“Parece um pobre-diabo, indefeso e desarmado. Ilusão. Na verdade, a torcida pode salvar ou liquidar um time”. Sessenta e quatro anos após publicada a crônica “O Quadrúpede de 28 patas”, a perspectiva de Nelson Rodrigues sobre a importância do torcedor no futebol se mantém atual. Uma representatividade que não se limita às arquibancadas e que ganha cada vez mais relevância pelo que se passa fora dos estádios.
“Ao longo do século 20, a relação entre futebol e capitalismo sempre esteve presente. Jornais esportivos são criados, o torcedor consome as notícias, vivencia [o time do coração], desloca-se para assistir ao jogo e conversa sobre ele ao longo da semana. Há toda uma estrutura condicionando o antes, o durante e o depois. A indústria do esporte percebeu isso e vem acirrando esse potencial. A marca do clube vira uma grife e o próprio jogador é uma marca”, descreveu o pesquisador Bernardo Buarque de Hollanda, professor da Escola de Ciências Sociais da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), à Agência Brasil.
“[Para isso, é necessário] conhecer seu torcedor a fundo, ir além do ranking, saber quem ele é, qual o perfil básico. Sexo, classe social, faixa etária, distribuição no país e hábitos de mídia, para endereçar conteúdo a eles. Publicidade e marketing são as chamadas receitas recorrentes, aquelas que você pode prever”, continuou Rafael Plastina, sócio-fundador da Consultoria Convocados.
Segundo relatório da Convocados, desenvolvido em parceria com a XP Investimentos, 16% das receitas dos principais clubes do país, em média, foram provenientes de publicidade e marketing em 2021. Trata-se apenas da terceira fonte de renda das equipes, atrás de direitos de transmissão (53%) e da negociação de atletas (18%). Apesar disso, o segmento foi de R$ 715 milhões em 2020 para R$ 1,061 bilhão no ano seguinte, um crescimento de 48%.
“O ideal é que os clubes tenham um mix, uma divisão nas fontes de receita, que hoje ainda não é equilibrada. Em média, nos últimos cinco anos, apenas 14% das receitas vieram de publicidade e marketing. A gente precisa aumentar esse percentual médio, para que os clubes sofram menos com impactos externos, os que ele não controla. É o clube promovendo ações para que o torcedor ponha a mão no bolso e ajude o clube, em troca de uma experiência válida”, analisou Rafael.
A maneira como os torcedores se informam também faz parte da análise. Conforme o relatório, 65% dos brasileiros se inteiram sobre o clube do coração ou a modalidade favorita pela TV aberta. As redes sociais, porém, já aparecem com um percentual bastante próximo (62%), assim como o meio on-line (53%), superando a TV por assinatura (46%) e o rádio (25%), mostrando a força das plataformas digitais. Os dados são referentes ao ano passado.
“Hoje em dia você não está no estádio, mas tem outras formas de sociabilidade ligadas ao futebol que não passam, necessariamente, por se estar na arena. Essa quase onipresença da imagem também garante esse caráter que, parece-me, continua a fazer do futebol um elemento popular, em que pese, de fato, essa tendência mais concentradora e elitizadora, que as novas arenas têm”, considerou Bernardo.
A novidade é o crescimento do streaming (sistema de transmissão de conteúdo via internet) como ferramenta para consumo esportivo. Apesar de ainda ser inferior a outros meios (23%), o segmento representou, em 2021, cinco pontos percentuais a mais que em 2020, um aumento de 30%. No recorte da comunidade que acompanha futebol, a curva subiu de 20% para 26% entre um ano e outro. O período foi marcado pela sanção da Lei 14.205/2021, conhecida como “Lei do Mandante”, que permite às equipes negociar, de forma independente, os direitos de transmissão dos jogos em que é anfitriã, impactando as tratativas entre emissoras e clubes.
A pulverização das plataformas que permitem acompanhar futebol e esportes em geral traz, consigo, o desafio de fidelizar o torcedor, acostumado a realizá-lo via TV (aberta ou por assinatura). É fazer o público identificar, naturalmente, onde (e como) assistir ao clube do coração e às modalidades das quais gosta, considerando também o lado financeiro.
“Eu, enquanto consumidor assíduo de esporte, não só de futebol, muitas vezes, perco o evento porque não me lembrei ou não fui impactado pelo meu serviço de streaming. Ele deixou de ser uma promessa e não vem para substituir a TV, mas para somar, no melhor pacote, em termos de equilíbrio econômico e financeiro a todos os interessados”, concluiu Rafael.
Por Lincoln Chaves – Repórter da TV Brasil e Rádio Nacional
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