Entrevista com o diretor do curso de medicina da UFMS

O isolamento social deu tempo a MS de estruturar

O diretor do curso de medicina da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Marcelo Vilela, afirma que os alunos a partir do 5º semestre podem participar da linha de frente ao enfrentamento do coronavírus (COVID-19). Vilela diz que os estudantes vêm passando por um treinamento, que consiste em capacitá-los no quesito proteção, da utilização dos EPI e condução dos pacientes em ambiente contaminado. “Esses alunos ainda não foram convocados pois o Estado não está em um pico da contaminação pelo vírus”, afirmou. Vilela, que também já atuou como secretário municipal de saúde, entre os anos de 2017 e 2018, relata que no momento, a situação em MS ainda é estável, o isolamento realizado logo no início da pandemia proporcionou tempo e tanto o Estado quanto Campo Grande puderam se estruturar, aumentando capacidade hospitalar.

As turmas de medicina da UFMS estão nos hospitais, realizando o estágio. O intuito é deixar preparados para caso há convocação, informou Marcelo Vilela, diretor do curso de medicina

O Estado: Neste período de pandemia vem faltando a participação dos acadêmicos na linha de frente do combate ao COVID-19?
Vilela: Esses alunos ainda não foram convocados pois o Estado não está em um pico da contaminação pelo vírus. Vem sendo dito que o pico pode ocorrer em abril ou maio, porém, isso vem se atrasando, devido ao isolamento social horizontal, principalmente na nossa cidade, tomado logo no início. Tanto que hoje o prefeito está reabrindo o comércio e voltando para o isolamento vertical, em que se impede principalmente a saída de idosos e a aglomeração de pessoas. O isolamento obteve efeito no Estado, achatou a curva, e não se vê o número de casos tão grandes como o que ocorreu na Europa.

O Estado: Mas em outros Estados que a situação se agravou, no Ceará já há adiantamento da formação de alunos dos cursos de medicina e enfermagem, qual a possibilidade de isso ocorrer em MS?
Vilela: Pela situação lá se encontrar mais grave, existe uma maior procura de pessoas. As equipes existentes de saúde não suportam a demanda e aí que entram mais a convocação de voluntários. Em Mato Grosso do Sul, a previsão é que o pico ocorra no fim do mês e no início de maio, é difícil determinar uma data. Tudo isso acontece pois o SUS não se encontrava com uma estrutura organizada, principalmente nas questões de internação em CTI, faltam vagas aqui em Campo Grande. Quando se lê notícias deste tipo no país inteiro, em que cancelaram cirurgias eletivas e estão dando mais atenção ao coronavírus é porque não haveria a estrutura necessária para atender a todos. Com isolamento, a equipe de saúde ganhou tempo e tentou se planejar de alguma forma, mas a infecção vai se alastrar pela população, em toda virose ocorre isso, quando se entra no ‘platô’, é o momento em que se chega no topo da curva e depois começa a cair. Essa grande procura é uma coisa inevitável todos os gestores sabem disso, o que tem que ser feito é preparar as estruturas, para não ocorrer como nos países do Equador e da França. A a medida que vai ocorrendo as infecções vai liberando leitos me dando altas, para aqueles que têm crise respiratória mais grave tenham assistência, para que assim evite as crises.

“O Estado só vai chamar esses alunos, caso haja a necessidade”, diz Vilela

O Estado: Os estudantes de medicina da UFMS realizaram treinamento para atuar no atendimento de casos do COVID-19. Como está o andamento dessa solicitação?
Vilela: O 5º e 6º ano, que é o internato, possuem uma programação mais prática do que teórica. Esse sim, passam por um treinamento, que consiste em capacitá-los no quesito proteção, da utilização dos EPI e condução dos pacientes em ambiente contaminado. Porém não foram apenas os estudantes que participaram desse treinamento, todos os servidores e alunos que frequentam o ambiente e tem se preparado para lidar com a possibilidade de infecção. Portanto, esse treinamento foi repassado para todos tanto médicos, quanto enfermeiros, técnicos de enfermagem, a equipe laboratorial. O intuito é deixar todos preparados para caso há convocação dessas equipes, pois o Estado só vai chamar esses alunos, caso haja a necessidade. Esses alunos estão nos hospitais, realizando o estágio, previsto na grade curricular, normalmente, porém, no caso da convocação, a diferença será que eles serão destinados para outras unidades, como as UPAs e unidades de atendimento primário.

O Estado: Qual a situação do HU? O corpo clínico é suficiente para suprir a demanda? Algum paciente do Hospital Regional, que é o utilizado como referência no tratamento do coronavírus, precisou ser transferido para a unidade?
Vilela: O HU é ponto de referência técnica, ali estão todos os profissionais da universidade, o Hospital Regional ficou como referência assistencial. Quem coordena as ações a central de regulação, no HU, se encontrou diversas especialidades que não existem no Regional e caso seja necessário o paciente é encaminhado para o Hospital Universitário, mas essas ações não vem ocorrendo.

O Estado: Em relação às aulas ministradas para os alunos de medicina, existe alguma diferença no método utilizado diante da situação do coronavírus?
Vilela: O curso de medicina, normalmente é aplicado com aulas teóricas e práticas simultaneamente. Porém, diante dessa situação, as turmas que estão nos primeiros semestres, que possuem mais aulas teóricas acabam ficando mais em casa, com os professores passando as aulas, mantendo o contato e realizando o monitoramento online. Já as turmas do 4º e no 5º ano a situação se invertem um pouco e passam a ter mais aulas práticas e realizam aquilo que nós chamamos de internato, essas turmas continuam com as atividades nos hospitais normalmente.

O Estado: O COVID-19 pode afetar de alguma forma a medicina mundial, ou até mesmo a situação do SUS (Sistema Único de Saúde)?
Vilela: Acredito que essa será uma revolução na forma de ver a saúde em todo o mundo. Por exemplo, nos Estados Unidos, não existe um sistema publico de saúde, o que é realizado é o pagamento do plano de saúde, ou os aposentados que recebem algum tipo de auxílio e esses serão um dos países da repensar a forma de avaliar a forma como lidar com a saúde, pois esses vírus trazem um problema muito grande para a população, seja no EUA, na Espanha, ou no Brasil, que apesar de tudo possui o SUS, que na lei ele é muito bom, porém, o difícil é praticar o SUS já que existe uma falta de compreensão nos próprios funcionários. Na atenção primária a saúde, que são os postos dos bairros, ali é preciso ofertar ao menos 70% do que a população precisa, que são vacinas, exames de prevenção, palestras, porém os servidores têm dificuldade em realizar o atendimento primário. Já o sistema de alta e média complexidade, que é outra parte da assistência, que envolve muito dinheiro, que é a contratação de hospitais, e, o Brasil, nos últimos 20 anos perdeu muitos leitos do SUS, tudo por conta do financiamento desse tipo de complexidade de média e alta. O financiamento é você pagar hospitais que prestam serviço ao SUS e Hospitais que são do SUS, ou seja, os estaduais, federais e municipais. A tabela do SUS é uma tabela muito aquém do que é praticado no mercado, e nisso entra os problemas da inflação médica e outros vários problemas e isso é muito complicado pois gera um custo muito grande para o Governo, tanto município, quanto estado e também a federação. Isso precisa ser rediscutido e essa situação escancarou o problema. Outro ponto que também é um problema em relação ao SUS, são os profissionais que não entendem a política do sistema, pois ele tem 30 anos, essa é uma geração de pessoas, essa geração que está agora e possui entre 40 e 60 anos, essa geração não passou por uma disciplina, e, talvez, por isso possuem uma dificuldade muito grande em praticá-lo. Atualmente, o SUS está inserido na grade curricular do acadêmico de medicina, na tentativa de mudar essa realidade e ensiná-los a ser um profissional no SUS, com seus por menores.

O Estado: Olhando a situação criada no mundo, este é um momento de pânico?
Vilela: Quando nós olhamos friamente os números, aqueles que estão no grupo de risco precisam ficar preocupados, já a maioria dos jovens não irão ter problema com o vírus. O vírus na Europa, que foi marcado pelo tabagismo, em que a população na década de 50, 60, 70, não existia uma campanha contra o tabagismo, isso até a década de 80, o que levava o povo europeu a fumar muito, talvez isso explique a alta mortalidade lá. As pessoas que estão na sua faixa etária acima dos 60 anos, elas possuem doenças crônicas, podendo ser o DPOC (doença pulmonar obstrutiva crônica) que pode ser provocada devido ao cigarro, outras doenças relacionadas ao coração, isso explica a alta mortalidade lá, porém aqui no Brasil, a população nesta faixa etária é pequena, representando apenas 15% da população e tudo isso vai dar diferença nos números de mortalidade. Outro ponto que precisa ser visto, é o comportamento viral abaixo da linha do equador, em que a temperatura fica mais alta, e não tem o mesmo comportamento ocasionado lá, e parece que não está tendo. Então parece ser um pouco de exagero do Ministério da Saúde, acredito que deveria ter sido realizado o isolamento, porém, isso em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, que são porta de entrada da Europa e podem trazer o vírus, depois do Carnaval, parece que 19 mil brasileiros que viajaram voltaram, podendo trazer esse vírus, e nesses lugares de entrada deveria ter realizado uma triagem e um monitoramento, o que não foi feito. Se nós olharmos para Portugal, que fica mais a leste da Europa, eles realizaram esse controle e o nível de infecção está baixo, se você pega a Coreia do Sul, eles realizaram esse controle e são países que possuem menos infecção, e o Brasil não fez isso, os Estados Unidos também não, depois da crise na Europa, voltaram cerca de 80 mil para o país e esse controle faz a diferença, se realiza esse primeiro bloqueio se impede que espalhe o vírus e isso tudo é prevenção.
O Estado: O caos causado pelo COVID-19, pode ser comparado com a crise que ocorreu em todo mundo pela gripe espanhola durante o século XX?
Vilela: Se abordar as grandes tragédias que existem na história do mundo, existe a da varíola, a do próprio sarampo, mas a que mais é relacionada a gripe foi a espanhola, porém, naquela época as pessoas sabiam que era medida de higiene, como também está sendo realizado hoje em dia. O problema na verdade é o comportamento viral, para se realizar esse combate é preciso que se desenvolva uma vacina, o que acredito que deve ser desenvolvido até o final desse ano, em Israel já está sendo testado, nos Estados Unidos já estão entrando na fase de testes, então isso é o necessário, enquanto na época da gripe espanhola ainda não se existia o conceito de vacina, a verdade é que o pessoal ficava em casa e não saia, o isolamento não era algo determinado pelo governo, pois era algo que amedrontou muita gente, pois milhares de pessoas morreram. Acho que é algo que tem relevância semelhante, porém cada um na sua época, nós ainda não sabemos se a mortalidade desse vírus será semelhante a gripe espanhola, já que foi algo que matou muita gente.

(Texto: Amanda Amorim)

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