No último mês foi aprovada a Lei n. 5.982 que instituiu 19 de novembro como “Dia Estadual do Cinema e do Audiovisual Sul-mato- -grossense” no intuito de celebrar e fomentar esse importante setor da economia criativa. Lembrando o início da atividade no Estado, o jornalista Eron Brum, associado do IHGMS, selecionou para esta página textos das também jornalistas Marinete Pinheiro e Neide Fisher publicados em dois volumes da obra “Salas de Sonhos”*.
Na sua última visita ao cinema, provavelmente você não foi ver um filme numa cinemateca, ou um curta metragem num cineclube, muito menos foi a uma sessão de “Single 8”. É mais provável que tenha ido a uma sala multiplex, ampla e moderna, assistido ao filme mais por entretenimento do que por curiosidade em conhecer a obra. De qualquer forma, isso hoje talvez não tenha muita importância para você, pois os filmes estão muito acessíveis, mas em 1910 a realidade era outra.
Há mais de um século (1910), chegou a Campo Grande o primeiro cinema, trazido pelo italiano Raphael Orrico, que tinha o anseio de mostrar ao pequeno arraial de Santo Antônio de Campo Grande a inédita forma de comunicação de imagens. Orrico, ao se hospedar no Hotel Democrata, vislumbrou a possibilidade de instalar, sob as copas das árvores, o Cine Brasil. Segundo Serra (1), este cine não era exatamente uma sala de exibição cinematográfica; funcionava a céu aberto e os filmes eram projetados em um grande pano branco colocado em uma das paredes do Hotel Democrata, que ficava na antiga rua do Padre, atual travessa Lydia Bais, situada ao lado da igreja Santo Antônio. Esta pensão tomava espaço de um quarteirão cercado por bosques, conhecida pelos moradores como Chácara do Carvalho. Os frequentadores do Cine Brasil se acomodavam em tábuas rústicas, colocadas sobre caixotes. Algumas vezes era necessário levar o próprio assento, com o nome gravado, para não perdê-lo. Os mais aventureiros subiam nas árvores para assistir a novidade trazida por Orrico.
A energia para a exibição vinha de um pequeno motor movido a gasolina ou querosene, com fios estendidos pelos troncos e galhos das laranjeiras e das robustas mangueiras. O pátio do hotel, cortado por um rego d´agua, era todo cercado por troncos de aroeira, D`Almeida (2).
O espetáculo que começava às 20 horas era anunciado por foguetes e rojões. Serra (1) descreve que a plateia assistia a documentários e comédias de curta duração exposta ao sereno, e era confortada com chocolate quente e conhaque, servido pelo Chiquinho do Hotel Democrata. (…)
Cine Ideal, o primeiro
O Cine Ideal, inaugurado em 1912 pela empresa Nepomuceno & Barros, na rua 7 de Setembro, quase esquina com a rua 14 de Julho, foi o primeiro cinema fechado de Campo Grande. A escolha deste local surgiu em função da rua ser considerada “alegre”, devido ao movimento de pessoas que frequentavam o Café Paulicéia, instalado ao lado do cine. As sessões eram popularmente conhecidas como “funções”, e ocorriam às quintas-feiras, sábados e aos domingos, sendo que em cada dia eram realizadas cinco sessões. Machado (3) conta que as exibições tinham um intervalo de dez minutos, onde as pessoas podiam comprar balas, doces caseiros, pastéis, amendoim torrado e pipoca nas barracas instaladas em frente ao cinema. Era costume que os cavalheiros fossem buscar guloseimas e levar para as senhoras e crianças que permaneciam dentro da sala. Como o cinema era mudo, conjuntos como o “União Sul” faziam uma trilha sonora para os filmes.
Logo depois do Cine Ideal, o uberabense Bertolino Ferreira de Oliveira inaugurou, em 1914, o Cine Rio Branco, localizado na rua 13 de Maio, e que posteriormente foi vendido a Santiago Solari. Este cine funcionava num pequeno salão alugado e se prestava à diversão local.
Luxo para a época
Em 1918 residiam em Campo Grande cerca de quatro mil habitantes. Nesse período o município foi elevado à categoria de cidade. A chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em 1914 fez com que a cidade despontasse como uma das de maior crescimento do antigo Estado de Mato Grosso. É neste contexto que Valentin dos Santos inaugura, em 1920, o Cine Guarani. A sala, localizada na avenida Afonso Pena entre a 13 de Maio e Rui Barbosa, tinha instalações de teatro com camarotes; um luxo para a época. Durante algum tempo a administração desse cinema passou para Luís Antônio Fernandes da Silva, que mais tarde o vendeu para os Irmãos Neder. Estes últimos reformaram o ambiente, dando um estilo fino ao local, que passou a se chamar Cine Central. Filmes famosos passaram a ser exibidos e lançamentos, além da apresentação de grupos de teatro amador, realizados por pessoas da própria comunidade, Contar (4).
Em 1932 surge um concorrente à altura para disputar o público do Central: o Cine Trianon. Referido cinema foi um marco na sociedade da época, pois uniu os proprietários, irmãos Neder e Juvenal Alves Correia, antes o único proprietário do Trianon, surgindo então a sociedade Correia & Neder. Esta sala situava-se na rua 14 de Julho, onde está hoje a galeria São José. Na época era costume que os soldados disparassem foguetes toda vez que uma boa película era exibida. O projecionista se chamava Daniel Ignácio de Souza, que tempos depois montou uma sala de cinema na cidade de Três Lagoas, Machado (3).
A caixa mágica presenteada à humanidade
Graças aos avanços experimentados no mundo da fotografia, no final do século XIX, fez-se realidade o que para muitos era apenas um sonho: a possibilidade de captar e exibir imagens em movimento. Em 28 de novembro de 1895, na cidade de Paris, França, mais especificamente no Gran Café, os irmãos Auguste e Louis Lumiére exibiram doze filmes curtos que duraram, totalizando, 30 minutos. Para muitos, nascia aí a maior fábrica de sonhos da terra. Um mundo novo em que basta sentar na cadeira, esperar que apaguem as luzes e olha… Histórias, lugares, sensações, personagens e o mundo aos nossos olhos.
Anterior a este fato, quando cerca de 100 franceses pagaram um franco para sentarem-se frente a uma tela, Thomas Alva Edison foi o primeiro a considerar o processo de produção e exibição cinematográfica. Em 1894, ele inaugurou o primeiro “salón kinetoscopio”, onde foram mostradas dez máquinas, e cada uma exibia um filme diferente. Edison, porém, obcecado por este invento, não se preocupou com o sistema de projeção e acreditou que nenhum norte-americano pudesse copiar o invento. Esqueceu-se do resto do mundo e não patenteou o invento no estrangeiro. Isso permitiu que os Irmãos Lumiére, que possuíam uma empresa de artigos fotográficos, analisassem o equipamento e o melhorassem. A exibição de Edison, em 1894, na cidade de Nova York, não permitia que as imagens fossem contempladas de forma coletiva. No entanto, para muitos norte-americanos, Edison foi o inventor do cinema. (…)
No decorrer da história, é notável como os estúdios de cinema sempre buscaram alternativas para que o público se interessasse por ver filmes na tela grande. Quando da chegada da televisão como novo meio de entretenimento, os Estados Unidos descobriram um novo fenômeno para motivar o público: os “Drive-in” (Autocines), os estacionamentos ao ar livre onde se projetavam filmes à noite em uma tela enorme, novidade que empolgou principalmente o público jovem. O cinemascope, Cinerama, Vista visão e o Toddao, que projetavam filmes em novos formatos panorâmicos, foram também alternativas que buscavam exibições envolventes e espetaculares. Vale citar o Odorama (uma insólita experiência de cine cheiroso, criada por Mike Todd), o Circarama (uma tela circular em 360 graus criada por Walt Disney), e o cinema 3D, que começa a se expandir, são inovações para atrair público para as salas de cinema.
No Brasil, a primeira projeção foi realizada em 1896. Apenas um ano depois da sua criação, o empresário Vio di Maio desembarcava na cidade do Rio de Janeiro com a novidade. Não existiam salas fixas para apresentação dos filmes ou vistas animadas, como eram chamadas. Com o sucesso de público, houve a necessidade de se estabelecer salas fixas. A primeira foi instalada no dia 31 de julho de 1897. Chamava-se “Salão de Novidades”. Tempos depois, como a novidade foi trazida da França, o espaço passou a ser chamado de “Salão de Paris no Rio” (o proprietário era Paschoal Segretto).
19 de novembro: Dia do Cinema e do Audiovisual Sul-Mato-Grossense
Criado na França, em 1895, pelos irmãos Auguste e Louis Lumière, antes de ser o conhecido e poderoso universo de entretenimento industrial, o Cinema, na idade embrionária, foi concebido e erigido como arte. Cunhada pelo crítico italiano Ricciotto Canuto no “Manifesto das Sete Artes” em 1912 e publicado em 1923, a expressão “sétima arte” passou a designar o Cinema.
Mato Grosso do Sul, abertas as águas do rio Paraguai para navegação, conheceu sua primeira projeção da Sétima Arte em 19 de novembro de 1903, na tenda do circo Palma, em Corumbá, como dá conta a publicação do jornal “O Brazil”, de 24 de novembro.
Desde então, projeções cinematográficas, reservadas a salas de Cinema e Drive-in, eram eventos sociais, traziam nova paisagem cultural, alimentavam fantasia e informavam. Assim, em novembro de 2022 foi aprovada a Lei n. 5.982, que institui o “Dia Estadual do Cinema e do Audiovisual Sul-mato-grossense”. A proposta foi apresentada e defendida na casa de Leis pela deputada Mara Caseiro, idealizada pela cineasta Marinete Pinheiro, com rigorosa pesquisa do historiador Celso Higa.
O intuito da data é celebrar a atividade e fomentar o setor visto que o cinema e o audiovisual têm se tornado uma atividade importante da economia criativa, geradora de emprego e renda em função do consumo. Todos nós, todos os dias consumimos audiovisual, principalmente, em nossos celulares e equipamentos eletrônicos, assim a nova Lei coloca na pauta do MS essa importante ferramenta de entretenimento, educação, diversão e, também, de transformação social. (Marinete Pinheiro)
*“Salas de sonhos: história dos cinemas de Campo Grande, MS” (Marinete Pinheiro e Neide Fischer) e “Salas de sonhos: memórias dos cinemas de Mato Grosso do Sul” (Marinete Pinheiro) foram publicados em 2008 e 2010 respectivamente (ambos com chancela da Editora UFMS). Para atualizar os textos e completar referências foram feitas pequenas alterações em datas e citações de autores, além de colocação de inter-títulos. ** Marinete Pinheiro é jornalista e cineasta com curso na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Baños, em Cuba; associada efetiva do IHGMS (cadeira 17 – patrono Hércules Florence). *** Neide Fischer é jornalista, pós-graduada em “Comunicação: Literatura, Linguagem e Construção Textual”. REFERÊNCIAS – autores e obras: 1. Ulisses Serra (Camalotes e Guavirais); 2. Valério D’Almeida (Campo Grande de Outrora); 3. Paulo Coelho Machado (Pelas Ruas de Campo Grande – A Rua Alegre); 3. Edson Contar (Do Phonógrafo aos Grandes Espetáculos – Revista Arca n. 3). FOTOS: Hotel Democrata (Acervo Arca – reprodução Álbum Graphico do Estado de Matto-Grosso), Cine Alhambra (Acervo ARCA).
Por Marinete Pinheiro e Neide Fischer – Jornal O Estado.
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