Quilombolas buscam as políticas de direitos por dignidade e sua história

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Luan Saraiva

Comunidades são 22 em MS, que vivem do plantio e enfrentam dificuldades por conta da pandemia

Mato Grosso do Sul tem 22 Comunidades Remanescentes de Quilombos espalhadas por 15 municípios. A de mais difícil acesso é a Comunidade de Furnas da Boa Sorte, no município de Corguinho, a 100 km de Campo Grande, por conta das condições geográficas.

A vida de cultivo da terra e escoamento do excedente nestas localidades também esbarraram na pandemia do coronavírus e na escassez de chuva dos últimos meses, que comprometeu lavoura e pequenas criações. A vida dos descendentes de escravizados na Furnas da Boa Sorte é um misto de contentamento pela tranquilidade do lugar e expectativa por melhorias, principalmente para produzir alimentos, vender o excedente, conseguir certificação dos produtos e ainda educação e lazer para os jovens.

Quem vai pela primeira vez para a comunidade se encanta logo no trajeto, que tem morrarias e mata cercando a furna. A escolha dos antepassados para morar ali foi exatamente para dificultar o acesso daqueles que caçavam os escravos que decidiam escapar dos seus senhores, bem como escravistas que, na fuga do peso da lei, levavam suas “propriedades humanas”. A narrativa é contada pelos griôs (idosos guardiões da memória de seu povo).

As 70 famílias de Furnas da Boa Sorte somam, aproximadamente 250 pessoas. Olgarina Caetano, 77, nasceu na comunidade e nunca se mudou de lá. Apesar de jamais ter “arredado o pé” daquela terra diz que a vida sempre foi muito difícil, principalmente pela falta ou pouco acesso às políticas públicas de direitos como, por exemplo, segurança alimentar.

“A vida aqui não é fácil, ainda mais com esta seca”, lamenta.

A produção artesanal de doces é bem presente na Furnas da Boa Sorte. Atalício Ribeiro vive do comércio de produtos que faz. Ele planta cana, colhe, mói e transforma a garapa em rapaduras e melado. Como não tem selo de inspeção, precisa vender a produção informalmente. “Se tivesse, (certificação) tinha como vender em outras cidades”, espera.

Na opinião de Atalício, o que segura o jovem quilombola na terra é a produção. “Senão, eles vão embora. A comunidade pode acabar um dia, se eles não ficarem”, diz preocupado também com a falta de educação e lazer para a juventude.

Da mesma opinião é Agostinho Rodrigues Alves, 72 anos. Ele saiu da comunidade para os filhos estudarem e retornou depois que os dois ingressam na universidade. “Os jovens têm muita energia acumulada e eles estão saindo daqui. Quem fica tem muita dificuldade”, diz.

Adepto do uso de plantas para evitar e curar doenças, Agostinho dá como conselho respeito à natureza e necessidade de preservar a cultura do povo antepassado. “As doenças são consequência das más ações do ser humano. Além disso, ainda há a cultura do quilombola de sair pra trabalhar fora, mas isto atrapalha a cultura local”, diz. Quem experimentou a vida fora da comunidade foi o filho de Atalício, José Luiz Pereira Ribeiro, 24 anos. Ele morou em Campo Grande por dois anos e retornou. “Aqui tem facilidade de vida porque pode trabalhar na terra”.

Eliane Mateus Teodoro é a primeira mulher presidente da comunidade Furnas da Boa Sorte. Ela assumiu tentando imprimir a mentalidade de que a cada presidente que assuma, deve continuar aquilo que o antecessor fez de bom, principamente na busca por políticas de direitos e infraestrutura de trabalho, especialmente de interesse coletivo.

Outra Furna

Em Jaraguari, a 40 km de Campo Grande, vivem quilombolas na Comunidade Furnas de Dionísio. Com melhor acesso geográfico, a produção de artesanato, rapadura e melado é um pouco mais estruturada que na Furnas da Boa Sorte.

A localidade recebe este nome porque foi fundada por Dionísio Antônio Vieira, que veio de Minas Gerais por volta de 1980, com o fundador de Campo Grande, José Antônio Pereira. Dionísio era escravo liberto.

Quem visita Furnas do Dionísio pode adquirir doces, utensílios como peneira e ainda aproveitar as opções de ecoturismo como trilhas e banhos de cachoeira. Uma vez por ano é realizada a Festa da Rapadura, que ajuda a dar visibilidade à cultura local, que luta pela preservação de sua história, e movimenta a economia.

Visita de secretário nacional revigora esperança

Na última quinta e sexta-feira, o titular da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, cumpriu agenda no MS. Ele esteve nas Comunidades Remanescentes de Quilombo Furnas da Boa Sorte e Furnas do Dionísio. A presença do representante federal trouxe uma ponta de esperança para os quilombolas.

A agenda nas duas comunidades foi acertada pela Subsecretaria Estadual para Promoção da Igualdade Racial e pela Secic (Secretaria Estadual de Cultura e Cidadania). Paulo Roberto destacou que pisar nas comunidades é importante, enquanto representante do governo federal, para que pudesse conhecer a realidade. ‘Sujar o sapato é o que dignifica o nosso trabalho enquanto secretaria, porque é nos municípios, nas comunidades que o Brasil acontece”, frisou.

O secretário nacional destacou que percebeu comunidades quilombolas dispostas a lutar por políticas públicas e trabalhar. O secretário-adjunto da Secic, Eduardo Romero, entende que a vinda aproxima os governos estadual, municipal e federal e, assim, pensar melhor as políticas públicas. “Quando gestores saem do conforto de seus gabinetes e vão às comunidades enchem de otimismo quem precisa das políticas públicas”.

Romero frisa a retomada do mapeamento estadual MS Quilombola que é um diagnóstico de quem são, quantos são, como vivem e que demandas possuem os moradores das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Estado. (Texto: Bruno Arce)

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