EUA e México disputam extradição de chefe de narcocartel

A Justiça dos Estados Unidos e do México têm o mesmo desejo de levar a julgamento o mexicano José González Valencia, preso no Brasil desde dezembro de 2017, por crimes relacionados ao narcotráfico internacional.

Caberá ao STF (Supremo Tribunal Federal) decidir para qual dos dois países ele será extraditado. O caso tem a relatoria do ministro Celso de Mello, o decano da corte brasileira.

Conhecido como La Chepa, o detento estrangeiro tem 43 anos e é tido pelas autoridades como um dos chefes do grupo criminoso mais rico do México, “Los Cuinis”. A gangue se tornou o braço financeiro do violento Cartel da Nova Geração de Jalisco (CJGN, a sigla em espanhol), alvo de uma campanha contra o narcotráfico promovida pelo presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador.

González Valencia teria enviado aos Estados Unidos pelo menos cinco toneladas de cocaína, de acordo com a Justiça americana.Já em sua terra natal, além da mesma acusação, ele também foi denunciado por participar do assassinato de um funcionário público do governo do estado de Jalisco.

“Eu nunca participei de nenhum narcotráfico em nenhuma parte. Isso não é verdade”, afirmou Valencia, em depoimento a um juiz federal. Ele foi preso por agentes da PF (Polícia Federal) em Fortaleza, quando passava as festas de fim de ano com a família, e aguarda o desfecho do caso detido no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN).

Riqueza e sangue

Comandados por ao menos sete irmãos da família González Valencia, Los Cuinis têm o domínio de rotas de tráfico que levam cocaína produzida na Bolívia e na Colômbia para o Canadá e países europeus e asiáticos. Lavam dinheiro obtido com o narcotráfico em clínicas de rejuvenescimento, hotéis e restaurantes no México e outras empresas criadas nos Estados Unidos, Uruguai e Argentina, de acordo com investigações

A associação de Los Cuinis com o CJGN tem uma raiz familiar. Rosalinda Gonzalez Valencia, irmã de La Chepa, é mulher de Nemesio Oseguera Cervantes, El Mencho, o chefe da nova geração de Jalisco. “Eu diria que El Mencho tem ao menos US$ 500 milhões e sua fortuna pode superar a marca de US$ 1 bilhão”, afirmou Kyle J. Mori, agente especial da DEA (sigla em inglês da Agência de Combate às Drogas dos Estados Unidos), em entrevista a uma TV mexicana.

O CJGN foi formado por membros da antiga célula de proteção do Cartel de Sinaloa, comandado por Joaquín Guzmán, El Chapo, condenado nos Estados Unidos a prisão perpétua e a pagar uma indenização de US$ 12,6 bilhões.

O cartel é conhecido pela crueldade com que trata os inimigos. Seus ritos de iniciação incluem atos de canibalismo. Em abril do ano passado, autoridades mexicanas afirmaram que traficantes do cartel mataram três estudantes e dissolveram seus corpos em ácido. As vítimas foram confundidas com rivais. Eles também foram responsáveis pelo massacre de 35 membros do cartel de Veracruz, em 2015, e por derrubar um helicóptero do Exército mexicano, dois anos antes.

Menos de uma semana após sua posse, em dezembro passado, o presidente mexicano Andrés Lobrador anunciou que desmantelar o CJGN era uma de suas prioridades. Meses depois, El Mencho respondeu em vídeo que o político rompeu um acordo firmado com sua organização criminosa e favorece grupos rivais. Lobrador nega.

Fuga para Bolívia

Em seu depoimento à Justiça brasileira, José González Valencia admitiu que fugiu em 2015 do México para Bolívia, onde passou a morar na cidade de Santa Cruz de la Sierra. Ele forjou documentos em nome de Jarfer Aris Becerra e dizia ser empresário.

Antes de ser preso em Fortaleza, Valencia visitou as cidades de Uberaba (MG) e Sorocaba (SP) nos anos de 2015 e 2016 — duas cidades que fazem parte da chamada “rota caipira” da cocaína da Bolívia que passa pelo Brasil.

“Várias testemunhas colaboraram reportando que González Valencia planejou, financiou e coordenou o transporte e importação de cocaína destinada aos Estados Unidos, desde as Américas do Sul e Central, e através do México, por meio de caminhões, submarinos e outros métodos de contrabando”, afirmou o agente da DEA Kyle J. Mori, em em testemunho incluído no pedido de extradição do governo americano.

No México, pelo menos cinco traficantes ligados ao CJGN afirmaram, em delação firmada com a Justiça, que González Valencia é um dos líderes do cartel e determinou a morte de um funcionário do governo de Jalisco, cumprindo ordem de El Mencho, seu cunhado.

EUA pediram primeiro a extradição

Foram os EUA os primeiros a pedirem a extradição de La Chepa. O pedido chegou ao STF em junho de 2017 — seis meses antes de sua prisão pela PF.

Três dias após ser preso, quando ainda estava detido na carceragem da PF em Fortaleza, González Valencia conversou por telefone com um cônsul mexicano no Brasil por 21 minutos.

Em março de 2018, o pedido do governo mexicano para prender e extraditar La Chepa chegou ao STF.

Em um despacho inserido ao processo, em fevereiro de 2019, o ministro Celso de Mello observou que o Ministério da Justiça e da Segurança Pública não havia enviado ao STF a documentação completa do pedido do México e determinou que o titular da pasta, Sergio Moro, esclarecesse o que aconteceu. Até pelo menos o mês de julho, não havia obtido resposta.

Defesa prefere o México

Os advogados de La Chepa defenderam, em petição ao STF, que o cliente seja extraditado ao México.

“Isso porque a Lei de Migração determina que quando mais de um Estado requerer a extradição da mesma pessoa em caso de crimes diversos terá preferência o Estado requerente em cujo território tenha sido cometido o crime mais grave, segundo a lei brasileira”, afirmaram os defensores.

No Brasil, o crime de homicídio é mais grave do que o tráfico de drogas.

“Porém, tendo em vista que os Estados Unidos fizeram primeiro o pedido de extradição e os compromissos internacionais firmados pelo Brasil de combater o narcotráfico internacional, penso que o acusado deve extraditado para aquele país”, analisou o magistrado aposentado Walter Maierovitch, especialista no combate ao crime organizado.

A PGR (Procuradoria-Geral da República) deve emitir um parecer sobre o caso. Ao finalizar seu voto, o ministro Celso de Mello deve levar o caso para ser julgado pelo plenário do STF.

Ao juiz brasileiro, González Valencia afirmou que só esteve nos Estados Unidos entre anos de 1996 e 1998, onde afirmou ter estudado vocalização.

“Eu queria ser cantor, mas não deu certo”. (Uol)

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