Nos 126 anos da Capital, Kati Adriana celebra recomeço ao lado da filha e motivos para voltar a sorrir

Kati não acreditava que poderia viver longe da violência até receber o convite da prefeita - Foto: Roberta Martins
Kati não acreditava que poderia viver longe da violência até receber o convite da prefeita - Foto: Roberta Martins

Vítima de violência, ela é a primeira mulher a participar da iniciativa que oferece tratamento odontológico

 

Após salvar a filha de um ciclo de violência, do qual ela mesma foi vítima, Kati Adriana de Amaral Pereira, de 55 anos, tem motivos para voltar a sorrir e retomar sua autoestima. Ela é a primeira paciente a ser tratada pelo programa “Sorrindo Para a Vida”, uma iniciativa da prefeitura de Campo Grande, realizada por meio da Semu (Secretaria Executiva da Mulher), que está oferecendo tratamento odontológico completo para mulheres que tiveram danos odonto-faciais em decorrência da violência doméstica. 

O convite partiu da própria prefeita Adriane Lopes (PP), durante a inauguração do Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas) do Bairro Guanandi. Na ocasião, a mulher foi abordada pela prefeita, que perguntou quando ela iria cuidar de si mesma. A moradora do Aero Rancho, além de ter sido vítima da violência praticada pelo ex-genro quando tentou salvar sua filha, também passou muitos anos buscando tratamentos para ela, que é diagnosticada com esquizofrenia e precisou de internações devido ao transtorno e à dependência química. Nas palavras dela: “[os dentes] vão caindo, porque eu não saía de postos, não saía de hospital e vivia com agressões diárias”.

Com depressão profunda, Kati relutou para aceitar o convite, até o dia que Adriane entrou em contato novamente, desta vez por ligação, para avisar que ela havia sido selecionada para ser a primeira mulher a receber um tratamento odontológico completo, incluindo a prótese dentária, por meio da iniciativa da prefeitura. O tratamento teve início no começo de agosto e tem previsão de ser finalizado até setembro, quando Kati irá exibir um novo sorriso, trocando as marcas de sofrimento pela felicidade de estar junto de sua família e tendo a oportunidade de um recomeço.

“Eu não estava acreditando que eu poderia ter uma vida diferente, estava dentro de casa tomada pela depressão e atendi o celular. A pessoa disse que era a prefeita Adriane e eu achei que fosse trote ou brincadeira de alguém. Nessa ligação, ela me convidou para fazer parte do projeto e me disse que ‘íamos segurar uma na mão da outra e ninguém ia soltar a mão de ninguém’ e aquilo me deu coragem”, relatou.

A ação é voltada para mulheres que tiveram os dentes e/ ou a região do maxilar afetados por agressões físicas no contexto de violência doméstica e, apesar de este não ser o caso de Kati, a deterioração dentária se deu justamente pelo contexto em que vivia: vítima direta e indireta da violência praticada pelo ex-genro. Sozinha, Kati precisou lutar para salvar a filha do marido violento e, depois, lidar com todas as consequências que vieram da convivência com o agressor, como o diagnóstico de esquizofrenia da filha e a necessidade de largar tudo para cuidar dela e das netas, se esquecendo de si mesma.

“Tudo começou tem 9 para 10 anos. Ela acordava apanhando todos os dias. Quando eu tentei chamar a polícia, ele me deixou desacordada, porque, na cabeça dele, eu era uma ameaça. Dessa vez, ele ficou preso só 3 dias e depois começou aquela saga de perseguição, até ele conseguir fazer ela voltar. Eles entraram nas drogas e chegaram a morar na rua. Toda vez que eu conseguia internação para ela pelo Consultório de Rua, ele aparecia no CAPS para tirá-la de lá. Isso vai criando um trauma na gente”, conta, destacando que o homem voltou a ser preso, ficando na cadeia por 8 anos, antes de ser encontrado morto em um bairro próximo. 

Atualmente, ela divide a casa com a filha, de 31 anos, que segue com o tratamento psiquiátrico e ainda precisa do acompanhamento da mãe. Diante da situação, Kati afirma que foi perdendo a confiança em si mesma e se entregou à depressão. Por causa de sua aparência, ela ainda não conseguiu emprego, mas tudo isso está prestes a mudar, graças à chance que está tendo de construir um futuro diferente para ela e para sua família. 

“A gente se perde na situação, você se olha e fala que já passou, que não compensa mais fazer nada, porque sua autoestima está lá embaixo, mas, agora, eu posso ter confiança de fazer alguma coisa, de deixar alguém aqui com minha filha para eu buscar um emprego, fazer um curso”, disse. 

Ao participar da iniciativa, Kati também está recebendo acompanhamento psicológico, etapa que faz parte do suporte oferecido pela prefeitura. Para ela, as sessões de terapia são fundamentais para entender o que aconteceu e se preparar para uma nova fase da vida. 

Encorajada pela transformação que está vendo em si mesma, Kati tomou como missão trazer mais mulheres para o programa. Segundo seu relato, ao menos cinco já entraram em contato com ela para saber como participar e ter a chance de mudar os rumos da própria vida. 

“Quero que as pessoas entendam que, no íntimo, o trauma fica muito presente e precisa ser trabalhado, porque, senão, essa mulher vai ficar trancada em casa, não vai viver, não vai trabalhar e não vai fazer mais nada. Eu entendo que fica aquele medo, mas, devagarinho, a gente vai mostrando que existem outras possibilidades e elas vão tomando coragem. É muito gratificante poder esclarecer as dúvidas, acompanhar quem quer ir e poder salvar vidas”, destaca. 

 

SERVIÇO: Mulheres vítimas de violência doméstica que ficaram interessadas em passar pelo tratamento podem obter mais informações pelo telefone da Semu: 3382-7541 ou indo pessoalmente no endereço Rua 15 de Novembro, 1373, Centro. 

 

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