grande no centro da cidade”, pontua Carneiro sobre a situação do comércio.

Diminuir atritos 

Segundo o presidente da CDL-CG (Câmara de Dirigentes Lojistas), Adelaido Vila, é preciso diminuir o atrito entre consumidor e consumo. Para solucionar os problemas do comércio, o presidente afirma que tem reunido esforços junto à Prefeitura de Campo Grande e também da iniciativa privada para a montagem de novos estacionamentos. Além de pontuar à prefeita, Adriane Lopes (PP), a necessidade de ações mais efetivas para diminuir a presença de pessoas em situação de rua. “Temos conversado muito com a prefeita sobre a necessidade de uma intervenção mais intensa por parte da assistência social, para essa questão de situação de rua. Ele só sai do local se ele quiser, ele tem a liberdade para permanecer, não existe imposição, então não é possível retirá-lo daqui se ele não quiser. A mesma coisa acontece com o dependente químico, que só vai para o tratamento se ele assim quiser. Então, são modelos hoje que o Brasil infelizmente adota, onde a gente não consegue socorrer pessoas doentes que precisam de apoio”, lamenta o presidente da CDL-CG.

Ainda segundo Vila, a CLD-CG tem atuado em outras frentes, como, por exemplo, levantar imóveis abandonados, criar mecanismos de fortalecimento do mercado local – para aqueles que estão ocupados obter uma tributação diferente dos que estão abandonados, incentivar a utilização dos imóveis, porque quanto mais imóveis ocupados, menor a quantidade de imóveis a serem invadidos. Além de investir, desde 2023, na qualificação e preparação do trabalhador da área central.

“Hoje, lamentavelmente, por conta de tudo que estamos vivendo, esse trabalhador está muito desqualificado, despreparado e até de certa forma, desmotivado. Então, começamos ano passado e esse ano vamos intensificar esse trabalho. O centro de Campo Grande precisa descobrir os diferenciais, porque os problemas já são conhecidos pelas pessoas. Agora a gente precisa enaltecer, por exemplo, o preço excelente e a diversidade muito grande de produtos. Ali você pode comprar com grande valor agregado e baixo valor agregado, você tem consumo dos mais diferentes tipos, então essas virtudes e essas coisas boas tem que ser contadas e pontuadas”, destaca Vila.

Eletrodomésticos

Outro setor que tem sentido os resultados positivos com a queima de estoque são os eletrodomésticos. Com a queda mais que aguardada nos preços, já é tradição para os brasileiros fazerem filas para esperar o chamado “Dia D”. O gerente da Magazine Luiza, Wellington Servin, 29, explica que há 31 anos a loja costuma fazer na primeira sexta-feira de janeiro o “Dia D da Magazineluiza” e que a cada ano que passa, é sempre de praxe nas vendas superar o ano anterior. “Já é tradição, é sempre assim, a gente tem clientes todos os anos que vem dormir aqui na frente. Quando a gente está indo embora um dia antes ou chega umas 4h ou 5h horas, já tem gente esperando na fila, porque realmente é uma liquidação que compensa e que vale a pena. Antigamente a gente trabalhava muito no mostruário, então pegou levou e hoje em dia a gente ainda tem a opção de vender do depósito com o mesmo valor, então melhorou bastante porque o cliente paga barato e ainda recebe o produto novinho lá na casa dele”, explica o gerente.

Conforme relata Servin, neste ano, os itens mais vendidos na liquidação que começou no dia 5 de janeiro e terminou no dia 7, foram o travesseiro e a panela de pressão. Segundo o gerente, os consumidores da queima de estoque são um público diferente da Black Friday, por exemplo, porque aqueles que vem na primeira sexta-feira do ano são clientes antigos, que já estão ligados nas promoções da loja. “A gente tem de praxe aquele travesseiro baratíssimo [R$ 10] e a panela de pressão muito barata [R$ 25], a maioria dos clientes vem atrás dessas promoções. Mas, a gente tem aí todos os setores da loja com um preço legal e os mais vendidos são esses dois. Claro que também tem tecnologia, imagem, celular e eletrodomésticos e a lavadora e a geladeira são as que mais saem”, destaca.

Cenário otimista

Conforme aponta a CNI (Confederação Nacional da Indústria ), o empresário industrial entrou em 2024 mais otimista. De acordo com o Índice de ICEI (Confiança do Empresário Industrial), houve um avanço de 2,2 pontos na pesquisa entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, fazendo com que o número subisse de 51,0 pontos para 53,2 pontos. A pesquisa foi feita a partir de um indicador que varia de 0 a 100, com 1.271 empresas, entre 4 e 10 de janeiro. A lógica é seguida por uma linha divisória de 50 pontos, onde valores abaixo dessa linha representam falta de confiança dos empresários e acima apontam confiança.

O sócio-proprietário da rede Tatiane Jarcem Confecções, Rafael Moura, explica que o trabalho tem sido intenso para a queima de estoque. Hoje, a loja conta com redução dos preços que vão de 30% a 70% em pelo menos 300 itens. Com isso, peças que no fim do ano estavam sendo vendidas por R$ 149, são comercializadas em janeiro ao preço mínimo de R$ 20. “Hoje deve ter apenas umas 30 ou 40 peças ali, mas só assim para aquecer a economia e a gente poder fomentar. Começamos na semana retrasada, passou o ano novo e já entrou a queima de estoque nas duas primeiras semanas, agora estamos na terceira. São pelo menos de 30% a 40% positivos em cima do contexto anual. O janeiro passado foi muito melhor do que esse, esse está bem abaixo da realidade e com essa alta na economia, as pessoas estão segurando a plata, o dinheiro. Estamos fazendo o que podemos, baixando o preço e reduzindo custos para poder chamar o cliente, mas a qualidade é a mesma”, argumenta Moura.

Além da loja física, a rede Tatiane Jarcem também conta com a etapa de confecção, feita pela própria empresa, que é configurada como uma Startup do governo, ou seja, uma empresa emergente em pleno desenvolvimento. Com isso, além da queima de estoque ser um fator de impulsão para a loja, auxilia também na geração de empregos na etapa de confecção. “Só baixamos o preço para passar 2024 com novidades e dar trabalho para as costureiras, elas precisam de trabalho, quando a gente diminui o valor aqui, aumenta o trabalho delas. São várias costureiras, somos uma startup do governo do Estado e a gente trabalha em dois segmentos, porque a gente trabalha aqui com a loja e com o resto do material a gente usa para fazer cama pet, roupa infantil e tudo que você pensar, então nada se degrada aqui”, completa.

Por Julisandy Ferreira.

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