Pais solo: mesmo sendo exceção, eles compartilham um caminho genuíno

Foto Valentin Manieri
Foto Valentin Manieri

Especialista pontua que protagonismo nas diferentes instâncias da família ainda é marcada por barreiras

Neste Dia dos Pais, 14 de agosto, O Estado trouxe histórias de paternidade solo, uma realidade que apesar de se tratar de uma minoria, é real e merece visibilidade. Assim, decidimos usar a data comemorativa para conhecer as particularidades dessa paternidade, os desafios e os sucessos das trajetórias de cuidado.

Buscando escapar de um discurso único sobre o que é a paternidade, um pai solo decidiu compartilhar suas experiências do universo que a psicologia clínica ainda não reconhece como uma nova configuração familiar e sim, como uma exceção. Mesmo assim, a justiça já acolhe com direitos constitucionais.

O músico, Jorge Felipe Lourenço dos Santos, 30, é pai solo do pequeno Cássio Ravi de Castro Bronze Lourenço dos Santos de 3 anos. Ao O Estado, Jorge Felipe contou que apesar de ter tido uma relação complicada com seu pai, sempre viu a paternidade com outros olhos, como algo verdadeiramente especial e genuíno.

“Meu sonho sempre foi ser pai, apesar da relação complicada que tive com o meu. A ideia da paternidade sempre veio a minha mente como algo incrível. É duro ser pai solo, ter que se desdobrar em dois para dar conta dos compromissos profissionais e os afazeres de casa. É bem desgastante, mas isso não é incomum na nossa realidade, tendo em vista a quantidade absurda de mães solos pelo país a fora”, ponderou o músico.

A jornada de pai e filho começou em 2018, logo após o nascimento de Cássio Ravi. “Crio meu filho desde que ele tinha aproximadamente um ano. Me separei da mãe dele assim que ele nasceu e veio da minha parte ter a guarda do Ravi. Foi um processo longo, trabalhoso, complicado, mas deu certo. No mês de outubro ele completa quatro aninhos e sei que permaneceremos juntos mesmo depois que tiver autonomia e independência”, assegurou o pai.

Sobre os desafios de ser pai solo, Jorge Felipe revelou que a parte mais complicada é conciliar a paternidade com o seu trabalho. “O maior desafio ainda é conciliar a rotina de trabalho com a rotina dele. Eu sou músico de profissão, então, nós passamos o dia juntos, mas nos dias que preciso sair para trabalhar e que normalmente são durante a noite, eu tenho o auxílio da minha mãe para ficar com ele até eu poder voltar do trabalho. Em algumas ocasiões até consigo levar ele comigo, mas são bem poucas”, explicou.

O pai compartilhou que se desdobra, se reinventa e descobre todos os dias a magia da paternidade. “Na fase etária que meu garoto se encontra agora tudo é uma aventura, eu me faço criança de novo. Enxergar o mundo pelos olhos deslumbrados e atentos a tudo que há de novo pra ele, torna tudo uma aventura”, revelou.

O pós-doutor em psicologia clínica e professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Tiago Ravanello, 42, pontua que a paternidade solo ainda não é uma tendência. “Eu diria que ela está muito mais no quadro das exceções ou de exceções raras. Porque a paternidade solo ela costuma ser marcada pela figura da tragédia, em que o falecimento da mãe impede de assumir esse local de cuidado primário/prioritário de uma criança, obrigando um pai a ocupar esse lugar”, explicou e reforçou que “é muito diferente do que acontece nas maternidades solo em que a maioria dos casos é marcado pela figura do abandono ou pela escolha do homem em não estar ali compondo os cuidados junto à criança”, ponderou.

Uma parcela significativa da população mundial continua acreditando que “cuidar” é uma qualidade feminina e uma responsabilidade prioritariamente das mulheres. “A sociedade costuma ser muito mais acolhedora em casos de homens que tem que cuidar exclusivamente de uma criança, compondo redes com outras mulheres que podem vir a ocupar esse lugar de cônjuge e assumir o cuidado de uma criança ou de mães, irmãs etc. O que é uma grande injustiça com as mulheres que assumem exclusivamente os cuidados de uma criança além da composição da renda familiar, do cuidado de outras pessoas, levando elas à exaustão e a situações de grande risco a saúde mental”, analisou.

Por fim, para o pós-doutor a paternidade equitativa ainda tem um longo caminho até a mudança de comportamento social. “Na maior parte das vezes o que temos são pais, homens que ocupam temporariamente o espaço do cuidado da criança porque a mãe está no trabalho. Nesse caso, não é necessariamente um respeito aos direitos da mulher, mas uma necessidade pelo capital. A escolha dos protagonismos a respeito das diferentes instâncias da vida em família ela ainda é muito marcada no Brasil pelo machismo, conservadorismo e pela misoginia”, comentou.

SUS participa de monitoramento dos perfis de pais no Brasil

A pesquisa Saúde do Homem: Paternidade e Cuidado, tem sido realizada em parceria com o Departamento de Ouvidoria do SUS, em caráter contínuo, e tem como objetivo obter dados sobre o acesso, acolhimento e cuidados com a saúde masculina nos serviços públicos de saúde e levantar informações sobre o envolvimento dos pais/parceiros no pré-natal, nascimento e cuidados com a criança.

A partir dos contatos fornecidos por 117.160 mulheres que tiveram crianças nascidas no SUS em 2015, a terceira etapa da pesquisa entrevistou por telefone 37.322 pais/ parceiros que tiveram seus filhos no SUS, entre março de 2017 e março de 2018. A pesquisa contemplou pais/parceiros/cuidadores das 27 Unidades da Federação e traçou o seguinte perfil sócio-demográfico:

• Faixa etária: 30 a 39 anos (46,22%), 20 a 29 anos (31,92%). Juntas essas faixas etá rias somam 78,14% do total de pais;

• Escolaridade: 40,21% possuem o nível médio completo e 26,25% o nível fundamental incompleto;

• Renda: 60,31 % entre 1 e 2 salá rios mínimos; 17,30% mais de dois e menos de cinco e 12,67% menos de um SM.

• Estado civil: 49,92 % casados, 23,45% em união estável e 22,35% solteiros.

• Raça/Cor: 51,18 % dos pais sã o pardos, 31,37% brancos e 12,46% pretos (63,64% negros).

O jornal O Estado questionou a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) sobre ações e projetos destinados ao público masculino, sobretudo aos pais, no quesito da saúde, métodos contraceptivos e planejamento familiar de pais solos. Porém, até o fechamento dessa reportagem não foram encontrados serviços com este foco.

[Texto: Suelen Morales, Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul]

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