Sobrecarga de trabalho aumenta procura por tratamento psiquiátrico

Arquivo pessoal
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Depressão, ansiedade e burnout são problemas mais recorrentes em profissionais da linha de frente

A médica Amanda Melo, de 26 anos, que atua em Três Lagoas, havia acabado de se formar quando a pandemia começou e, assim que saiu da universidade, se deparou com o desafio de atuar na linha de frente no combate à COVID-19. Com a rotina de trabalho, o fato de lidar com uma doença “desconhecida” para a ciência e o medo de levar o vírus para a família, ela começou a sentir o desgaste físico e não demorou muito para o esgotamento se tornar emocional. A jovem médica teve de procurar tratamento psiquiátrico, algo que tem se tornado comum entre os profissionais de saúde após o início da pandemia.

“Faz três meses que resolvi procurar a ajuda para tratar ansiedade. Eu estava tendo crises de ansiedade, por conta da pandemia e o trabalho na linha de frente, além do medo de transmitir para minha família, isso deixa a gente com medo de trabalhar, então eu comecei a fazer tratamento no psiquiatra e no psicólogo”, explicou.

O tratamento passou a ajudar a médica, mas o trabalho na linha de frente ainda estava desgastando Amanda. Um episódio ocorrido na quinta-feira passada (22) se tornou o ápice do esgotamento da médica. Ela conta que estava trabalhando em uma UBS (Unidade Básica de Saúde) de Três Lagoas, que atende pessoas com suspeita da COVID-19, quando um paciente exigiu que a médica receitasse medicamentos específicos, mas ela recusou e foi agredida verbalmente pelo homem.

“Eu tentei explicar que não prescrevo pois têm efeitos adversos, ele começou a me desacatar, me agredir verbalmente, chegou um momento de apontar o dedo no meu rosto. Fiquei com medo, saí da sala e chamei a polícia. Foi o meu limite, pedi transferência para atender pessoas não COVID”, desabafou.

Segundo ela, o tratamento tem ajudado a superar o medo que sentiu ao ser desacatada pelo paciente e a ansiedade intensificada durante a pandemia. “Sinto que estou mais leve e menos pressionada. Aceitar que eu estava desgastada fisicamente e emocionalmente me ajudou bastante. É preciso aceitar que profissional da saúde também fica doente, a gente tem que cuidar da nossa saúde também, eu vi que precisava tratar, foi a melhor coisa que eu fiz”, disse.

Melo não é a única profissional de saúde que procurou atendimento psiquiátrico após o começo da pandemia. Segundo o psiquiatra Juberty Antônio de Souza, a procura desses trabalhadores por atendimento em saúde mental cresceu. “Logo depois de alguns meses, quando houve um aumento dos casos de infectados e começou a exigir mais dos serviços hospitalares, as exigências de trabalho de todo o pessoal da saúde aumentaram à medida que pandemia foi se agravando. Começou a ocorrer uma sobrecarga desses profissionais, além do cansaço e do medo”, ressaltou.

Crescimento durante pandemia

Flávia Maria Delgado, de 29 anos, também é médica e atua na linha de frente da COVID-19 em uma unidade de saúde e num hospital particular em Dourados, além de fazer plantões em Itaporã. A profissional sempre fez tratamento psiquiátrico, mas depois da pandemia sentiu que os transtornos aumentaram. “Depois que comecei a trabalhar com COVID-19 me descompensei completamente, por conta da demanda excessiva por causa do trabalho, do assédio que a gente sofre para trabalhar cada vez mais, porque foram criados novos postos de trabalho, os pacientes são desrespeitosos, tratam a gente mal”, desabafou.

Há cerca de dois meses, ela passou a sentir constantes fadigas e estava sempre estressada, o tratamento teve de ser intensificado. “A minha psiquiatra aumentou minhas doses de medicação por conta desse estado de estresse e comecei a procurar um psicólogo também porque eu perdi a paixão, comecei a ter dúvidas se eu queria continuar sendo médica, que é algo que eu nunca tive”, contou.

A médica teve de aumentar a carga de trabalho por conta do crescimento dos casos de COVID-19 e as consultas no psicólogo tiveram de diminuir. “A gente vai suportando, eu diria que a classe da saúde é bem resiliente. Eu não vejo como abandonar, como deixar meus pacientes que eu acompanho, ou os lugares que eu trabalho porque eu sei que não tem outro profissional para colocar no lugar. Não tenho coragem de tirar de campo a experiência que eu adquiri em um ano de COVID-19, eu sinto que eu devo para as pessoas e preciso continuar”, finalizou.

Texto: Mariana Ostemberg

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