Em uma era na qual vozes se levantam contra saberes assentados pela ciência, buscando reverter a noção de que a Terra é redonda, dentre outros absurdos, é de se indagar sobre a importância de estudar ciências humanas e sociais.
Recentemente, no Brasil, um Presidente da República e seu Ministro da Educação criticaram publicamente o ensino e a pesquisa na área de humanidades, afirmando que recursos públicos deveriam ser retirados dessas áreas, as quais seriam destinadas “para pessoas já muito ricas, de elite”, e investidos “em faculdades que geram retorno de fato: enfermagem, veterinária, engenharia e medicina”, disseminando uma noção segundo a qual as ciências sociais aplicadas, tais quais as ciências humanas, “não servem para nada”.
Tais discursos colocam em dúvida a ideia de certeza, a qual seria sempre dependente de um método, incondicionalmente. Não existiria a possibilidade de reconhecimento da verdade sem respeitar o método, conforme afirmou o filósofo moderno René Descartes. Mas, nos tempos atuais, até mesmo a definição do método está sob descrédito.
Foi nessa perspectiva que as sequelas decorrentes da COVID-19, tais quais hipertensão arterial, problemas respiratórios e pulmonares, déficits cognitivos, dentre outros, passaram a ser associados às vacinas, e não à doença. Não raro, pessoas letradas e até mesmo “cientistas” contribuem para essa concepção de que seriam as vacinas, e não o vírus, as responsáveis por esses sintomas e pelas mais de 700 mil vidas brasileiras perdidas na pandemia.
Os tempos são sombrios, e, nessa conjuntura, a reflexão crítica se revela indispensável. É no ambiente proporcionado pelas ciências humanas e sociais que o pensamento crítico encontra lugar para florescer e até mesmo prosperar. O confronto entre os discursos e a análise dialética das percepções sobre o mundo e sobre os fatos é propiciado no espaço e no estudo das humanidades, propiciando a problematização da investigação própria à construção do saber.
Para o pensamento crítico marxista, o ato da reflexão pressupõe questionamentos que incluem diferentes óticas quanto à percepção da realidade (Konder, 1991, p.7), em um exercício cognitivo que contempla as diferentes facetas do objeto analisado, levando-se em conta aspectos sociais e históricos. Este poderia ser, por exemplo, uma “receita” para a identificação das fake news, tão disseminadas nos meios de comunicação de massa, embrutecendo a informação e, nos meios acadêmicos, dificultando a construção do conhecimento.
A despeito das posições positivistas segundo as quais existiria uma ciência “neutra”, a conjuntura política atual, que propicia o surgimento de movimentos extremistas ao redor do planeta, com a ascensão do pensamento totalitário e do fundamentalismo religioso, torna evidente a necessidade do engajamento dos cientistas no fortalecimento dos compromissos éticos, consolidados na proclamação dos direitos individuais e coletivos, e adotados pelos países ocidentais, os quais estão na base das constituições democráticas contemporâneas.
A democracia, em si, é um valor do qual não podemos nos afastar como estudiosos e seres pensantes. É no contexto das humanidades que se fortalece o compromisso ético, tão necessário à caminhada civilizatória e ao agir científico. A exploração do homem pelo homem, a utilização de pessoas como cobaias humanas, a eugenia e outras práticas horrendas são próprias de um agir científico dissociado da essência ontológica do ser humano, que impõe a todos nós reflexões que evidenciam a importância de estudar ciências humanas e sociais na atualidade.
Giselle Marques é Doutora em Direito com Pós-Doutorado em Meio Ambiente e Professora do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional da Anhanguera Uniderp.
E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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