Ferrovia esquecida, futuro em disputa: sociedade pressiona pela reativação da Malha Oeste em MS

MALHA FERROVIÁRIA

Projeto é visto como chave para o desenvolvimento econômico, redução de mortes em rodovias e aplicação da Bioeconomia, ao apostar no modal mais sustentável

A Malha Oeste, ferrovia que moldou a história e a economia do Mato Grosso do Sul no século passado, está hoje reduzida a trilhos abandonados, estações depredadas e lembranças de um tempo em que o trem era sinônimo de progresso. Mas, ao mesmo tempo em que a concessão da linha com a iniciativa privada chega ao fim, cresce a mobilização de engenheiros, professores, pesquisadores e entidades da sociedade civil para que o Estado e a União encarem sua reativação como prioridade estratégica.

O professor e engenheiro Moacir lembra que a ferrovia, inaugurada em 1914 como Noroeste do Brasil, nasceu com viés geopolítico, após a Guerra do Paraguai, para garantir a ocupação do sul de Mato Grosso e a integração com Bolívia e Paraguai. “Na época não havia viabilidade econômica, mas estratégica. Foi a ferrovia que desenvolveu toda essa região. Hoje, diferente do passado, nós temos carga suficiente — minérios, madeira, proteína animal, soja, grãos — e uma rota de integração com a América do Sul. É uma oportunidade que não pode ser perdida”, afirma.

Entre a vida e a morte
Enquanto os trilhos enferrujam, a BR-262, principal ligação entre Corumbá e São Paulo, tornou-se símbolo da dependência exclusiva do modal rodoviário. O professor Cezar Maksoud é categórico: “A falta da ferrovia transformou a 262 em um cemitério de almas perdidas. Caminhões carregados de minério disputam espaço com veículos de passeio, resultando em mortes e mutilações. É uma questão de saúde pública”.

Segundo ele, não se trata apenas de economia, mas de vidas: “Cada acidente evitado significa menos gastos hospitalares, menos sofrimento para famílias e menos destruição da malha rodoviária”.

Uma conta que não fecha
Para o engenheiro Alexandre Luiz, os números falam por si. “Quando a ferrovia foi entregue à concessionária há 20 anos, a operação caiu para 10% do que poderia ser. Hoje, o transporte está 27 vezes maior, mas todo ele foi jogado nas artérias das estradas. É insustentável”, critica.

Ele destaca um dado que considera incontornável: o crédito de carbono. “Se a ferrovia tivesse continuado operando, nos últimos 20 anos seria como se tivéssemos replantado duas vezes uma cidade inteira como Bonito, com floresta nativa madura. Esse número é uma trombeta que fala sozinho. Não há argumento político, empresarial ou circunstancial que resista”.

Para Alexandre, esse cálculo se conecta diretamente ao conceito de bioeconomia, que valoriza serviços ecossistêmicos e busca integrar desenvolvimento econômico e equilíbrio ambiental. “Se olharmos pela ótica da bioeconomia, reativar a Malha Oeste é uma decisão estratégica. Cada tonelada de carga que sai do caminhão e vai para o trilho representa menos emissões, menos desgaste das rodovias e mais equilíbrio ambiental. Isso significa transformar o Mato Grosso do Sul em um Estado competitivo sem abrir mão da sustentabilidade”.

Cultura, turismo e identidade
A defesa da Malha Oeste vai além da logística. Ela é vista como patrimônio cultural, afetivo e turístico. “A ferrovia faz parte da nossa identidade. Não é saudosismo, é visão de futuro. Um trem turístico ligando o Pantanal, por exemplo, poderia fortalecer a economia criativa, gerar emprego em artesanato, culinária, música e teatro. É integração, é orgulho, é felicidade do povo”, diz Moacir.

O professor Cezar Maksoud reforça: “A Noroeste trouxe progresso indescritível ao sul do Estado e, com sua inatividade, traz prejuízos incalculáveis. Estamos falando de algo que impacta a vida de todos nós”.

Oportunidade política e econômica
Com a concessão chegando ao fim, a chamada “faixa de servidão” — o traçado já definido da ferrovia — é vista como vantagem estratégica, pois evita custos com desapropriações. Estima-se que a reconstrução demande cerca de R$ 12 bilhões, valor considerado viável em comparação a outras obras de infraestrutura no país.

“É pouco para a dimensão do benefício. Não se trata só de logística, mas de soberania, integração latino-americana e justiça histórica. A ferrovia pode transformar Mato Grosso do Sul em produtor, exportador, importador, industrializado e turístico”, afirma Alexandre Luiz.

O engenheiro Diogo Rodrigues lembra ainda que o traçado até Ponta Porã e Corumbá continua preservado: “Roubaram trilhos, dormentes e estruturas, mas a faixa está lá, pronta. Não há problema judicial. O que falta é vontade política e um start para reerguer a ferrovia”.

Pressão da sociedade civil
Rotary, OAB, Instituto Histórico e Geográfico, associações técnicas e entidades culturais têm se unido em torno da pauta. “Somos representantes da sociedade. Não estamos levantando bandeira contra A ou B, mas pedindo visão estratégica e altruísmo. A ferrovia não interessa a um grupo, mas a todos: engenharia, turismo, economia, saúde, cultura. É uma luta de todos”, resume Moacir.

A expectativa é de que o governo federal e o governo estadual firmem um consórcio para reconstruir a Malha Oeste. Audiências públicas já foram realizadas e o governador Eduardo Riedel sinalizou apoio à reativação. “O que precisamos agora é ação”, cobram os engenheiros.

Uma chance de futuro
Se para muitos a ferrovia é apenas uma lembrança, para os que defendem sua retomada ela representa um projeto de futuro. “Os Estados Unidos, a Europa, a Austrália insistiram em manter seus trens e colheram desenvolvimento. Por que nós, que temos o PIB do Estado crescendo acima do esperado, não podemos? A Malha Oeste é uma artéria vital. É hora de reerguer esse patrimônio e devolver dignidade, vida e oportunidades ao Mato Grosso do Sul”, conclui Alexandre Luiz.

Por Suelen Morales

 

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