Para evitar problemas de outras capitais, empresa programa nove super-poços para reserva de água
O Sistema Cantareira, principal fonte de abastecimento de São Paulo, opera em grau de alerta por conta da falta de chuvas. A situação é um recado para Mato Grosso do Sul que, embora tenha abundância na natureza, sofre ameaças pontuais de falta de água e pode, no futuro, ter a mesma intensidade de preocupação que o estado vizinho. O uso da tecnologia para sistemas de captação e tratamento, e entendimento humano para prática de ações de economia e conservação estão cada vez mais necessários para desacelerar a ofegante exploração de fontes de água.
Nos últimos dois anos, Campo Grande passou por uma das piores estiagens e, em contrapartida, o consumo de água aumentou porque o líquido tratado teve de ser utilizado em atividades que uma boa chuva resolveria como, por exemplo, manutenção de jardins. Atividades de recreação para espantar o calor e mais necessidade de limpar ambientes por conta da poeira também engrossam o cordão dos vilões do alto consumo.
A junção do hidrogênio com o oxigênio não é tão simples como se imagina para produzir água. Cabe ao ser humano fazer uso racional e depois o tratamento para devolução do líquido à natureza para que o ciclo se renove, pois da água depende a vida humana, plantas, animais e atividades que envolvem economia, hábitos domésticos ou fora de casa. Junto ao aumento de demanda, por questões climáticas e crescimento da população, é preciso pensar reservas, o que os especialistas chamam de backup de água.
Conforme levantamento da Águas Guariroba, empresa concessionária do serviço de água na Capital, o consumo total dos campo-grandenses é de 280 mil metros cúbicos. Isto representa, em média, uso de 285 milhões de litros de águas por dia. A média do brasileiro é de 200 litros/ dia, que é quantidade elevada, pois a Organização das Nações Unidas recomenda 110 litros por pessoa ao dia.
O diretor-executivo da Águas, Gabriel Buim, explica que o município tem grande dependência de produção da Bacia do Guariroba (42%), do Córrego Lageado (15 a 20%) e entre 15 e 20% de poços subterrâneos. Com o crescimento populacional caminhando junto com aumento da demanda, novas tecnologias começam a ser empregadas para oferta de água
Em relação ao Guariroba, professora de biologia da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Alexandra Penedo de Pinho, explica que ele fica numa área arenosa cercada por atividades agrícolas e de pecuária e que por anos sofreu por não haver controle, por meio de práticas ambientais, e perdeu a evasão dos rios em função do assoreamento. “Quando chove muito é carregado todo sedimento para o rio e isto diminui o nível dele”, diz. A especialista alerta que é preciso mudar hábitos, com urgência. “Já estamos vivendo a mudança climática. É só observar o céu e entender os sinais da natureza. Se não fizermos nada agora, em 2050 não haverá água”, diz.
Alexandra Penedo esclarece que a água para abastecer Campo Grande é superficial e que existe uma quantidade de pessoas que fazem poços artesanais em casa e, com isto, mais gente capta água subterrânea. “Ela é a água mais limpa e que tem que ser mais preservada. Se faltar a água superficial vamos ficar sem ela”, ressalta.
Em busca de caminhos, no mês de agosto deste ano, as barragens do Guariroba começaram a ser reformadas. Na ação, são utilizadas balsas e equipes de mergulhadores para instalação de colchões Reno, que têm como função revestir, proteger e estabilizar as margens e encostas de rios, canais e córregos. É um reforço na estrutura de concreto.
Devido a sua importância hidrográfica para abastecimento de água para Campo Grande, o Guariroba se tornou uma APA (Área de Proteção Ambiental), por lei nacional o SNUC (Sistema Nacional de Unidades de Conservação). “Agora, o Guariroba está bem melhor do que antes”, comemora a professora da UFMS.
SOS Lageado
Em período de estiagem, o Córrego Lageado reduz sua produção de água em 200 litros por segundo. Isto significa, em média, 12 mil litros a menos por minuto. Com monitoramento dos últimos dois anos, a concessionária decidiu ampliar o número de poços para que no ápice da estiagem não seja necessário fazer transposição, como aconteceu em 2020. No ano passado foi preciso retirar água com caminhões-pipa do Lago do Clube Atlântico para suprir a necessidade de abastecimento.
A Águas faz parte da Câmara Técnica da Apa do Guariroba, justamente para prevenir um crescimento desordenado da região para não afetar a qualidade hídrica, como ocorreu no Lageado. Só perdeu vasão porque teve nicho grande na região. Ocorreu desmatando que tirou a capacidade de recarga do córrego. “Teve aumento de 3% a 4% na produção de água desde da criação do Conselho Gestor APA Guariroba”, comemora o diretor-presidente da Águas Guariroba, geólogo Themis Oliveira.
Sobre o Lageado, Themis Oliveira diz que a preocupação tem aumentado, pois está dentro da cidade e tem muita influência da malha viária e loteamento. “Estamos repondo o que deixa de produzir com uma folga a mais para não faltar abastecimento na cidade”, explica.
Em frente de casa
Morador há 40 anos na rua Doná Deolinda Pereira de Souza, no bairro Pioneiros, o casal de aposentados Anunciato e Evangelina Godoy, presenciou a transformação do bairro. Sentados à sombra de uma árvore, recordam que a área do poço antes era ocupada por um campo de futebol de terra. O que se via era uma cortina de terra em dias de sol e um transtorno com lama em dias de chuva. Agora, vai brotar a importante fonte de vida, a água, de um poço com tecnologia avançada.
Quando se mudaram não havia asfalto, a escola, a creche e muito menos luz. Evangelina teve que parar de trabalhar com costura por falta de energia. Ela vê no poço uma garantia de água não só para os moradores, mas para toda a cidade. “Eu sou uma pessoa que não gosto de reclamar da vida. Apenas agradeço. Se tem algo sendo feito para o bem da população, temos que agradecer”, diz. “A população de Campo Grande cresceu muito. Tanto que hoje nem precisamos mais sair para ir ao centro, no bairro tem tudo. O poço será importante para não faltar água na cidade”, complementa Anunciato.
As obras iniciaram em maio, em espaço da prefeitura, do lado da Escola Municipal Abel Freire de Aragão. Como tem 146 poços, a Águas possui perfil hidro geológico de toda cidade e tem mapeado os locais mais propensos a ter água e condições de perfuração. Por isso foi realizada uma análise de geologia da área.
O sistema do Pioneiros vai reduzir a indisponibilidade de água de outros sistemas, principalmente da estação do Lageado (localidade). Vai deixar encaminhado dois mil metros cúbicos de água para as regiões do Pioneiro, Dom Antônio e Paulo Coelho Machado. Um alívio ao abastecimento.
Campo Grande é uma das poucas cidades que têm todo sistema de água interligado. A água captada lá no Guariroba, é transportada até o Pioneiros, por de adutores.
Cada poço tem um tamanho. O Pioneiros tem profundidade de 660 metros. O local já está perfurado, a bomba instalada, e água podendo sendo retirada e já deve ser usada a partir de setembro. O super-poço oferece vasão de 350 mil por hora. É 100% revestido em aço, com vida útil maior, com duração de até 30 anos.
Themis Oliveira destaca que a Águas Guariroba está investindo pesado na perfuração de poços para que passe o período de seca mais confortável. “Estamos no terceiro ano atípico em termos de regime de seca. Os reservatórios e mananciais estão baixos. A própria Agência de Energia Elétrica acompanha a situação. Particularmente, Campo Grande tem uma vantagem: está sob um Aquífero do Guarani. Hoje, ele já responde 40% da produção de água que abastece a cidade”, revela.
Técnica de perfuração dos poços de petróleo na busca por água
De acordo com Gabriel Buim, a Águas Guariroba programou investimento de R$ 50 milhões para perfuração de poços nos bairros Pioneiros, Nova Lima, Taveirópolis, Universitário, Lageado, Parque dos Poderes, São Conrado, Pênfigo e Caiobá, que pode atender uma população 420 mil pessoas. Os novos pontos de captação vão oferecer 500 mil litros a mais por segundo, o que representa a metade do Guariroba.
Diferente da perfuração padrão para poços, o modelo underreamer, utilizado na perfuração de petróleo, com tamanho de comprimento de 30 metros. Ele utiliza um dispositivo para alargar o diâmetro de perfuração no intervalo onde é explorado o Aquífero, permitindo o aumento da permeabilidade (transmissividade) e, consequentemente, aumento de produção de água, sem comprometer a reservatório subterrâneo.
Buim explica que na maioria dos meses os novos poços profundos vão ficar inoperantes como se fossem backup que, no caso, teriam o mesmo significado de reserva. A ideia é que operem entre setembro e novembro, de forma emergencial, e que tenham condições de atender em médio prazo a demanda campo-grandense até 2028, quando novas ações de ampliação de captação de água devem ocorrer.
Para saber se é o momento do acionamento dos poços reserva, a concessionária de água faz monitoramento constante e, caso necessário, o cronograma de acionamento é feito com 15 dias de antecedência., observando índice de chuvas, temperatura, entre outros pontos para calcular a capacidade de água a ser captada.
(Texto de Bruno Arce)