“Não têm uma remuneração tão grande assim e vivem num perigo constante, não só de acidentes, mas também de falta segurança pública”, afirma o secretário da Setlog MS
A repactuação aprovada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) para a BR-163, além de sua solução morosa, com resolução prevista em 30 anos, e do susto que provoca na carteira dos motoristas pelo valor do pedágio, também impacta no campo empregatício. A baixa procura por profissionais na área do transporte terrestre é expressiva. Diante da falta de segurança e escassez de investimento na infraestrutura rodoviária, o Setlog MS (Sindicato das Empresas de Transporte e Logística de Mato Grosso do Sul) teme pela insegurança dos motoristas.
Em uma parceria entre o Sistema S e o Governo de Mato Grosso do Sul, uma ação voltada à qualificação de motoristas de caminhão e de ônibus visava capacitar mais de sete mil profissionais. No entanto, o número de inscrições não chegou nem à metade, queixa o secretário executivo da Setlog, Dorival de Oliveira.
“Mesmo sendo gratuito, é um documento caro para você obter, então você vê como não há tanto interesse assim para que pessoas venham até entrar nesse mercado”, argumenta.
A maioria dos motoristas nos dias atuais, de acordo com o secretário, são profissionais senis, que já atuam no ramo há anos. A dificuldade para contratação deve-se à periculosidade da profissão. A falta de segurança, a escassez de investimento na infraestrutura rodoviária e a remuneração, quando comparadas a esses fatores, desestimulam os candidatos.
“A gente percebe que os filhos, que são uma linhagem tradicional, que geralmente acompanham aquilo que os pais fazem, os próprios pais não querem que eles sejam motoristas de caminhão. Não têm uma remuneração tão grande assim e vivem num perigo constante, não só de acidentes, mas também como de segurança. A segurança pública em nossa rodovia é muito precária”, explica o secretário. “Motorista de caminhão, hoje, é um artigo de luxo e é um artigo que as empresas não estão conseguindo mais, nem através de suas próprias campanhas de formação, porque é uma profissão que não atrai mais o interesse”, acrescenta.
Acordo
A solução consensual é vista como um retrocesso para o sindicato, que pontua também o alto investimento que as empresas e motoristas fazem enquanto os gargalos da rodovia são sanados a longo prazo. Segundo o proposto pela nova repactuação, a BR-163 será duplicada em até 30 anos. Para Dorival, a tradução do acordo pode ser interpretada como uma manutenção de inseguranças e de gastos.
“Nós vamos ter acidentes com muita frequência. Aí, com os acidentes, vem a questão das indenizações. Outra coisa que ninguém está olhando também, quanto mais perigoso é uma rodovia, as empresas têm um custo de seguro mais alto”.
“Hoje, da forma que a rodovia está, essas obras propostas não resolvem. Vão fazer 200 quilômetros [de duplicação] numa rodovia de 800. Nós estamos falando aí de 20%. Isso não resolve nada. Onde você tem pista simples, você vai retornar a reduzir a velocidade”, protesta.
A repactuação aprovada pelo TCU inclui ao acordo original a duplicação de 203 km e três pontos de parada de descanso para caminhoneiros. A BR-163 possui extensão de 845,90 km, que deveria ser totalmente duplicada, conforme o contrato anterior, sob responsabilidade da CCR MS Via (Concessionária de Rodovia Sul-Mato-Grossense S.A.). A rodovia segue sob responsabilidade da concessionária, que duplicou pouco mais de 150 km. Segundo a CCR, em reportagens anteriores ao Jornal O Estado, confirmou que “licenciamentos ambientais atrasaram a duplicação de outros trechos”.
Devido às circunstâncias, Dorival Oliveira sublinha que Mato Grosso do Sul parece ser o “cotovelo do Brasil”. A falta de investimento e morosidade do processo, para o secretário da Setlog, só pode ser justificada com o baixo fluxo da região quando comparado com os de outras regiões.
“A dificuldade da duplicação das rodovias aqui da nossa região, que é uma região que tem pouca população e uma produção alta, mas de commodities, é o lucro. Nós não temos carga industrial aqui praticamente. Então, esse é basicamente o motivo que não desperta muito o interesse das concessionárias em fazer investimentos aqui na nossa região. Aqui, eles vão ter que fazer praticamente o mesmo investimento e vão ter uma passagem de fluxo muito menor, gerando, assim, um lucro menor”, explica, indignado.
A BR-163 não é a única rodovia carente por infraestrutura. Para o secretário, tanto a 163 quanto a BR-262, que interliga Mato Grosso do Sul com os estados do Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, são vistas como “duas artérias principais do estado” que enfrentam o mesmo dilema: a falta de investimento.
A solução, para Dorival, é transferir o domínio da rodovia ao governo. “A melhor alternativa que eu vejo é o governo do Estado. Puxar essa rodovia para o domínio do Estado e sair dessa questão de privatização. Os valores que a gente vê apresentados para duplicação de 20% dessa rodovia são suficientes para duplicar praticamente essa rodovia inteira, visto que já acontece nos estados vizinhos. A gente não entende muito esses números, de onde eles tiram esses valores astronômicos, porque a gente sabe que o custo de um quilômetro de rodovia é em torno de 5 milhões de reais”, exclama. De acordo com o relatório do TCU, a proposta define um volume de investimentos de R$ 9 bilhões para a BR-163.
Alternativa a médio prazo?
Transferir a responsabilidade da rodovia ao governo estadual como uma alternativa à repactuação, não é um caminho apontado apenas pelo Sindicato. Conforme demonstrado em outras matérias realizadas pelo O Estado, deputados, motoristas e transportadores avaliam com demérito a repactuação. O presidente do Conselho de Administração da concessionária Nova Rota do Oeste, Cidinho Santos, afirmou que, em maio de 2023, a concessão da BR-163 Mato Grosso foi transferida ao governo do Estado, uma medida que sanou os gargalos da rodovia.
“Nesse modelo, a dívida bancária, com o aporte do MTPar, recursos do governo de Mato Grosso, a gente quitou isso. Pagamos com menos de 50% do valor. Pudemos começar os investimentos iniciais. Investimento de restauração da rodovia e depois a duplicação em si”.
Sob outro ponto de vista, mas ainda em concordância, “a repactuação é frustrante”, enfatizou o deputado estadual Roberto Hashioka. “Temos uma questão de segurança e econômica na rodovia. Aguardar até 2054, provavelmente sem extensão e duplicação, é muito prejudicial”. Hashioka ainda concluiu a fala com o destaque de mais um acidente que ocorreu na rodovia semana passada. Na manhã de quinta-feira (19), a colisão frontal entre dois veículos matou duas pessoas e outras duas vítimas estão em estado grave. Esse foi o segundo acidente naquela semana. Conforme reiterado em outras matérias, a BR é afamada por ser a “rodovia da morte” e registrou quase 40 mortes somente no primeiro semestre deste ano.
Por Ana Cavalcante
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