“Tenho até um amigo negro”

Foto: Divulgação
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É comum ver pessoas que praticam atos racistas tentando negar suas ações a partir da utilização de um “negro card”. São pessoas brancas que acham que possuem crédito por meio do “negro card” para falar de questões raciais, em especial gostam de contestar a existência do racismo por meio de discursos frágeis e cientificamente contestados. É nada mais do que uma pessoa racista querendo negar o seu racismo por meio do “negro card” que ela acha que possui.

O primeiro exemplo de “negro card” é aquele sujeito que, após contestado por uma fala racista, diz que não é, pois tem até um amigo ou familiar negro e, por isso, estaria totalmente isento de qualquer ato que diminua negras e negros. Ter amigos ou familiareas negros não nos dá um alvará antirracista. Você pode ter prima, cunhado ou namorado negro e mesmo assim ser uma pessoa racista.

As pessoas racistas convivem com negras e negros, mas os consideram, pela cor da pele ou pelo cabelo crespo, inferiores, menos bonitos ou menos capazes. Usam de elementos biológicos da branquitude para se colocarem em um local de superioridade.

O segundo exemplo de “negro card” é o discurso de pessoas brancas que dizem que negras e negros gostam de se vitimizar e que a pauta racial é “mimimi”.

Esse discurso é racista e perverso, pois culpa o negro pela dor e a desigualdade social e racial praticada por nós, pessoas brancas. O racismo existe, são dados cientificamente comprovados e quem o contesta se perdeu no mais perverso dos piores sentimentos, pois pratica o ato racista, nega sua existência e sua perversidade. Lutar contra o racismo, por pessoas negras e brancas, jamais será vitimismo ou mimimi.

O terceiro exemplo de “negro card” é aquele branco que gosta de pegar exemplos de sucesso de pessoas negras e os transformam em regra, quando, na verdade, são exceções, para contestar a necessidade e existência de políticas públicas raciais pelo Estado. Quem nunca escutou a seguinte afirmação: negro que quer consegue, não precisa de cotas, olha o presidente dos EUA, Barak Obama ou o ex- -ministro do STF, Joaquim Barbosa. Uma coisa é verdade – negros não são incapazes ou inferiores. Eles podem e estão chegando em muitos espaços, mas precisam de oportunidades já que nós, brancos, por meio de um passado histórico de escravização, inferiorização e colonização, os jogamos em um abismo social e econômico até os dias de hoje.

Usar exemplos que representam a exceção como se fosse a regra para dizer que basta os negros quererem que eles conseguem chegar nesses espaços de poder é o mais perverso racismo. Negros são maioria no Brasil, mas não representam 10% na magistratura, na medicina, na odontologia, na política, entre tantas outras profissões por falta de oportunidade e não por falta de capacidade. Reflita o quanto de vergonha você, branco, está passando no crédito e no débito, tentando usar um “negro card” que nada mais é que o mais perverso racismo.

Como combinado na nossa coluna da semana passada, por estarmos no mês da consciência negra, resolvi, enquanto homem branco e apoiador da luta negra, tratar da questão racial a partir da minha branquitude para refletirmos a respeito de práticas antirracistas. Este artigo é dedicado a Diva Rigato, mulher, advogada, negra que chamo de tia. Que me pegou no colo, em 1983, em Ivinhema e hoje tanto me orgulha por sua postura de lutar incansavelmente contra o racismo e o machismo no Brasil.

Por Tiago Botelho.

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