Medida pioneira: especialistas estudam a erradicação da Leucena na Capital

Foto: Roberta Martins
Foto: Roberta Martins

A espécie está entre as 100 classes exóticas invasoras mais perigosas do mundo

Medida pioneira no país será discutida na Câmara Municipal de Campo Grande na próxima quarta-feira (4) em uma audiência pública. A intenção é elaborar o Plano de Erradicação e Substituição da planta exótica Leucena (Leucaena leucocephala). A espécie, que se espalhou de forma descontrolada pela cidade, é considerada uma ameaça ao equilíbrio ambiental e à biodiversidade local.

A discussão ocorre após a aprovação, por unanimidade, no último dia 13 de maio, do Projeto de Lei nº 11.615/25, de autoria do vereador Veterinário Francisco, que institui oficialmente o plano de combate à Leucena na capital sul-mato-grossense.

“É um trabalho praticamente pioneiro que nós vamos fazer. Então, é uma substituição gradativa e vamos ver como que poderá ser feito. Nós já temos algumas empresas, algumas ONGs que já fazem trabalho aqui na cidade. Então, não é nada que possa trazer um impacto no verde da cidade”, esclarece.

Segundo o vereador Veterinário Francisco, a Leucena é uma espécie exótica invasora, introduzida no Brasil nos anos 70 com o objetivo de servir como forrageira na alimentação de gado e para recuperação de áreas degradadas. Contudo, fugiu completamente do controle e passou a se alastrar, principalmente nas áreas de terrenos baldios.

“Ela foi introduzida para ajudar, mas virou uma praga urbana. A leucena cresce muito rápido, toma conta dos terrenos, dos fundos de vale, sufoca a vegetação nativa e prejudica a fauna. Hoje, se você andar por Campo Grande, vai perceber que em muitos lugares só tem leucena. E isso não é bom. Ela não traz benefício ecológico, não serve de alimento para aves, insetos ou outros animais nativos. Nosso projeto visa justamente devolver o espaço para as espécies do nosso cerrado e dos nossos fundos de vale”, explica.

A legislação estabelece, ainda, diretrizes para remover de forma gradativa a Leucena do território urbano, substituindo-a por espécies nativas que integram a vegetação típica do cerrado campo-grandense. A proposta não se limita à remoção das árvores, mas inclui ações educativas, mapeamento das áreas afetadas e cooperação entre poder público, entidades privadas e a comunidade. O projeto ainda prevê que a remoção e substituição da Leucena só poderão ser feitas mediante autorização do órgão municipal competente.

A nova lei também proíbe, em todo o território de Campo Grande, o plantio, comércio, transporte e produção da Leucena. Quem desrespeitar a medida poderá ser notificado e, em caso de reincidência, multado. De acordo com o parlamentar, a ideia é que em locais onde a Leucena ainda não representa risco imediato, ela possa ser monitorada. Já nas áreas críticas, o plano é executar a retirada e realizar o plantio de espécies adequadas.

Riscos e impactos ambientais

O biólogo José Milton Longo pontua que trata-se de uma planta de crescimento rápido e extremamente agressiva, que domina áreas inteiras, competindo com espécies nativas e sufocando a vegetação local. Segundo ele, a leucena está entre as 100 espécies exóticas invasoras mais perigosas do mundo, devido à sua capacidade de dominar ambientes rapidamente. “Ela compete com as plantas nativas, elimina por sombreamento ou toxicidade, libera compostos químicos que impedem que outras espécies cresçam ao redor. Isso desequilibra todo o ecossistema”, explica.

Longo também alerta que a planta contém uma substância chamada mimosina, que pode ser tóxica tanto para animais quanto para o solo. “Pode causar desde anemia até queda de pelos. No solo, ela impede a germinação de outras plantas, criando verdadeiros desertos verdes”.

Ele ressalta que, embora ainda seja recomendada pela Embrapa em determinadas situações, se não houver manejo constante, mesmo em áreas rurais a leucena se torna uma ameaça ambiental.

O vereador Veterinário Francisco reforça os danos ambientais causados pela Leucena. “Onde ela se estabelece, não nasce mais nada. Toda vegetação nativa morre sufocada, a fauna desaparece. Até as aves, como as araras e os tucanos, somem porque ela não oferece nenhum atrativo. Está transformando nossas áreas verdes em verdadeiros desertos verdes”, afirma.

O vereador também ressalta que a semente da leucena pode permanecer viável no solo por até 100 anos, o que dificulta ainda mais o controle. “É um trabalho de longo prazo. A gente não vai sair com caminhões de motosserra derrubando tudo, mas fazer um processo técnico, gradual, bem planejado, ouvindo os especialistas, ouvindo a comunidade”, garante.

Além dos impactos ambientais, a planta também tem trazido problemas urbanos. “Ela cresce desordenadamente, invade terrenos, redes elétricas e já provocou acidentes”, enfatiza o parlamentar.

Desafio a longo prazo

O biólogo José Milton é categórico: erradicar a Leucena de Campo Grande será um desafio gigantesco. “Ela está espalhada por todo o Brasil. O controle é possível, mas exige manejo constante, retirada periódica, substituição por espécies nativas e muita educação ambiental. É um trabalho que pode levar décadas”, afirma.

Apesar das dificuldades, o vereador Francisco acredita que é um passo necessário para preservar o futuro ambiental da cidade. “O que estamos fazendo é pensando nas próximas gerações. Não é só sobre hoje, é sobre proteger nosso ecossistema, nossas aves, nossas nascentes, nossa vegetação nativa”, finaliza.

Diante de um problema complexo, a audiência pública da próxima semana busca ouvir tanto os especialistas quanto a população para definir os próximos passos. “O objetivo não é simplesmente cortar, é construir uma solução que envolva todos, que seja sustentável, que preserve o meio ambiente para as futuras gerações. Vamos trabalhar com cuidado, gradativamente, para que Campo Grande tenha de volta seus fundos de vale e suas áreas verdes dominadas pelas espécies nativas”, finaliza o vereador Veterinário Francisco.

Moradores estão divididos

A proposta divide opiniões entre moradores de áreas mais afetadas. Duarte Vieira Fernandes, que mora na Vila Olinda, relata que já percebeu o impacto da leucena em sua vizinhança, especialmente próximo ao Córrego Cabaça, que deságua no Lago do Amor.

“É uma árvore que virou praga. A Semadur veio aqui no ano passado, fez uma poda radical, mas não voltaram para fazer o replantio de árvores maiores, que dariam sombra e ajudariam a controlar a leucena. Sem isso, ela volta a crescer rápido”, reclama.

Foto: Roberta Martins

Em contrapartida, o morador do Jardim Paulista, Manoel Antônio, não vê com bons olhos a retirada. “Essas árvores aqui fazem sombra, protegem a nascente. Uma vez tentaram tirar, mas elas cresceram de novo. E sem elas fica tudo muito aberto, perigoso até pras crianças que brincam por aqui. Se for pra tirar, tem que plantar outras antes, senão vai só piorar”, defende.

Marques Antônio da Silva, que mora na mesma região, concorda em parte com a opinião de Manoel. Ele apoia a retirada da Leucena com o plantio de outra espécie. “Aqui já tentaram fazer isso. Na época tiraram tudo, mas acabou nascendo de novo. Eu acho que esse plano não vai funcionar, além de ficar sem a área verde aqui. Caso eles cumpram com a palavra de plantar outras árvores no local, acho uma boa ideia. Mas, ficar vazio não é o certo”.

Podas urbanas

O debate sobre a leucena se soma a outro tema que frequentemente gera questionamentos na cidade, as podas de árvores. Recentemente, moradores da Vila Carvalho, próximo ao Parque Laucídio Coelho, se depararam com a retirada de uma figueira feita por uma equipe da Energisa, a pedido da Prefeitura.

Um funcionário da concessionária, que preferiu não se identificar, explicou que o serviço é realizado quando há risco para a rede elétrica, danos à estrutura urbana ou falta de calçadas. “Fazemos até a parte que está abaixo dos fios, por questão de segurança. Depois, a Prefeitura vem e conclui, às vezes até arrancando a raiz.”

A Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente) reforça que qualquer supressão de árvores, seja em via pública ou em terrenos privados, só pode ocorrer mediante laudo técnico de um Auditor Fiscal de Meio Ambiente nas hipóteses permitidas pela Lei, a exemplo de quando se constatar o estado fitossanitário comprometido e houver risco de queda. O município segue as diretrizes da Lei Complementar 184/2011 e do Decreto 11.971/2011, que definem critérios rigorosos para remoção, poda e compensação ambiental.

“O Auditor Fiscal de Meio Ambiente também poderá autorizar a supressão quando for indispensável para a realização de obras, mediante a adoção de medida compensatória (compensação ambiental), que visa compensar os serviços ecossistêmicos, ou seja, os benefícios ambientais, prestados pela árvore suprimida. O parâmetro de conversão da medida compensatória é o plantio de 30 mudas por árvore a ser suprimida”, explica.

A multa por corte não autorizado de árvores em Campo Grande pode chegar a R$ 11.645,84 por unidade, além da obrigação de replantio de outra árvore da espécie indicada pela Gerência de Arborização no mesmo local ou em local mais próximo possível. No caso de poda drástica, a penalidade pode ser de até R$ 2.687,50 por árvore. Em caso de reincidência, o infrator deve sofrer penalidades em dobro.

Por Inez Nazira

 

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