Campo Grande avança mas ainda precisa superar o déficit de 5 mil crianças fora das escolas
O papel da educação infantil vai muito além do aprendizado. Na visão do MEC (Ministério da Educação), as creches e pré-escolas são um escudo de proteção para as crianças. A coordenadora-geral de Educação Infantil do Ministério, Rita de Cássia de Freitas Coelho, ressaltou que é no ambiente escolar que a sociedade pode ter o primeiro contato com os sinais de que uma criança sofre algum tipo de violência, negligência ou abuso.
A urgência em manter as crianças na escola e de que as unidades atuem em prol da proteção dos pequenos voltou ao centro das atenções na última semana, após o crime brutal que culminou com a morte da pequena Emanuelly Victória Souza Moura, de 6 anos, que foi encontrada morta na noite da quarta-feira (27), na casa do suspeito na Vila Carvalho. Conforme noticiado anteriormente pelo O Estado, a criança já tinha registros no Conselho Tutelar, onde relatou que contou para as professoras que faltava com frequência quando era agredida pela mãe.
Questionada pelo O Estado, ontem (1º), durante a audiência pública na Câmara de Vereadores, que discutiu a falta de vagas em escolas públicas de Campo Grande, a coordenadora-geral de Educação Infantil do MEC destacou que a rotina de quatro a dez horas diárias na escola permite que os profissionais observem o desenvolvimento da criança e identifiquem sinais de maus-tratos que podem passar despercebidos em outros lugares.
“É durante a jornada diária na creche ou pré-escola que conseguimos observar sinais importantes sobre a condição da criança. É na educação infantil que constatamos situações de maus-tratos, violência, negligência e até doenças”, afirmou.
Primeiro Acolhimento e Denúncia
Rita de Cássia também destacou que apesar de as escolas não poderem resolver o problema diretamente, o educador se torna o primeiro elo para acionar a rede de proteção. Quando há suspeita ou confirmação de violência, o professor tem a obrigação de encaminhar o caso aos órgãos competentes, como o Conselho Tutelar ou a Justiça.
Nesse sentido, a educação infantil atua como um farol para a intersetorialidade, ou seja, a cooperação entre diferentes áreas. “A escola não pode dar a resposta sozinha. Ela é proibida de agir diretamente nesses casos. Quando há suspeita ou constatação de violência, a única atuação possível é encaminhar para os órgãos competentes”, explicou a coordenadora do MEC. A presença da escola na vida da criança é o que possibilita o acionamento de outras políticas públicas, como a saúde, a assistência social e a proteção de direitos humanos.
A Urgência da Matrícula
A falta de vagas em creches não é apenas um problema de ensino, mas um risco social. Em Campo Grande, a fila de espera ainda é grande, e o MEC cobra a abertura de novas vagas para atender as crianças que precisam desse amparo. Afinal, cada criança fora da escola é uma criança sem o olhar atento de um profissional que pode ser o primeiro a perceber um problema grave e garantir que seus direitos sejam protegidos.
Para sanar esse problema, o Secretário Municipal de Educação, Lucas Henrique Bitencourt reforçou que um pedido direto feito pela prefeita Adriane Lopes foi o de priorizar a educação infantil. Ele cita ainda que a questão das vagas na educação infantil é um problema a nível nacional e que vai muito além de oferecer um local para esses alunos.
“Quando a gente fala em acesso à educação infantil, é o acesso com qualidade. Então é pensar no espaço, na parte lúdica, na alimentação, não é só colocar a criança na escola, é trazer esse cuidado. Em relação ao caso de Emanuelly, realmente ficamos muito sensibilizados, estamos dando todo apoio às investigações que estão sendo realizadas. E sim, há um protocolo, temos um grupo de valorização da vida que acompanha a escola em parceria com o Conselho Tutelar. Por meio disso, é encaminhado então aos órgãos de controle todo o acompanhamento e monitoramento. A escola identifica e passa toda a tramitação, seja para a Defensoria Pública ou Ministério Público”, explica.
Atuar na prevenção
Precursor do debate sobre a Primeira Infância no Estado, o Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul participou do encontro e representando a Corte de Contas, o conselheiro Jerson Domingos em um discurso emocionante reforçou que no interior do Estado se deparou com depoimentos chocantes, de famílias que sem ter onde deixar os filhos, acabaram colocando as crianças em risco.
“ A gente tem se deparado com o depoimento de que quando então essa criança ficava hospedada na casa de quem pudesse cuidar para que essa mãe pudesse ir ao mercado de trabalho, acontecia a violência sexual infantil. Neste momento nós estamos combatendo a violência sexual infantil na repreensão do infrator e nós não estamos nos preocupando com a prevenção que nada mais é do que esta criança ter o seu local garantido junto a sua segurança pessoal para que ela não leve para o resto da sua vida a ferida, porque a ferida seca, deixa de sangrar mas a cicatriz ela permanece até o seu último dia de vida”, contou.
Segundo o Defensor público da Infância e Juventude para Atos Infracionais, Eugênio Luiz Damião anos após ano, são feitas discussões sobre a urgência em manter as crianças nas escolas, algo que para ele já deveria ter sido superado.
“A educação é o único instrumento que transforma o ser humano, que melhora o ser humano e que faz com que a sociedade fique no equilíbrio de uma paz social. Agora você vê uma criança fora da escola, sem nenhum tipo de assistência de política pública. O que você espera dessa criança quando alguém aborda ela para o lado mal da vida? A questão é que a Constituição Federal já determina que todas as crianças estejam dentro do sistema educacional. Então, só pela Constituição, a gente tem uma lógica, que nós não precisávamos de discutir isso todos os anos, repetidamente”, lamentou.
Horizonte positivo
Quem também discursou na tribuna foi o Presidente da ACP (Associação Campo-Grandense dos Profissionais da Educação), professor Gilvano Bronzone reforçou a necessidade de se discutir os protocolos adotados pelos educadores e cita que a Capital tem avançado nas políticas de educação.
“Nós hoje temos um déficit de mais de 5 mil crianças fora o estadual, que precisa ser resolvido, entre outros problemas, mas o cenário já foi muito pior. Então isso é um indicador hoje que nós podemos seguir avançando e atender essas crianças. Isso é um horizonte positivo para Campo Grande”, afirma.
Câmara debaterá falhas na Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente
Em resposta ao novo e trágico episódio de violência contra uma criança na Capital e ao caso semelhante em fevereiro de 2023, da pequena Sophia, bebê de 2 anos morta por agressões da mãe e do padrasto, a Câmara Municipal de Campo Grande promoverá uma audiência pública para discutir as falhas na rede de proteção a crianças e adolescentes. O debate, convocado pela vereadora Luiza Ribeiro (PT), acontecerá no dia 19 de setembro, às 9h, no Plenário Oliva Enciso.
“Se a rede de proteção tivesse funcionado, essas crianças poderiam estar vivas. Apesar dos atendimentos registrados em diferentes instâncias, não houve proteção efetiva às vítimas”, afirmou Luiza Ribeiro.
O evento contará com a presença de diversos convidados, incluindo representantes do Conselho Tutelar, do Ministério Público, da OAB/MS (Ordem dos Advogados do Brasil), do Conselho Regional de Serviço Social, entre outros.
Na tarde de ontem (1º), foi a vez dos profissionais da Assistência social reinvidicarem melhores condições de trabalho, concurso público e uma melhor remuneração. Eles que também fazer parte da política de proteção de crianças e adolescentes confirmam que ainda esbarram em dificuldades para alcançar o sucesso no que fazem.
Somente no ano passado foram mais de 400 mil atendimentos, na proteção especial falando dos aparelhos municipais, mais de 30 mil atendimentos, além das OSC’s cofinanciadas com 61 mil atendimentos.
“A gente tem percebido essa precarizarão para a população, o alto índice de atestados, afastamentos colegas querendo sair da assistência social, mas que querem sair pelo salário”, disse Claudiane, psicóloga da SAS.
“Assistência Social hoje é uma política que tem que gerar proteção social, mas com estruturas precárias, trabalhadores sem concurso público. Ou seja, temos pessoas em desproteção social, para gerar proteção”, afirma Valdete de Barros, representante da Comissão de Assistência social do CREAS-MS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social).
Por Michelly Perez, Suelen Morales e Ana Clara Julião
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