Com déficit de mais de 400 mil toneladas, crise de produção em Gana e Costa do Marfim impacta preços para a indústria brasileira
A safra de cacau deste ano enfrenta uma de suas piores crises globais. Segundo o ICCO (International Cocoa Organization), o déficit no mercado mundial pode ultrapassar 400 mil toneladas, pressionando os preços da commodity e colocando em risco a sustentabilidade de fábricas e produtores. O problema é especialmente grave em Gana e na Costa do Marfim — maiores produtores mundiais —, que registraram perdas significativas devido a pragas e condições climáticas desfavoráveis.
Esse cenário afeta diretamente a cadeia produtiva brasileira. Apesar de o Brasil possuir potencial para produzir até 400 mil toneladas de cacau por ano, atualmente o volume está em torno de 200 mil toneladas, conforme dados da IBC (Indústria Brasileira de Cacau). A escassez obrigou o país a depender das importações para suprir o mercado interno, trazendo preocupações para a indústria nacional. “Se não mudarmos o cenário do cacau, corremos o risco de parar fábricas por falta de matéria-prima”, alertou Anna Paula Losi, presidente-executiva da AIPC (Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau).
Os efeitos dessa escassez também se refletem nos preços internacionais. Em março, o cacau alcançou um recorde histórico de US$ 11 mil por tonelada, valor que desceu para US$ 7,9 mil em setembro, mas que ainda está em patamares elevados. A valorização se deve, principalmente, ao desequilíbrio entre oferta e demanda. “O cenário de oferta e demanda global ainda é preocupante. Não temos visto uma retração no consumo porque o aumento do custo da matéria-prima ainda não chegou totalmente aos consumidores. Mas em algum momento, isso vai impactar a demanda”, afirma Losi.
Valorização de ingredientes nativos
Diante da instabilidade no mercado global, marcas brasileiras estão buscando alternativas para se manter competitivas e garantir a sustentabilidade de suas operações. Esse é o caso da Angí Chocolates, uma pequena produtora artesanal localizada em Mato Grosso do Sul que está apostando na diversificação de insumos e na valorização de ingredientes nativos para reduzir a dependência do cacau convencional.
À reportagem do O Estado, Beatriz Branco, fundadora da Angí, explica que a crise no setor levou a empresa a rever suas estratégias e a focar na identidade regional como diferencial competitivo. “Estamos explorando ingredientes nativos, principalmente do Pantanal e do Cerrado, que nos permitem criar produtos diferenciados e com forte identidade regional”. Entre os insumos utilizados estão frutas típicas como o jatobá e o pequi, que agregam valor e promovem a biodiversidade local.
Beatriz também destacou que o aumento dos custos de produção tem sido um desafio constante. “A escassez de matéria-prima e o aumento nos preços do cacau nos levou a revisar processos e planejar melhor a produção para minimizar desperdícios e aumentar a eficiência, sem abrir mão da qualidade dos nossos chocolates”, afirmou.
Para contornar o cenário adverso, a Angí Chocolates está se reposicionando no mercado como “Angí Alimentos”, investindo em uma linha de produtos que valoriza os biomas brasileiros e busca novos sabores a partir de ingredientes nativos. O objetivo é reduzir a exposição ao mercado internacional de cacau e fortalecer a produção com foco na sustentabilidade. A marca também pretende ampliar suas parcerias com pequenos produtores da região para garantir um fornecimento mais resiliente e menos suscetível às oscilações globais.
“A utilização de frutos nativos nos ajuda a mitigar o impacto da escassez de cacau convencional, pois nos permite reduzir a proporção de cacau necessária em alguns produtos e agregar novos sabores. Isso faz parte da nossa missão de utilizar o que a natureza local nos oferece de forma sustentável e inovadora”, acrescenta a empresária.
Potencial de autossuficiência no Brasil
Apesar dos desafios, especialistas acreditam que a crise de oferta abre uma janela de oportunidade para o Brasil se tornar autossuficiente em cacau e, eventualmente, voltar a ser um exportador relevante no mercado global. Com 300 mil toneladas de produção anual, o país poderia suprir a demanda interna e reduzir a dependência das importações de Gana e da Costa do Marfim, que atualmente são as únicas fontes de cacau permitidas para o mercado brasileiro.
“O que vislumbramos é que precisamos abastecer o mercado interno. Com 300 mil toneladas de cacau no Brasil, não precisaríamos mais importar. A partir daí, qualquer excedente poderia ser exportado, mas o foco inicial é garantir a autossuficiência”, explica a presidente da AIPC. Contudo, para que essa meta seja alcançada, segundo ela, será necessário investir em inovação agrícola, melhorar a produtividade e enfrentar problemas históricos, como pragas e baixa eficiência das plantações.
Com o cacau se tornando uma commodity cada vez mais cara e escassa, a aposta em produtos diferenciados e na valorização de ingredientes locais, como vem fazendo a Angí Chocolates, pode ser um modelo para outras marcas brasileiras que desejam se destacar em um mercado em crise. “Em um momento em que o cacau convencional se torna escasso e caro, o uso de ingredientes locais não só nos diferencia dos concorrentes, mas também mostra o compromisso da Angí com a sustentabilidade e a valorização dos recursos naturais do Brasil”, conclui Beatriz Branco.
Por Djeneffer Cordoba