A rivalidade entre os times da região Norte e da região Sul sempre moveu o futebol local, ainda que Mato Grosso fosse um Estado uno. Clubes como o Comercial, Operário e o Ubiratan (inativo desde 2016) colocavam a raça dos sulistas em jogo, durante as disputas acirradas contra os cuiabanos, que atuavam em equipes como o Mixto, Dom Bosco e o Operário de Várzea Grande.
Todos nasceram entre as décadas de 30 e 40, mas a profissionalização dos times da Cidade Verde alavancaram um futebol que os clubes do Sul do Estado ainda não tinham alcançado. Entretanto, o cenário mudou com a construção do Estádio Pedro Pedrossian, o “Morenão”, inaugurado em 1971, com a vitória do Flamengo sobre o Corinthians por 3 a 1.
Dalvino Tenório Cavalcante, hoje com 78 anos, estava contratado como técnico pelo Comercial e viu tudo acontecer. Ele conta ao jornal O Estado que o candidato à presidência da LEMC (Liga Esportiva Municipal Campo Grandense), Levy Dias, se reuniu com os clubes da região e pediu apoio pois, em troca, cobraria a construção do estádio ao governador Pedro Pedrossian.
No ano seguinte, o colorado se tornou o primeiro clube de futebol profissional de Campo Grande e, em seguida, o alvinegro tomou as providências. “Na verdade fomos obrigados a nos profissionalizar, porque tínhamos o maior estádio universitário da América Latina. Já a região Norte tinha times profissionais mas não tinha um estádio igual ao nosso”, conta.
Após esse grande passo, os títulos se mantiveram nos pés da dupla imbatível da época: Comerário. Em 1972, o Comercial ganhou o direito de representar Mato Grosso no Campeonato Brasileiro. Em 1974, o Galo levou a melhor do Estadual e em 1975, o Comercial quem fez a festa. Em 76 e em 77, o Alvinegro voltou a ganhar.
Antes e depois de Mato Grosso do Sul, pioneiros garantem qualidade dos sulistas
Em 11 de outubro de 1977, foi concretizada a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, pelo presidente da época, Ernesto Geisel. Ainda que o primeiro governador nomeado tenha tomado posse do cargo apenas em 1979, a FFMS (Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul) nasceu já em 1978, e desvinculou os times locais da FMF (Federação Mato Grossense de Futebol).
Quem viveu o período, garante que o antagonismo Norte-Sul que já era grande, se tornou ainda maior. “Com a divisão a rivalidade aumentou, mas nós estávamos sempre vencendo eles. Na época eu estava em Cuiabá, dirigindo o Mixto. Quando cheguei lá o futebol era fraco demais, mas começamos fazer um trabalho bom lá e levamos eles para o Brasileiro também”, relata Cavalcante.
À frente do Operário estava João Batista Arruda, o “João da Pneurama”, hoje com 82 anos. Ele assumiu o clube em 1974 e ficou na gestão até a década de 80. “Na época o time estava em uma situação financeira difícil e o Dr. Rubens Saad me passou o time. Se você quer saber, não tinha nem comida”, fala à reportagem.
O aposentado defende que a cisão reforçou a rivalidade, mas enfraqueceu os clubes. “Quando o Estado era um só a gente fazia os nossos torneios e dava muita renda, o povo comparecia. Isso dividiu o público e a renda. Com a divisão alguns clubes, tanto de Cuiabá quanto de Campo Grande desapareceram”, diz.
Torcedores fiéis, atuais dirigentes saíram das arquibancadas para a presidencia
Os atuais gestores da dupla Comerário já vestiam as camisas de seus clubes na época. O que eles não imaginavam, é que um dia ocupariam a cadeira da presidência. Valter Mangini, 60, se reconhece como comercialino desde os 14 anos. “Na época era normal a gente torcer para os clubes locais, não tinha esse negócio de torcer para os times do Rio ou São Paulo. Eu vi o Comercial ganhar todos os títulos da época, desde quando Mato Grosso era uno”, fala.
“Essa rivalidade ainda existe, mas como eram duas cidades de grande porte [Campo Grande e Cuiabá], essa rivalidade era maior. O torcedor prefere os jogos entre grandes clubes. Aqui, a maior rivalidade que ficou foi entre Operário, Comercial e agora Corumbaense”, argumenta.
Estevão Petrallas, 60, também se diz um apaixonado pelo futebol, agora sul-mato-grossense. No ano da divisão, tinha apenas 17 anos, mas já acompanhava o Galo nos estádios. “Eu tinha o hábito de assistir ao jogo na geral, onde a gente chama de “pescocinho”. Eu vi quem ia entrar e quem ia sair durante o jogo. Alias, o que mais me marcou foi um Operário x Palmeiras. O goleiro era o Leão e o Operário venceu por 2 a 0, em uma noite chuvosa”, conta.
Antes mesmo do desmembramento, ele admirava a forma de atuar do Operário. “Naquele tempo eu jamais imaginava um dia ser presidente. O que diferenciava o time eram as campanhas formidáveis que o clube fazia no cenário nacional, tinha gente de todo o interior do Estado assistir aos jogos. O Morenão sempre abrigou bons jogos, com os times de ambos os Estados”, finaliza. (Danielle Mugarte)