Casos como de Maria de Fátima* evidenciam que inércia colabora para manter agressores em liberdade
Após a repercussão do caso da assistente social Maria de Fátima (nome fictício), que sofreu violência doméstica e tentativa de feminicídio, em Nova Alvorada do Sul, e teve suas queixas e denúncias minimizadas pela Justiça e pelos órgãos de proteção à mulher do Estado, a advogada Janice Andrade, que atua no MCRIA (Fórum Permanente pela Vida de Mulheres e Crianças do Mato Grosso do Sul), disse que o descaso e decisões contraditórias, como manter a liberdade do agressor mesmo ele tendo diversos boletins de ocorrência contra si, apenas legitima a cultura da violência contra a mulher e o surgimento de novas vítimas.
“Isso se chama violência institucional, e é algo que quase não discutimos, mas é isso que acontece quando as vítimas vão denunciar. Muitas vezes, parece que a polícia, o Judiciário e o Ministério Público não entendem a gravidade do caso, inclusive mantém sujeitos assim em liberdade. A certeza de impunidade e a omissão só contribui para que os agressores se sintam legitimados para continuarem a violentar mulheres”, afirmou.
Para a advogada, que atua na defesa de mulheres e meninas, inclusive é assistente de acusação no Caso Sophia – outro retrato de omissão do Estado, os órgãos que deveriam atuar na proteção e combate à violência não estão acompanhando a realidade do que acontece em MS, local onde já se registrou 10 feminicídios nos cinco primeiros meses de 2025, tanto na Capital como no interior.
“É um estado que revitimiza as mulheres, pratica violência institucional, não acolhe quem precisa e protege os agressores. Precisamos de políticas públicas e investimento real no combate à violência e fiscalização do atendimento que essas mulheres recebem quando vão buscar ajuda. Precisamos agir de forma efetiva”, enfatiza.
Ações concretas também foram cobradas por Maria de Fátima, que precisou sair da cidade onde morava para se proteger contra as agressões e ameaças do ex-companheiro, que segue em liberdade e trabalhando como funcionário público no CREAS (Centro de Referência de Assistência Social) em Nova Alvorada do Sul.
“Não queremos camisetas de Agosto Lilás ou cartazes de “Todos por Elas”, não é disso que precisamos. Não falo apenas por mim, mas por todas que sofrem e não são ouvidas e também por aquelas que não tiveram a chance de fugir. Precisamos de ações que tenham efeito”, disse, destacando que seu algoz, apesar da postura violenta em casa, já contribuiu em várias campanhas de combate à violência doméstica.
REGISTRO PÚBLICO DE AGRESSORES
Assim como aconteceu com a jornalista Vanessa Ricarte, morta a facadas pelo ex-companheiro, em fevereiro deste ano, Maria de Fátima também só descobriu o histórico violento de seu agressor após buscar ajuda na DEAM (Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher) localizada na Casa da Mulher Brasileira. No caso da assistente social, o ex-companheiro tem contra si, ao todo, sete boletins de ocorrência, sendo, pelo menos três, por violência doméstica e ameaça, além de medidas protetivas para manter distância das vítimas e de uma filha que teve com uma delas.
Quando da morte de Vanessa, cujo algoz também fez várias vítimas, levantou-se a discussão sobre a necessidade de criar um cadastro público para o registro de homens acusados de violência doméstica. Dessa forma, qualquer mulher poderia buscar pelo histórico de um homem antes de se envolver de alguma forma com ele.
Para Janice Andrade, esse registro não surtiria efeito na prática, não servindo como base para que mulheres possam buscar formas de se proteger de possíveis agressores.
“Um cadastro público antes do fim do julgamento não vai funcionar, porque violaria diversas leis federais, como a que diz que ‘ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da ação’. Então, isso seria mascarar a situação e não enfrentar de verdade a situação da violência doméstica”, afirmou, destacando que muitos processos demoram para serem finalizados e, por isso, não funcionaria de forma efetiva.
E completa: “É preciso responsabilidade, políticas públicas e investimentos para combater a violência doméstica. Precisamos que a rede de proteção funcione de forma eficiente, porque, isso está custando a vida das mulheres”.
GRUPO DE TRABALHO
De acordo com o delegado-geral da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul, Lupércio Degerone Lucio, afirmou que o grupo de trabalho formado para desafogar os boletins de ocorrência e inquéritos da DEAM será finalizado nesta terça-feira (20), após 90 dias de atuação.
O grupo foi criado como uma força tarefa para tratar os casos de violência e agressões registrados por mulheres com melhor eficácia, após o caso de Vanessa Ricarte mostrar a situação caótica da delegacia e a deficiência no atendimento da Casa da Mulher Brasileira.
Ana Clara Santos