Audiência sobre ‘passaporte da vacina’ acaba após o desabafo de secretário

Nilson Fiugueiredo
Nilson Fiugueiredo

Geraldo Resende chamou bolsonaristas de ‘nazistas’ e acirrou clima na Câmara

Sob gritos de “nazistas e fascistas” direcionados a bolsonaristas, que lotaram não só o plenário da Câmara Municipal quanto os arredores, no bairro Chácara Cachoeira (região leste), o secretário de Estado de Saúde, Geraldo Resende, encerrou uma hora antes do previsto e sem nenhum tipo de conclusão a audiência pública organizada pelos vereadores de Campo Grande para discutir a implantação do “passaporte da vacina”, na tarde de ontem (27).

A medida é uma sugestão dos parlamentares do PT Ayrton Araújo e Camila Jara, já foi implantada em cidades como Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP) e prevê a entrada apenas de pessoas imunizadas contra a COVID-19 em estabelecimentos comerciais, cinemas, teatros, arenas de eventos esportivos e afins.

Desde o início, a audiência mostrou forte influência da atual polarização política do país. Com direito a um carro de som na porta da Câmara, partidários do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), representados na Mesa pelo vereador Tiago Vargas (PSD), endossaram os coros contra as vacinas, duvidando de sua eficácia e fortemente contrários à adoção do “passaporte”.

Sob os gritos de “liberdade”, bolsonaristas se inflamavam a cada voz favorável na tribuna, exigindo trabalho do forte aparato da Guarda Civil Municipal presente no local.

Um dos primeiros a se incomodar com a manifestação bolsonarista foi o presidente da Câmara, Carlão (PSB), que fez um discurso enfático atiçando os manifestantes. “Para quê liberdade se não tem vida? Não podemos deixar que só esses 15% de pessoas que não se vacinaram até agora coloquem em risco a cidade inteira”, disse.

Exaltados desde a fala do deputado estadual Pedro Kemp (PT), que pediu para que eles “estudassem mais”, os manifestantes foram à forra com Resende. Vaiado desde que foi chamado ao microfone, o secretário não economizou nas críticas.

“Eu vou lutar para que esse debate aconteça em todo o Estado. Esses que querem interditar o debate sobre o assunto, esses que gritam ‘liberdade’ são os mesmos que vão às ruas pedir intervenção militar, fechamento do Congresso Nacional e do STF (Supremo Tribunal Federal). Que liberdade é essa que quer derreter os instrumentos da nossa democracia?”, disse.

Como se fosse pouco, Resende ainda ressaltou que “os defensores dessas pautas são os nazistas e fascistas da atualidade”. “Vocês não vão prosperar. Nosso povo haverá de derrotá-los e deixá-los na lata de lixo da história”, completou.

Foi o suficiente para encerrar de vez o debate. Vargas chegou a tentar avançar sobre o secretário com o dedo em riste, cobrando “respeito à Casa” e dizendo que “quem trouxe as vacinas foi Bolsonaro”. Completamente revoltados, bolsonaristas tentaram pular sobre o local onde estavam os vereadores e palestrantes. Resende foi retirado do local às pressas e saiu sem falar com a imprensa.

Indefinição sobre o que acontecerá

Entre ânimos exaltados, outros palestrantes presentes mostraram seu posicionamento. Uma das vozes dissonantes à obrigatoriedade do “passaporte”, a representante da ACICG (Associação Comercial de Campo Grande), Juliana Aranda, afirmou que a exigência da vacinação penalizará ainda mais o comércio.

“Somos a favor de nossa liberdade e de nossos cidadãos. Mais de 8 mil empresas já sofreram com a pandemia e todas são organizadas têm medidas de biossegurança”, disse.

Vargas, antes do confronto com Resende, disse que o debate não envolvia as vacinas em si. “Eu não sou contra a vacina. Já tomei as minhas doses. O que sou contra é se criar um mecanismo para obrigar a vacinação dessa parcela da população que não quer se vacinar e tratá-los como cidadão de segunda classe”, disse.

“Lutamos por liberdade. A imensa maioria da população de Campo Grande e do Estado, graças ao esforço dos secretários, já está vacinada. Esse passaporte vai cobrar o quê? A vacina? A imunidade? Acho algo extremamente difícil de ser implementado em nossa cidade”, disse o vereador Sandro Benites (Patriota).

O secretário municipal de Saúde, José Mauro Filho, deixou a Câmara dizendo-se “triste” pelo desenrolar dos fatos. “É o mais triste cenário da nossa política atual, polarizada, sem espaço para o debate, para a discussão de ideias e soluções para nossa sociedade”, disse.

Para ele, a gestão Marquinhos Trad (PSD) não tem uma opinião formal sobre o “passaporte”. “O município deve criar uma lei para a minoria das pessoas que não se vacinaram? Isso que deve ser colocado em discussão, assim como deve ser colocada em discussão a capacidade da cidade de fiscalizar a medida. Infelizmente não conseguimos debater isso hoje”, disse.

(Texto: Rafael Ribeiro)

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