Gente que faz: economia é aquecida pelas mãos de quem não pode ficar em casa

Trabalhadores na pandemia
Foto: Marcos Maluf

Na parede, o relógio pendurado ainda nem marcou 6 horas quando o alarme do despertador começa a tocar. Ainda sonolento, Willian Souza Ribeiro, de 32 anos, se apressa porque sabe que pela frente terá um longo dia de trabalho. Essa é a rotina desde que desembarcou da Bahia em busca de uma nova oportunidade em Campo Grande.

Um banho rápido e um café ajudam a despertar, enquanto fora de casa o dia começa a clarear aos poucos. Antes de sair, um abraço na filha de 5 anos e um beijo na esposa são o gás que o estimula a deixá-las, mesmo quando o que mais se ouve ao redor são repetidos pedidos de “fiquem em casa”. Para o coordenador de acabamento da Patena, indústria de embalagens para alimentos e bebidas, ficar não foi uma opção.

O portão da casa de número 975 abre caminho para o trajeto que ele prefere fazer a pé. Após cerca de 30 minutos de caminhada, o trabalhador chega até a sede da empresa, no bairro Pioneiros. Lá, mais uma vez, faz o passo a passo que se tornou rotina há mais de um ano. “Meço a temperatura, higienizo os pés e mãos e a proximidade que antes tinha com os companheiros de trabalho já não tenho mais. A máscara não sai do rosto e isso é muito difícil, principalmente por causa do calor que sai das máquinas. É ruim, mas sei que é por causa desses cuidados que até hoje não peguei COVID”, afirma.

Pelas mãos de Willian foi revisado cada detalhe da confecção de 12 toneladas de embalagens, que no último ano protegeram frango, arroz, açúcar, carne, leite e dezenas de outros produtos que garantiram comida na mesa para milhares de famílias em todas as regiões do Brasil. Por meio da exportação, as produções com DNA sul-mato-grossense chegaram até Madrid, na Espanha. Cidade a 8.562 km onde o trabalhador nunca imaginou estar. “Todos os dias quando eu saía de casa sentia medo de pegar a doença e transmitir para minha filha, mas um dos motivos que me fizeram não desistir nem abaixar a cabeça foi saber da importância do meu trabalho. Não foi apenas uma questão de salário, eu ajudei a fazer as embalagens de itens que alimentaram muita gente em diversos lugares”, completa.

Mãos que garantiram a sobrevivência

Assim como Willian, outros 140.556 trabalhadores ajudaram a manter ativas as máquinas da indústria sul-mato-grossense. Garantindo, mesmo na pandemia, que não faltasse alimento, além de produtos e serviços essenciais aos brasileiros e a quem é de fora.

Robustas, as empresas locais produziram itens em mais de 22 áreas diferentes e fizeram com que a economia de Mato Grosso do Sul continuasse aquecida, mesmo em meio a cenário desfavorável. Com o esforço empenhado, profissionais da indústria possibilitaram sobrevivência, segurança e um pouco mais de conforto para milhões de pessoas.

“No início foi muito preocupante. Meu esposo ficou trabalhando em casa e eu sabia que se ele pegasse a doença seria responsabilidade minha porque só eu saía. Com o tempo, passei a enxergar o quão grandioso e essencial é nosso trabalho. Agora, me tornei uma incentivadora do pessoal da fábrica”, comenta Camila Chaves Canashiro, de 25 anos, que trabalha no setor administrativo da fábrica da Patena.

Uma nova realidade

Diante da intimidação do vírus e sob ameaça de desabastecimento caso as fábricas parassem, o setor da indústria se reinventou e investiu forte em prevenção e informação, principais armas para enfrentar a doença e conseguir trabalhar de maneira segura. Na empresa onde a Camila e o Willian prestam serviços, por exemplo, a chegada do novo coronavírus mudou o jeito de trabalhar e impulsionou os investimentos em estrutura e cuidados pessoais. Em 12 meses, a aplicação de verba para a segurança dos 289 funcionários foi superior a R$ 500 mil.

Na Patena, quando os primeiros casos do COVID-19 foram confirmados em Campo Grande, todos que faziam parte do grupo de risco tiveram de ficar em casa em serviço remoto. Para quem continuou presencialmente, vans alugadas pela empresa buscavam e deixavam todos na porta de casa. Para passar da portaria, a regra ainda continua clara: ninguém entra sem máscara, sem medir a temperatura ou higienizar calçados e as mãos. Com frequência, o prédio de 30 mil metros quadrados passa por sanitização para aumentar ainda mais a proteção. Por todos os cantos, a direção fixou cartazes informativos e ainda criou um canal com atendimento 24 horas no WhatsApp. Por ele, funcionários podem tirar dúvidas, pedir ajuda, dar sugestões e fazer reclamações.

“Também fizemos cinco campanhas em que foram entregues três máscaras e um kit higiene com álcool, água sanitária e sabonete. Ampliamos a área de produção, criamos novos lavatórios e instalamos placas de acrílico nos refeitórios para separar as mesas”, aponta Sidney Giannaccini, diretor administrativo e financeiro da Patena. Segundo ele, a fábrica também fez convênio com laboratório e ofereceu testes para a COVID-19 a quem sinalizasse interesse. Ao todo, mais de 200 exames foram feitos.

Agora, com a vacinação disponível, a Patena lança regulares campanhas de incentivo e até oferece prêmios para quem apresenta o comprovante de imunização. O “vacinômetro” interno aponta que mais de 80% de todos os funcionários receberam pelo menos uma dose da vacina contra a COVID-19. Mesmo assim, os cuidados continuam rigorosos em todos os setores.

Em nível estadual, a Fiems (Federação das Indústrias do Estado de Mato Grosso do Sul) foi aliada das prefeituras e do governo do Estado no enfrentamento ao vírus. Ao todo, a federação doou 20 mil exames rápidos para a Capital e 3 mil a Corumbá, e transformou a garagem de prédios em polos de testagem e vacinação. Os investimentos também chegaram aos hospitais com a doação de oxigênio e equipamentos, e nas comunidades carentes, que receberam alimentos, álcool, máscaras e produtos de limpeza. Agora, com o movimento Unidos pela Vacina, a Fiems dá suporte à distribuição das vacinas aos 79 municípios do Estado.

De acordo com Sérgio Longen, presidente da Federação das Indústrias, o suporte deve permanecer até que a doença esteja totalmente controlada. “A meta é zero óbitos no Brasil. Esse é nosso foco e nosso objetivo. O Sistema Indústria vai continuar preparando as empresas, manter os atendimentos e focar. A retomada da economia é importante, mas acima de tudo precisamos manter os cuidados necessários para que essa crise não volte no Brasil e no mundo”, afirma.

Alavancando a economia

Investir na prevenção e orientação dos trabalhadores foi estratégia que deu certo. Preservando vidas, manter o trabalho de forma segura também influenciou positivamente na economia do Estado. Segundo dados do Radar Industrial, da Fiems, em 2020 o setor industrial foi o que mais gerou empregos em Mato Grosso do Sul, sendo responsável por 49% do total de vagas abertas. “Em 2019, o setor industrial de Mato Grosso do Sul fechou o ano com a geração de apenas 563 vagas, enquanto em 2020 foram 6.886 novas vagas”, aponta o coordenador da Unidade de Economia, Estudos e Pesquisas da Fiems, Ezequiel Resende.

De janeiro a dezembro do ano passado o setor teve crescimento de 5% no PIB (Produto Interno Bruto) industrial e ajudou a alavancar a economia de Mato Grosso do Sul.

Conforme balanço do Radar Industrial da Fiems, os rendimentos da indústria saltaram de R$ 22,4 bilhões em 2019 para R$ 23,5 bilhões em 2020.

 

(Texto de Clayton Neves)

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