PPP do Hospital Regional exige vigilância jurídica e planejamento, alerta especialista

Foto: Marcos MAluf/arquivo
Foto: Marcos MAluf/arquivo

Projeto inovador tem gerado debates sobre os prós e contras da modalidade escolhida por MS

 

A proposta de modernização do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul) por meio de uma PPP (Parceria Público-Privada) tem gerado debates entre especialistas em gestão pública e direito administrativo. O advogado Alexandre Oliveira, mestre em licitações e contratos públicos, avalia que embora a PPP seja uma alternativa válida diante das limitações do Estado em investir e gerir diretamente a estrutura hospitalar, o modelo adotado impõe compromissos de longo prazo e exige extrema cautela jurídica.

“A PPP surge como alternativa quando o Estado enfrenta limitações de investimento e de gestão. No entanto, ela não resolve os problemas estruturais da gestão pública, apenas transfere a responsabilidade ao setor privado, com ônus financeiro por até 30 anos”, pontua Oliveira.

Segundo o especialista, outros modelos poderiam ter sido considerados, como a ampliação de contratos com OS (Organizações Sociais) ou a terceirização apenas dos serviços de apoio, sem comprometer a estrutura hospitalar como um todo.

Oliveira destaca que o modelo escolhido — concessão administrativa — é o mais adequado ao contexto, uma vez que os serviços são gratuitos via SUS. Porém, alerta que ele gera obrigações financeiras fixas para o Estado, independentemente de crises econômicas ou mudanças de governo.

“Esse modelo impõe ao Estado o pagamento mensal, mesmo em cenários de instabilidade. Trata-se de um compromisso pesado, que precisa ser muito bem planejado.”

Os riscos jurídicos, segundo ele, vão desde quebras contratuais até judicializações, crises econômicas e até dependência excessiva do parceiro privado.

“Os contratos costumam proteger mais a empresa do que o Estado. O risco de ‘captura do contrato’ existe, quando a empresa passa a influenciar decisões públicas em benefício próprio ao longo dos anos.”

Um dos pontos mais frágeis, conforme Oliveira, é a estrutura de fiscalização desses contratos no Brasil. Ele defende a criação de equipes técnicas específicas e bem treinadas, além de auditorias independentes e transparência total.

“Infelizmente, a fiscalização em contratos de PPP ainda é um ponto fraco no país. É preciso investir em equipes próprias, garantir auditorias periódicas e aplicar penalidades de forma efetiva.”

Em relação às metas e indicadores de desempenho previstos no contrato, o advogado é cético quanto à efetividade prática.

“Na teoria funcionam. Na prática, só têm valor se forem bem definidos e acompanhados de perto. Caso contrário, viram burocracia sem efeito real.”

Contrato de 30 anos é “imprudente”

Para Oliveira, a duração contratual de três décadas no setor da saúde é arriscada. “Sendo muito honesto, não considero prudente. A saúde pública é extremamente dinâmica. Um contrato de 30 anos pode ficar desatualizado e engessado.”

Ele defende revisões obrigatórias a cada cinco anos e cláusulas que obriguem a atualização tecnológica contínua.Apesar da realização de consulta pública, o especialista questiona a efetividade desses mecanismos.

“A população, em geral, não entende os termos técnicos desses contratos. É preciso criar materiais explicativos, fazer audiências com especialistas e garantir uma participação efetiva da sociedade.”

Precarização

Oliveira também chama atenção para o risco de precarização das relações de trabalho nos serviços terceirizados — limpeza, alimentação, manutenção — e recomenda cláusulas específicas no contrato para garantir direitos mínimos aos trabalhadores.

Por fim, ressalta a importância de assegurar a reversão dos bens ao Estado, ao fim do contrato, com qualidade preservada. “É essencial prever auditorias nos últimos anos, estabelecer padrões de conservação e aplicar multas caso os bens não sejam entregues conforme o contrato.”

E em caso de falência da empresa concessionária, o contrato deve prever um plano de contingência, possibilidade de gestão emergencial pelo Estado e garantias financeiras que assegurem a continuidade dos serviços.

Consulta pública termina dia 25

Conforme noticiado anteriormente pelo O Estado, a proposta de PPP foi apresentada pelo Governo de Mato Grosso do Sul no dia 21 de maio e prevê a modernização do Hospital Regional de Campo Grande, com a maior reestruturação hospitalar por PPP do país. O número de leitos deve aumentar de 362 para 577 — mas a UTI pediátrica terá apenas dois novos leitos.

O novo modelo prevê que a empresa privada assuma por 30 anos os chamados serviços de “bata cinza” — como nutrição, hotelaria e manutenção —, enquanto a parte médica permanece sob gestão pública. A consulta pública sobre o projeto foi prorrogada até 25 de maio. Contribuições devem ser enviadas pelo site www.epe.segov.ms.gov.br/consulta-publica-hrms.

 

Por Suelen Morales

Confira as redes sociais do O Estado Online no  Facebook e Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *