Entrevista da semana é com Secretária de Estado de Educação

Secretária de Estado de Educação, Maria Cecília Amêndola da Motta, diz que não se deve esperar a vacina, pois é um vírus permanente, e para 2021 os professores vão trabalhar com metade da capacidade da sala por estudante e aulas no sábado

O Estado: É possível fazer uma avaliação do ano letivo de 2020? Principalmente analisando a pandemia provocada pela COVID-19?

Motta: Haverá perdas no processo de aprendizagem de todos os estudantes, não apenas de Mato Grosso do Sul, mas também do Brasil. Essa é uma perda que só será reparada ao longo de alguns anos, iniciando já este ano, com a recuperação que nós estamos fazendo. Tendo na balança um aspecto negativo na aprendizagem, na questão da desigualdade social, por conta da diversidade das famílias sul-mato-grossenses, no sentido de que nem todas têm acesso à conectividade, à televisão, a esses instrumentos. 

Também traz um aspecto muito positivo e surpreendente, que nós pulamos para o século 21, e o que demoraria, talvez, dez anos para conseguir chegar aonde nós estamos hoje, no sentido de as pessoas apreenderem a lidar com a tecnologia, subir filmes, filmar suas aulas e aprenderem a lidar com essa educação remota e virtual, que já existe há muito tempo no Brasil e fora dele.

Sempre houve uma resistência dos professores, como se a tecnologia pudesse suspender a presença dos professores, o que não é verdade. Esse é um aspecto até que positivo, e nós apreendemos a trabalhar virtualmente, ao invés de ir duas vezes para Brasília, eu faço quatro reuniões virtuais, sem sair da minha cidade. Esse é um balanço que mostra várias fases, de avanços e prejuízos na educação de Mato Grosso do Sul e do Brasil. Os professores também nos surpreenderam muito, eles foram criativos e as aulas que eles filmaram nos surpreenderam também. Isso mostra que temos gente muito boa, e nos fez perceber o quanto menosprezamos esse potencial nosso, mas agora foi exposto e foi uma surpresa agradável. 

O Estado: Em sua avaliação, já seria possível dispensar o ensino presencial no futuro?

Motta: Estou fazendo parte de uma comissão da Anebhi (Associação Nacional de Educação Básica Híbrida), criada pela Maria Inês Fini, que era presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), e se trata de um grupo de especialistas que tem estudado o ensino híbrido, já que agora nós não temos como retornar. O ensino híbrido traz um pouquinho da nossa proposta metodológica, que demos início em 2016, que é a Escola de Autoria, em que o aluno produz seu conhecimento, de maneira que o professor também aprende, entre aspas. Aprende o professor e o aluno, e se parte do ensino híbrido, misturado, como chamamos, ele parte não do professor dando a aula e do aluno fazendo; ele parte do aluno pesquisando e da sala de aula de debate e aprendizagem. 

Algumas escolas nossas não sentiram esse impacto, pois já trabalhavam com o ensino híbrido e com essa inversão, que chamamos de aula invertida. Primeiro vem a pesquisa do estudante, depois vem o debate, e a associação tem feito vários estudos, buscando exemplos fora do Brasil, e até mesmo no país, como Mato Grosso do Sul já tem uma escola que usa o ensino híbrido. Acho que não tem mais volta, não tem como voltar ao tempo em que o professor era o detentor do saber e o aluno era tábua rasa em que todo mundo dizia. A informação não é preciso ser apenas do professor, nem apenas do quadro-negro. Hoje, a informação está na palma da sua mão. O papel do professor é problematizar, para que o aluno aprenda a pesquisar, a buscar conceitos e soluções. Este é um momento novo pelo qual a educação brasileira vai passar. 

O Estado: Tudo que foi feito para implantar o ensino a distância foi positivo; como foi feito esse balanço?

Motta: Houve problemas, no dia 17 de março veio a pandemia, nós tivemos cerca de uma semana para organizar tudo e a maioria dos professores não sabia como trabalhar com a tecnologia. Foi um desespero da parte de todos, de diretores, professores e coordenadores. A secretaria fez uma parceria com o Sebrae e por uma semana tivemos, três horas por dia, aulas sobre como utilizar a tecnologia, sobre como fazer para o professor montar suas aulas, subir vídeos e imagens para as plataformas. Os professores aprenderam. Quando fizemos a parceria com o Google “Classroom”, houve um desequilíbrio e depois se equilibrou novamente. 

Todos os alunos foram direcionados para suas salas, com seus emails e todos os professores podendo entrar que teria todos os alunos, e com isso eles puderam ministrar suas aulas virtualmente. Mas, como não chegava para todos, nós entregamos atividades impressas para os alunos e acabamos utilizando a TV aberta, em que o ministro da Tecnologia liberou mais dois canais para a gente. E fizemos um chamamento, daqueles que gostariam de produzir aulas para socializar com todo o Estado. 

Não foi apenas para a rede estadual, foi para a municipal e a privada, aquele profissional que quis. Esse foi outro desafio muito grande em que começamos a fazer roteiros. É uma filmagem e nós sabemos como é difícil se fazer isso se preparando, são horas de estudos, o que nós também fomos obrigados a aprender a fazer. Foi difícil, desafiador, mas também foi recompensador, pois nós conseguimos fazer, fizemos parceria com o Instituto Ayrton Senna, com a Península, para trabalhar com as competências socioemocionais, que já estão nas competências da Educação Básica, preparando o professor para o retorno. 

Quando houver a retomada, nós teremos de realizar alguns dias de escuta dos alunos, que perderam familiares, outros foram abusados, outros tiveram a mãe espancada em casa, filho espancado e o professor também é um ser humano que também tem família. Como ele pode estar tão fortalecido se ele também tem família. Para isso nós fazemos esses cursos, e com todas as competências emocionais, a empatia, o conviver, e foram cursos que deram um suporte para o profissional enfrentar e acolher seus alunos, mesmo que virtualmente. O aluno confia muito no professor e o professor para ele é o líder, e, por vezes, ele consegue se abrir com o professor, mas não faz isso na família. Esse foi um outro desafio, aprender a trabalhar com as nossas emoções, para então aprender a trabalhar com as emoções dos outros. 

O Estado: Como presidente do Consed, é possível fazer uma avaliação sobre qual posição MS se encontra, em relação a outros estados, pela forma com que lidou com a pandemia? 

Motta: Todos os secretários tiveram de tomar atitudes, nós, quando vamos buscar falar sobre um assunto, nós buscamos evidências sobre o assunto e esse assunto não tinha evidência nenhuma, ninguém sabia o que fazer. Com isso o Consed realiza toda terça-feira uma reunião para que possamos ajudar uns aos outros, trocamos ideias sobre o que vem sendo feito, sobre como você pensa o retorno, como foi feito. Trocamos “figurinhas”, mas estamos todos no mesmo barco. Lógico que alguns secretários que estão na segunda gestão têm um pouco mais de experiência, acabamos abraçando essa outra secretaria e também aqueles que foram mudando no meio do caminho, já que vários estados mudaram secretários.

No Rio de Janeiro, por exemplo, acabou de mudar, em Brasília mudou três vezes e o Consed tem esse papel de trabalho. Nós tivemos um papel muito importante este ano, com o Fundeb, em que estamos discutindo uma PL que tira R$ 1,5 bilhão da educação. E acaba sendo um papel muito político, de defender o papel da educação em nível nacional, que é algo que alguns querem pegar o Fundeb e colocar para assistência, outros em escolas convencionais, existe uma falta de clareza que cerca o fundo da educação básica pública. 

Este foi um ano pesado, em que tivemos de deixar muito para trás, na semana em que nós paramos, era a semana em que seria aprovado o Fundeb pelo deputado relator, mas nós acabamos tendo de resolver tudo isso e, na questão da pandemia, foi mesmo uma questão de troca de experiências, experiências empíricas, em que às vezes alguns fizeram algo errado e diziam: “Olha, não faça isso, pois eu já tentei”; então foi mais no sentido colaborativo, do que outra questão que estamos vivendo.

(Confira mais na página A4 da versão digital do Jornal O Estado)

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