SAS, Conselho Tutelar e Humap alegam sigilo de Justiça; Promotoria quer vistoria técnica e discute risco coletivo
A suspeita de estupro coletivo contra um adolescente de 14 anos com diagnóstico de TEA (Transtorno do Espectro Autista), dentro da UAICA IV (Unidade de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes), em Campo Grande, escancarou o silêncio e a morosidade da rede de proteção frente a uma grave violação de direitos. Após quase duas semanas de silêncio institucional, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) confirmou nesta terça-feira (29) a abertura de um procedimento para apurar o caso e as condições do local onde o jovem estava acolhido.
Segundo nota oficial enviada ao O Estado, a 46ª Promotoria de Justiça instaurou a Notícia de Fato nº 01.2025.00007659-6, com o objetivo de verificar o atendimento médico e psicológico recebido pela vítima e investigar as condições de habitabilidade da UAICA IV, que abriga meninos de 12 a 18 anos incompletos.
A Promotoria solicitou apoio técnico da Daex (Secretaria de Apoio às Atividades de Execução) para vistoriar a unidade, avaliando possíveis riscos à integridade física e emocional das crianças e adolescentes acolhidos no local. Além disso, anunciou uma reunião conjunta com o CMDCA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), com representantes do poder público e da sociedade civil, no auditório da Procuradoria-Geral de Justiça.
Ainda de acordo com o MPMS, a área criminal também será acionada para investigar se houve ato infracional cometido por outros adolescentes acolhidos. O órgão afirmou que atua com “rigor, responsabilidade e celeridade” e reiterou seu compromisso com a proteção integral da infância e adolescência.
Relembre o caso
Conforme noticiado anteriormente pelo O Estado, o adolescente foi levado à UPA da Vila Almeida com sinais de violência no dia 14 de julho. Três dias depois, foi transferido ao Humap (Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian), onde segue internado sob sigilo. A denúncia inicial recebida pela reportagem indicava sinais de abuso sexual e falhas de supervisão dentro da UAICA IV.
A SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania), responsável pela gestão da unidade, declarou que “está apurando o ocorrido e adotando todas as medidas cabíveis em articulação com os órgãos competentes da rede de proteção”, mas alegou que, por se tratar de caso sob segredo de Justiça, não pode fornecer mais informações.
O Conselho Tutelar da região central informou que foi notificado pela SESAU (Secretaria Municipal de Saúde) sobre a suspeita de violência sexual e, após tomar ciência, encaminhou o caso ao Ministério Público. “A mantenedora da UAICA é a SAS, então outras informações talvez só com a própria Secretaria”, disse uma conselheira, sob reserva.
A SESAU, por sua vez, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Procurado novamente após a nota oficial do Ministério Público, o CMDCA de Campo Grande também não se manifestou até o fechamento desta edição. Já o Humap reforçou que, por tratar-se de adolescente em situação de violência, não pode divulgar dados sobre o estado de saúde, mas assegurou que está colaborando com os órgãos competentes.
Silêncio institucional
Desde que a suspeita de estupro veio à tona, a ausência de informações claras e a recusa de autoridades em prestar esclarecimentos têm causado indignação. O caso levanta questionamentos sobre os mecanismos de fiscalização das unidades de acolhimento, o preparo das equipes e a articulação entre os órgãos da rede de proteção.
Embora sob segredo de Justiça, a falta de transparência e de ações públicas imediatas agrava o sentimento de insegurança em relação à proteção de crianças e adolescentes sob tutela do Estado. O silêncio, em muitos momentos, parece servir mais à autopreservação institucional do que à busca por justiça e acolhimento às vítimas.
Dados preocupantes
O caso acontece num cenário já alarmante em Mato Grosso do Sul. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025, duas cidades do Estado figuram entre os 50 municípios brasileiros com as maiores taxas de estupro e estupro de vulnerável por 100 mil habitantes.
Dourados ocupa o 10º lugar nacional, com taxa de 90,9 estupros por 100 mil habitantes. Em 2023, estava em 5º lugar, o que representa uma leve redução (1,3%) nos casos registrados. Três Lagoas aparece na 36ª posição, com 67,9 casos por 100 mil habitantes. Campo Grande saiu do ranking em 2024, mas continua sendo alvo de denúncias frequentes de violência sexual infantojuvenil, principalmente em contextos institucionais.
Por Suelen Morales