“Campo Grande está vivendo a realidade da disputa do tráfico de drogas”, diz delegado-geral

Delegado Geral da PCMS, Roberto Gurgel. Fotógrafo: Nilson Figueiredo
Delegado Geral da PCMS, Roberto Gurgel. Fotógrafo: Nilson Figueiredo

Para o delegado-geral da PCMS (Polícia Civil de Mato Grosso do Sul), Roberto Gurgel, a principal motivação para a quantidade de homicídios que vem ocorrendo na Capital está ligada a disputa do tráfico de drogas. “O tráfico funciona assim: primeiro, ele domina um território para que depois ele possa fazer a venda do entorpecente. Enquanto essa disputa territorial não se finaliza, esses homicídios vão continuar, cada vez mais”, explicou. 

Campo Grande, de acordo com dados da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), já registrou 51 homicídios, de 1º de janeiro a 23 de maio, e tem “vivido ares de fronteira”, isso porque a região da faixa de fronteira, composta por 44 municípios, registrou 73 mortes, no mesmo período, uma média de 1,6 assassinato por cidade. 

O delegado-geral afirmou, ainda, que os presídios da Capital também têm influência no número de execuções porque, segundo ele, o presídio não traz apenas o preso, inclusive, sobre o presídio federal instalado em dezembro de 2006, em Campo Grande, ele afirma: “Quando você constrói um presídio, não é só o preso que vem, vêm as famílias, vêm os outros membros da organização criminosa, que não estão presos. Então, existe esse efeito colateral também, na questão dos presídios”, assegurou. 

Mas, apesar de Mato Grosso do Sul ser um Estado estratégico para o tráfico de drogas por fazer divisa com dois países produtores de entorpecentes, Paraguai e Bolívia, de acordo com Gurgel, o Estado apresenta um bom enfrentamento, assim com um dos melhores percentuais de elucidação de homicídios, do país. 

“Eu vejo, hoje, o Estado em uma posição estratégica de importância para o tráfico, que envolve diretamente os homicídios, mas com uma resposta muito boa, com um enfrentamento muito bom. Mato Grosso do Sul é o Estado que mais apreende droga no Brasil e um dos três Estados que mais elucida crimes de homicídio, então, quando se fala da quantidade de homicídios precisa ser feita uma segunda perna da informação, que é a quantidade de casos elucidados e isso mostra a efetividade das forças policiais do Estado”, finaliza.  

O Estado: Por que Campo Grande tem registrado muitos assassinatos e execuções? 

Roberto: Grande parte desses casos são disputas entre facções criminosas e sempre o pano de fundo se consiste na questão relacionada à droga, venda e pontos de venda, domínio territorial. Obviamente, que as “leis” dos criminosos, a forma deles agirem, muitas vezes, é resolvendo a situação desta forma, com homicídio. O que nós temos acompanhado e feito é identificar esses autores, identificar essas facções e levar os autores para responderem pelos homicídios, isso independente de a vítima ser um criminoso ou não. O Mato Grosso do Sul, como um todo, é um ponto estratégico, tanto para o tráfico de drogas quanto para os órgãos e forças policiais e para os traficantes, porque ele faz fronteira seca, mais de 1,5 km de extensão, com dois países produtores de droga, sendo o Paraguai o maior produtor de maconha do mundo e a Bolívia, que é o terceiro produtor de cocaína do mundo, então, para os criminosos, é beber na fonte, correr atrás daquilo que eles têm interesse, que é a droga na fonte onde ela é produzida, onde ela é mais barata, dentre outros fatores. Aos órgãos de segurança pública, ao contrário, é conter esse tipo de ação e avanço da criminalidade, fazendo com que as apreensões possam diminuir o interesse ou reprimi-lo. Óbvio que o tráfico é extremamente lucrativo e que isso é uma guerra difícil, diante da lucratividade. Eu sempre falo que o criminoso não é apaixonado pelo crime, ele é apaixonado pelo produto do crime, pelo lucro que ele tem com o crime.

O Estado: Segundo dados da Sejusp, neste ano, foram 51 homicídios na Capital e 73, na faixa de fronteira, composta por 44 municípios. Campo Grande passou a ter ares de fronteira? 

Roberto: Na verdade, Campo Grande está vivendo a realidade da disputa do tráfico de drogas e, enquanto essa disputa territorial não finda, esses homicídios vão continuar ocorrendo, cada vez mais. E as pessoas, membros de facções, que estão estabelecidas na região de fronteira, elas têm suas pernas na Capital, pelo fato de ser o principal centro do Estado, mas também pelos presídios que existem, em Campo Grande. A disputa que existe na fronteira por território e venda de droga reflete também em uma disputa interna, em presídios e na sociedade, onde eles se instalam.

O Estado: A vinda do presídio federal contribui para essa onda de violência? 

Roberto: Eu acredito que, em grande parte, sim, porque quando se constrói um presídio, não é só o preso que vem, vêm as famílias, vêm os outros membros da organização criminosa que não estão presos. Então, existe esse efeito colateral na questão dos presídios. 

O Estado: Hoje, o crime organizado é dividido por quais facções? 

Roberto: Tem o PCC (Primeiro Comando da Capital), o CV (Comando Vermelho), temos as organizações criminosas que atuam especificamente dentro do Paraguai, na produção de maconha, na Bolívia, na produção de cocaína, ainda existem ramificações de FARC na Colômbia, terceiro comando, no Rio de Janeiro, de maneira um pouco mais enfraquecido, mas que tem reflexão, porque aqui é fonte produtora, tem a Amigo dos Amigos, que é a ADA, tem a Família do Norte… Há uma grande quantidade de facções criminosas no Brasil.

O Estado: Como MS pode fazer para não ficar marcado nos noticiários nacionais pelos crimes de tráfico e morte? 

Roberto: É uma pergunta complexa sobre o ponto de vista do local onde nos encontramos, mas, principalmente, se analisarmos os nossos números. Mato Grosso do Sul possui números muitos bons, seja sobre o número de homicídios, assim como das resoluções, assim como das apreensões de drogas. Então, eu vejo hoje o Estado em uma posição estratégica, de importância para o tráfico, que envolve diretamente os homicídios, mas com uma resposta muito boa, com um enfrentamento muito bom. Mato Grosso do Sul é o Estado que mais apreende droga no Brasil e um dos três Estados que mais elucida crimes de homicídio, então, quando se fala na quantidade de homicídios precisa ser feita uma segunda perna da informação, que é a quantidade de casos elucidados e isso mostra a efetividade das forças policiais do Estado. 

 

O Estado: Qual a preocupação da polícia com a droga K9? 

Roberto: É um droga nova, derivada da maconha, a gente tem estudado e lido sobre os efeitos que ela causa, sobre a capacidade destrutiva que ela tem. Algumas reportagens falam que ela transforma a pessoa em zumbi, que a pessoa fica desorientada, mas acordada. Todo tipo de droga nova precisa ser analisado pelas forças de segurança, porque tudo que é novo estimula e gera curiosidade. No Estado, nós ainda não temos caso de apreensão dessa droga, estamos em contato com delegados de outras localidades, para entender o que acontece e isso, na Cracolândia, em São Paulo, tem sido muito disseminado, mas obviamente que, por se tratar de uma droga nova, com efeito potencialmente mais alto, isso nos preocupa e nos faz voltar a atenção para toda e qualquer movimentação, nesse sentido.

O Estado: Quanto aos plantões da DEPCA (Delegacia Especializada de Atendimento à Criança e ao Adolescente), foi inaugurado, no dia 3 de maio, um espaço na Depac/Cepol. Como vai funcionar o atendimento, neste local?

Roberto: Todo plantão da Depac/Cepol vai ser realizado nos períodos noturnos dos dias da semana, aos finais de semanas, feriados e de pontos facultativos, ou seja, é nesses momentos e horários que a DEPCA não estará funcionando. Então hoje nós temos dois atendimentos da DEPCA: os atendimentos comuns, que são feitos na sede da delegacia, que tem toda uma estrutura e um efetivo preparado e capacitado para isso e no plantão da Depac/ Cepol, que é um local específico, apenas para atendimento de crianças e adolescentes, em que temos sala de registro de boletim de ocorrência, sala de oitivas, sala de escuta e depoimentos especiais, tudo único e exclusivamente voltado para a criança e o adolescente, nenhum outro tipo de crime é apurado, investigado, atendido ali dentro. Nós acreditamos que, com isso, daremos um primeiro passo, para que a gente possa, futuramente, criar um Centro Integrado de Atendimento à Criança e ao Adolescente, que isso seja feito nos moldes da Casa da Mulher Brasileira, que é um exemplo de sucesso. Nós fizemos esse tipo de destinação de local para que as crianças possam ser devidamente acolhidas, atendidas. É muito importante esse primeiro atendimento, porque, muitas das vezes, as informações para a elucidação de um crime dessa natureza acontecem nesse primeiro atendimento, depois, a criança pode se retrair, ficar com medo, uma série de fatores que a impedem.

O Estado: Por que não deu certo os plantões na Casa da Mulher Brasileira, onde, durante dois meses, foram realizados 152 atendimentos? 

Roberto: Eu repito que deu muito certo, sendo, em média dois atendimentos por dia. Obviamente, foi um espaço adaptado, algo emergencial e que era necessário, mas dentro das possibilidades, dentro de todas as resistências que tivemos do conselho gestor da Casa da Mulher Brasileira, nós enfrentamos essa situação e priorizamos o atendimento à criança e ao adolescente. Não demos continuidade no atendimento na Casa da Mulher Brasileira, porque, primeiro, existe essa resistência do conselho gestor da Casa, que é contra, sob o argumento de que pode desvirtuar a finalidade, o objetivo da Casa da Mulher Brasileira, mas nós deixamos essas questões, por assim dizer, “burocráticas”, no primeiro momento, de lado, priorizando o atendimento à criança e ao adolescente. 

O Estado: O senhor está à frente da Polícia Civil há pouco mais de um ano. Quais os avanços e o que ainda precisa ser feito? 

Roberto: Nesse ano, que a gente esteve à frente da instituição, nós tivemos avanços na área do efetivo, com a convocação de policiais, delegados, agentes da polícia científica, na área estrutural, com diversas manutenções e reformas de delegacias, o que proporciona um conforto maior, um atendimento melhor, tanto para a população, que procura as delegacias, quanto para o próprio policial, como é o caso da DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente), que saiu do prédio onde ela funcionava e hoje se encontra em um dos melhores prédios do Estado. Nós tivemos a criação de um departamento de gestão de pessoas, que cuida da parte psicossocial do policial. Tivemos diversas promoções, o que mexe demais com a estima e com a condição financeira do policial. 

Tivemos entregas de viaturas para todos os 79 municípios, criação de um núcleo dentro da Deops (Delegacia Especializada de Ordem Política e Social) que trata das questões de racismo. A instituição vem evoluindo em vários aspectos e nossos avanços têm sido de forma gradativa. Com o governador Eduardo Riedel, uma das nossas principais prioridades se encontra na parte de tecnologia e inteligência, pois cada vez mais nós queremos que as investigações sejam revestidas de conteúdos relacionados à área de tecnologia.

O Estado: O quadro atual da PCMS supre a demanda, do Estado?

Roberto: A Polícia Civil, durante muito tempo, ficou em segundo plano e isso não é uma realidade apenas do Estado, mas no Brasil inteiro. Nos últimos oito anos, nós tivemos concursos em diversas áreas da Polícia Civil e tivemos um avanço muito grande, uma reposição do efetivo, tanto é que o quadro de delegados, hoje, é muito próximo daquilo que está no máximo do quadro. Nós temos 330 cargos previstos e 315 delegados empossados, um déficit muito pequeno. Já a realidade de investigadores e escrivães é um pouquinho maior, mas a gente tem feito um trabalho gradativo de reposição, tanto é que, recentemente, o governador Eduardo Riedel nomeou mais 67 escrivães de polícia. Nós temos planejamento, sim, para que esse quadro possa ser cada vez mais atualizado, para que o déficit diminua. Nós sabemos que o Estado tem suas demandas e todas as outras carreiras têm demandas, a gente faz um planejamento em cima dessas necessidades. 

O Estado: Como é ser presidente do Conselho Nacional dos Chefes de Polícia? Considera isso um reconhecimento, pelo trabalho feito em MS? 

Roberto: Eu não considero um reconhecimento do meu trabalho individualmente, mas do trabalho de toda a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, em um Estado que tem se destacado em âmbito nacional, só que eu não faço isso sozinho. No Conselho, nós temos delegados-gerais mais antigos e experientes que eu, que depositaram uma confiança em nós, mas muito pelo que Mato Grosso do Sul tem feito pelo Brasil e pelos outros Estados, incluindo o deles. Então, é uma responsabilidade a mais, uma realização, mas, principalmente, uma realização de ordem coletiva.  

Por Rafaela Alves – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.

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