Catador precisa juntar mais de 10 mil latinhas para alcançar o equivalente a um salário mínimo

Foto: Nilson Figueiredo
Foto: Nilson Figueiredo

“Dia e noite andando. Quando não estou com meu carrinho, estou com as minhas pernas mesmo”, conta Paulo Alves, 47, que há 22 anos se sustenta com a reciclagem. Como ele, milhares de trabalhadores da reciclagem atravessam a cidade em busca do material que, neste início de ano, está com preço recorde no setor: R$ 10 o quilo, conforme apurado pela reportagem do O Estado.

Fizemos um cálculo para entender o volume de latinhas necessário para garantir um salário mínimo de R$ 1.518 apenas com a reciclagem. O resultado mostra que um catador precisa juntar cerca de 151,8 quilos do material, o que equivale a aproximadamente 10.474 latinhas. Esse valor foi estimado com base no preço médio pago nos ferros-velhos da cidade.

A renda de Paulo vem exclusivamente da reciclagem. “Eu não tenho um cálculo certo. Um dia faço um peso, outro dia faço outro. Às vezes faço R$ 100, mas tem dia que faço R$ 10”, diz. Ele começou há mais de duas décadas, depois de perder o emprego com carteira assinada. “Eu faço o meu horário. Termino meu serviço, vou para casa.”

Alexandre da Silva, 41, também vive da coleta. Ele, que veio de Rochedo para Campo Grande, conta que chegou a procurar emprego, mas não conseguiu. “Faltou trabalho. As pessoas não queriam arrumar serviço para mim, que não sou conhecido da cidade. Aí não podia ficar parado, comecei a catar latinhas.”

Hoje, ele consegue tirar em média R$ 80 por dia. “Tem que melhorar mais, entendeu? Mas, por enquanto, está bom”, avalia sobre o preço atual do quilo da latinha. Para ele, o clima influencia diretamente na coleta. “Eu trabalho na chuva. Compensa mais, porque as pessoas não pegam e eu saio catando”, afirma.

Gentil Machado, 63, também encontrou na reciclagem uma forma d e complementar sua renda. Aposentado por invalidez, após perder os dedos das mãos, ele trabalha na coleta de materiais há quatro meses. “Trabalhando e reciclando e vendendo pelo preço
que eles querem, né? Ganha pouco, não tem como ganhar muito”, conta. Ele calcula que consegue cerca de R$ 350 por semana com a reciclagem, mas parte desse valor é gasto com a gasolina da moto que usa para trabalhar puxando o carrinho com os materiais.

“Estava reciclando a pé, mas conseguimos comprar uma motinha velha. Ainda estou pagando ela”, explica. Mesmo recebendo aposentadoria, seu Gentil ainda precisa complementar a renda para pagar a casa própria. “Fiz dois empréstimos para comprar a casa. Sobram R$ 700 e pouquinho para mim, só do meu aposento. Aí vem a prestação da casa, tem água, tem luz. Sobra nada, não. Só para sobreviver mesmo”, relata. Sua rotina envolve coletar materiais durante o dia inteiro e acumular até 10 ou 11 fardos, que
são vendidos aos sábados. “Não tem como entregar todo dia. Junto durante a semana e vendo tudo no sábado.”

Esse preço representa uma valorização significativa em relação ao passado. “Esse valor chegou nesse patamar de dezembro para cá. Em setembro, era R$ 5,50, até R$ 8,50. Então, subiu consideravelmente”, afirma Jordão Gardelino, proprietário da Reciclagem Santa Ana, no Jardim Colibri, há 18 anos no mercado.

Segundo ele, a alta está atrelada à valorização do dólar. “Enquanto o dólar não abaixar, a latinha não abaixa. Se o dólar despenca, a latinha despenca junto”, explica. O destino final das latinhas compradas por ele é São Paulo. Edivaldo Aparecido, dono da Novinho Sucata há quatro anos, reforça que o preço atual é o mais alto que já viu no setor. “Esse é o preço recorde que chegou até hoje. Tem empresas que pagam até mais, empresas grandes pagam até R$ 11”, diz.

Ele acredita que a oscilação do valor está mais ligada à demanda das usinas de reciclagem. “Quando o estoque está baixo, eles aumentam o preço para comprar mais. Isso já aconteceu no ferro também, quando uma empresa gigante deixou baixar o estoque demais e, de repente, subiu o preço para atrair material”, exemplifica.

Para Sidney Sebastião, proprietário da Reciclagem do Gordo, no bairro Moreninhas, há dois anos no setor, o aumento da latinha não representa necessariamente um benefício para quem compra. “Se eu pagava R$ 5 antes e agora pago R$ 10, eu preciso ter o dobro do capital para comprar a mesma quantidade. Então, no fim, o lucro se mantém igual”, explica.

Catadores na economia

O Brasil é reconhecido mundialmente pelo alto índice de reciclagem de latinhas. Em 2022, o país atingiu uma marca inédita, reaproveitando 390 mil toneladas de latinhas, praticamente o mesmo volume que foi produzido no ano (389 mil toneladas), segundo a Abal (Recicla Latas e a Associação Brasileira do Alumínio).

Conforme a OIT (Organização Internacional do Trabalho), mais de 15 milhões de pessoas no mundo trabalham com a coleta e reciclagem de resíduos. No Brasil, estima-se que cerca de 800 mil catadores atuem nesse setor, sendo 70% mulheres. Essas trabalhadoras têm um papel fundamental na economia circular, retirando resíduos das ruas e garantindo renda para milhares de famílias.

A importância dos catadores é reconhecida pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010), que os considera agentes essenciais na gestão de resíduos. No entanto, o trabalho ainda enfrenta desafios, como baixos ganhos, falta de estrutura e preconceito. “Políticas inclusivas que integrem os catadores às cadeias produtivas podem contribuir para promover o trabalho decente”, afirma Thaís Dumêt Faria, da OIT.

Por Djeneffer Cordoba

 

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