Com 295 ocorrências de desaparecimento, entre 1º de janeiro e 1º de agosto de 2025, somente em Campo Grande, a Polícia Civil lançou uma nova etapa da campanha de coleta de material genético para auxiliar na identificação de desaparecidos. A ação marca o início de uma força-tarefa que se estenderá até o dia 15 de agosto em todo o país.
A ação, que acontece em parceria com a Polícia Científica, foi oficialmente iniciada na sede da DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa), em Campo Grande, e segue no IALF (Instituto de Análises Laboratoriais Forenses).
Segundo o delegado Rodolfo Daltro, dos 295 registros em Campo Grande, 55 ainda estão em aberto, mas apenas 9 continuam sem qualquer pista de paradeiro. “Muitas famílias registram o desaparecimento, a pessoa é localizada e elas não voltam para retirar o boletim. Outras mudam de endereço e não conseguimos mais contato. Mas efetivamente, em Campo Grande, temos 9 pessoas que seguem desaparecidas”, explicou o delegado.
Segundo ele, cerca de 80% dos casos envolvem pessoas com histórico de dependência química e 60% são homens, com idades entre 20 e 40 anos. A situação envolvendo idosos também preocupa, especialmente os que vivem com doenças como o Alzheimer. “O número de desaparecimentos de idosos aumentou. Cerca de 85% a 90% têm algum tipo de comprometimento na saúde, o que torna a busca ainda mais urgente”, completou.
A DHPP conta com um setor especializado em pessoas desaparecidas. Assim que a ocorrência é registrada, são iniciadas diligências com apoio de hospitais, Secretaria de Saúde, Assistência Social e concessionárias de serviços públicos. Operadoras de telefonia também são oficiadas para verificar se há novos números atribuídos à pessoa desaparecida.
Neste ano, segundo Daltro, apenas um caso resultou na localização da vítima sem vida, um idoso. “A grande maioria das mortes ocorre em outros estados, principalmente entre usuários de drogas. Em Campo Grande, a repercussão na imprensa costuma ajudar na localização com mais agilidade”.

Campanha coletou amostras de DNA e país aposta em divulgação em caixas de leite
A campanha reforça a importância da coleta de material genético dos familiares para alimentar o Banco Nacional de Perfis Genéticos. Essa base de dados pode ser cruzada com informações de pessoas hospitalizadas sem identificação ou corpos encontrados em diferentes regiões do país.
A diretora do Instituto de Análises Laboratoriais Forenses, Josemirtes Socorro Prado da Silva, explicou que os pontos de coleta funcionam inicialmente na sede da DHPP e depois no próprio IALF, na Avenida Senador Filinto Müller, 1530, em Campo Grande.
“Os familiares que podem fornecer material genético são pai, mãe, irmãos e filhos. Além disso, também podem trazer pertences usados exclusivamente pela pessoa desaparecida, como escova de dente, cabelo, dente de leite ou cordão umbilical”, detalhou.
A campanha acontece anualmente e, segundo Josemirtes, possibilitou a identificação de duas pessoas em edições anteriores. “Pode parecer pouco, mas como temos um índice alto de localização ainda em vida, os casos que chegam para a perícia geralmente são de restos mortais, como em fazendas ou atropelamentos, em que a vítima está sem documentos”, explicou.
Em uma breve pesquisa no Sigo (Sistema Integrado de Gestão Operacional), o Jornal O Estado apurou que 268 pessoas desaparecidas foram registradas até o dia 21 de julho deste ano em Mato Grosso do Sul, entre elas 9 crianças, 60 adolescentes e 29 idosos. Os números de 2025 seguem próximos aos do ano anterior, quando foram 302 pessoas desaparecidas em todo o Estado, entre elas 9 crianças, 78 adolescentes e 24 idosos. Os dados estão disponíveis no Sigo.
Histórias de quem busca
A campanha também reuniu famílias que vivem a dor da incerteza. Uma delas é a de Vanilton Braga, administrador de 62 anos. Ele foi à delegacia com a irmã Janete Braga, de 48 anos, para coletar material genético na tentativa de localizar o pai, Heitor Teodoro Braga, de 84 anos, desaparecido desde 10 de maio deste ano em Ribas do Rio Pardo.
“Ele tem Alzheimer. Estávamos na região rural testando uma bomba de água e, em menos de 15 minutos, ele sumiu. Acreditamos que alguém possa ter dado carona, já que ali o fluxo é intenso. Até hoje não tivemos nenhuma pista”, contou Vanilton.
A esperança agora é que o material coletado possa ajudar. “É muito importante essa iniciativa. Pelo menos, se for para encontrar os restos mortais, a gente precisa de uma resposta. O pior é essa ausência total de informação”, lamentou.
Outra participante foi Rosemery Gomes Teixeira, de 38 anos, que busca o irmão, Ronaldo Gomes Teixeira, de 40 anos, desaparecido desde fevereiro. Ele saiu para trabalhar em uma chácara, consumiu álcool e drogas no local e, segundo o dono da propriedade, foi deixado na rua ou na rodoviária.
“Ele nunca mais apareceu. Meu irmão é usuário, ele sempre sumia, mas também sempre voltava. A gente não tem pai nem mãe, então ele ajudava muito nossa irmã, que tem vários filhos. Essa incerteza é angustiante”, relatou Rosemery, que também realizou a coleta de DNA.
A dona de casa Marlene da Silva, de 78 anos, também foi à delegacia para coletar o DNA. A senhora procura o marido, Antônio Gomes da Cunha, desaparecido desde 16 de fevereiro no bairro Aero Rancho, em Campo Grande. Antônio havia sofrido um acidente e estava em recuperação, mas frequentemente dizia que “sumiria” de casa. O filho de dona Marlene também compareceu para realizar a coleta de material, para ajudar na busca pelo pai.
“No dia em que ele desapareceu, achei que logo voltaria. Depois disseram que o viram numa lanchonete, mas não conseguimos confirmar. A coleta de DNA me dá esperança. Quero encontrá-lo, seja como for”, afirmou.
Para o delegado Rodolfo Daltro, a contribuição das famílias é essencial para o sucesso das buscas. “É fundamental que as famílias registrem as ocorrências e forneçam o máximo de informações possíveis, como fotos, rotinas e objetos pessoais. Se tiverem pertences com material biológico, como escova de cabelo ou de dente, que entreguem. O trabalho da Polícia Civil continua, mas dependemos da ajuda da população”.
Caixas de leite como aliadas
Enquanto Mato Grosso do Sul avança com a coleta de DNA, uma iniciativa nacional também vem ganhando destaque, a campanha “Desaparecidos”, da Piracanjuba, que estampa fotos de pessoas desaparecidas nas embalagens de leite da marca. A ação é feita em parceria com a Associação Mães da Sé, organização que apoia famílias de desaparecidos há mais de 25 anos.
Inspirada em uma campanha similar dos anos 80, nos Estados Unidos, a versão brasileira traz uma inovação, o uso de inteligência artificial para recriar os rostos de pessoas desaparecidas, mostrando como elas poderiam estar atualmente. As imagens impressas nas embalagens também vêm sendo amplamente compartilhadas nas redes sociais, aumentando o alcance e o engajamento da população.
“Essa realidade alarmante sensibilizou a Piracanjuba e a Mães da Sé a se unirem em uma iniciativa sem precedentes”, declarou a empresa, em nota. “Desaparecidos é um projeto inovador que utiliza inteligência artificial para atualizar os rostos de pessoas desaparecidas, facilitando assim o reconhecimento delas nos dias de hoje. Nossas caixas de leite estão, diariamente, dentro das casas de milhões de brasileiros. Por isso, vamos usá-las como mídia de divulgação dessa iniciativa, potencializando nossas chances”.
Até agora, 19 pessoas tiveram suas imagens divulgadas nas caixas e oito já foram encontradas com a ajuda da campanha. Segundo dados do Sinesp-VDE (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), 212 pessoas desaparecem por dia no Brasil, o que reforça a urgência de ações como essa.
Por Inez Nazira e Juliana Aguiar