[Texto: Suzi Jarde, Jornal O Estado de MS]
Para a presidente do Sindicato dos Bancários, um dos grandes desafios é conservar todos direitos conquistados ao longo dos anos
Bancária desde 1983, quando entrou no Bradesco, Neide Maria Rodrigues foi eleita com 98% dos votos para a presidência do Sindicato dos Bancários na última eleição para a categoria. Com vasta experiência e pensando na próxima renovação, em setembro, a gestora recorda alguns dos desafios que ela precisou encarar, sendo a primeira mulher a estar à frente de um dos maiores sindicatos de Mato Grosso do Sul, pelo segundo mandato consecutivo.
“Primeiro que você tem que provar duas vezes mais que veio para somar e não para dividir. E esse foi o meu desafio para ocupar a presidência: de fazer com que as pessoas entendessem que nós somos trabalhadores e trabalhadoras e precisamos construir juntos um processo coletivo”, garante Neide.
O Sindicato dos Bancários de Campo Grande e Região é uma das entidades sindicais mais antigas do estado, representando cerca de 2 mil trabalhadores na Capital e nos 27 municípios. “Os bancários têm enfrentado uma série de problemas, mas uma grande preocupação é com a sobrecarga de trabalho, porque há poucos trabalhadores hoje nas unidades bancárias. E esse é um grande desafio na luta sindical, porque essa sobrecarga aliada a pressão para o cumprimento de metas tem levado muitos ao adoecimento”, explica.
Há 30 anos defendendo as pautas sindicais, Neide já compôs a diretoria da CUT/MS, da Associação dos Moradores do Bairro Arnaldo Figueiredo e do Conselho Estadual de Saúde. Atualmente, também é Secretária do Fetec-Cut/CN (Bancos Privados da Federação dos Trabalhadores em Empresas de Crédito do Centro Norte) e faz parte do Comando Nacional dos Bancários – grupo que negocia a Convenção Coletiva de Trabalho da categoria com a Federação dos Bancos.
Desde 1992, a categoria bancária tem a Convenção Coletiva de Trabalho, que garante salários, direitos e benefícios iguais para os trabalhadores das instituições financeiras no Brasil. Isso proporciona maior igualdade de direitos e proteção aos trabalhadores, independentemente de sua localização geográfica.
“O grande desafio que vamos ter este ano é conseguir renovar nossa Convenção Coletiva de Trabalho garantindo todos os direitos que foram conquistados ao longo dos anos e também, como prioridade, conseguir um bom reajuste para os trabalhadores acima da inflação”, finaliza.
O Estado: Podemos dizer que a categoria bancária é igualitária, sendo que as mulheres ocupam 48,8% do total de postos de trabalho. Como é a sua experiência de ser mulher e liderar uma entidade sindical, enfrentando os desafios e contribuindo para as lutas do movimento sindical?
Neide: Quando eu vim para o sindicato, eram muitos homens, era um ambiente muito masculino. E para chegar à presidência, sou a primeira mulher no estado a ocupar um mandato pela segunda vez, não foi fácil. Primeiro que você tem que provar duas vezes mais que veio para somar e não para dividir. E esse foi o meu desafio para ocupar a presidência: de fazer com que as pessoas entendessem que nós somos trabalhadores e trabalhadoras e precisamos construir juntos um processo coletivo.
Hoje tenho respeito da diretoria e de toda a categoria, tanto que, na última eleição, não houve disputa, e o sindicato tem uma tradição de ter eleição com disputa acirrada, e a minha recondução foi com 98% de aprovação. Não é pouca coisa conseguir conquistar esse espaço e dirigir um dos maiores e mais antigos sindicatos de MS com mais de 2 mil trabalhadores.
Além disso, estando à frente da instituição, posso dar voz às preocupações que permeiam as mulheres, destacando questões como disparidades salariais de gênero, assédio no local de trabalho, licença-maternidade e acesso a oportunidades de progressão na carreira – já que temos quase 50% de mulheres na categoria bancária, mas poucas bancárias em cargos de gerência dentro dos bancos.
Essa última é uma pauta que a gente tem travado não só na categoria bancária, mas em outros segmentos da sociedade: a importância da mulher estar ocupando seu espaço. Seja esse espaço no cenário político, no cenário de discussões de organização da sua categoria.
O Estado: Quais os principais problemas que os bancários enfrentam hoje?
Neide: Os bancários têm enfrentado uma série de problemas, mas uma grande preocupação é com a sobrecarga de trabalho, porque há poucos trabalhadores hoje nas unidades bancárias. E esse é um grande desafio na luta sindical, porque essa sobrecarga aliada a pressão para o cumprimento de metas tem levado muitos ao adoecimento. Temos um percentual de trabalhadores com adoecimento mental na categoria muito acima da média de qualquer outra categoria.
Os afastamentos por doenças mentais e comportamentais dos trabalhadores dos bancos representam 24% dos casos no país, embora a categoria corresponda a 1% da força de trabalho. E nos últimos cinco anos, os afastamentos cresceram 26,2%. Antes a doença que afetava esses trabalhadores era nos braços e membros superiores. Hoje passa a ser o adoecimento mental, como a síndrome do pânico. Então o papel do sindicato hoje é orientar e fazer com que esses trabalhadores procurem atendimento médico.
Também existe a questão da segurança no local de trabalho, os bancos estão retirando os vigilantes e as portas giratórias e, assim, deixando as unidades bancárias vulneráveis. Os bancos justificam esta medida com o argumento de que algumas unidades não operam com numerário. No entanto, esta medida coloca em risco a segurança dos clientes e dos funcionários.
Há ainda a incerteza sobre o futuro do trabalho por conta da tecnologia e da digitalização, que estão transformando rapidamente o setor bancário. Os bancos aderiram fortemente à inteligência artificial e estão usando cada vez mais a tecnologia. Mas, enquanto as instituições financeiras usam a tecnologia para prestar diversos tipos de serviços, isso tem provocado uma onda de demissões de bancários, redução no número de agências e cada vez menos atendimento na boca do caixa.
O Estado: Neste ano, os bancários têm negociações salariais. Qual a expectativa de vocês?
Neide: O grande desafio que vamos ter este ano é conseguir renovar nossa Convenção Coletiva de Trabalho garantindo todos os direitos que foram conquistados ao longo dos anos e também, como prioridade, conseguir um bom reajuste para os trabalhadores acima da inflação. A negociação com os banqueiros é sempre difícil, porque quem manda nesse país é o sistema financeiro, mas por sermos uma categoria bem organizada, sabemos que há possibilidade de avançar.
A data-base da categoria é no mês de setembro. Com a reforma trabalhista, não há mais ultratividade, o que garantia a manutenção dos direitos enquanto as negociações estavam em andamento. Se nós não conseguirmos avançar até a data-base, corremos o risco de perder tudo aquilo que conquistamos. Por isso, é tão desafiador a negociação para renovação da nossa convenção coletiva.
E vamos atuar para garantir todas as cláusulas da nossa convenção, defendendo o emprego, contra o fechamento de agências, pela segurança, pela saúde e pela igualdade de oportunidades. Buscar também garantias de estabilidade no emprego e proteção contra demissões em massa.
O nosso desafio no sindicato é que esse trabalhador tenha mais respeito, mais qualidade de vida e que não tenha sobre ele a pressão que está tendo hoje de vendas.
O Estado: As negociações dos bancários são observadas de perto pela sociedade em geral, como vocês avaliam esse comportamento dentro e fora da categoria?
Neide: A maioria das categorias hoje se baseia muito na nossa organização e negociação. As negociações dos bancários muitas vezes estabelecem padrões para outras categorias profissionais e, assim, podem influenciar as negociações em outros setores. Porque aquilo que a categoria bancária consegue conquistar, muitas das vezes, serve para que outras categorias venham reivindicar o mesmo patamar.
A categoria bancária é organizada nacionalmente, o que garante salários, direitos e benefícios iguais para os trabalhadores das instituições financeiras no país inteiro. O sucesso nas negociações dos bancários pode fortalecer o movimento sindical como um todo, fornecendo um exemplo inspirador de solidariedade e capacidade de mobilização. Ao alcançar ganhos significativos por meio de negociações coletivas, os bancários demonstram a importância da união e da solidariedade entre as diversas categorias trabalhistas.
O Estado: E quais foram as principais conquistas da categoria até agora?
Neide: Ao longo desses anos, nós fomos construindo avanços e conquistas, como o auxílio refeição, auxílio cesta alimentação, 13ª cesta alimentação, auxílio creche/babá, licença-maternidade de 180 meses, licença paternidade de 20 dias, igualdade de direitos para casais homoafetivos, instrumento de combate ao assédio moral, entre muitas outras. Os bancários foram a primeira categoria a conquistar a PLR (Participação nos Lucros e Resultados) em 1995. A PLR dos bancários é determinada pelo lucro anual do banco. E essa PLR da categoria injetará por volta de R$ 7,8 bilhões até março de 2024 – movimentando a economia de todo país.
Temos ainda avanço na proteção da mulher vítima de violência doméstica, em que os bancos criaram um canal que protege essas mulheres. Essa bancária vítima de violência pode ter o apoio do banco no sentido de transferência para outra unidade bancária ou afastamento para ficar em home office. Então, o banco agora vai ter esse cuidado com essas trabalhadoras que foi um avanço que conseguimos na última negociação.
A carga horária diária de 6 horas é uma outra conquista. Temos garantido ainda que os bancários trabalhem de segunda a sexta-feira, porque os bancos têm insistindo na abertura aos finais de semana. A intenção dos bancos é por funcionário para vender produtos, quanto mais eles vendem mais as instituições financeiras lucram. O atendimento aos clientes e a população em geral é a última opção para banqueiros – eles querem jogar todo mundo para o sistema online que é muito mais fácil do que colocar trabalhadores para atender o público.
O Estado: Qual seria o número ideal de trabalhadores para atender nos bancos?
Neide: Isso varia de banco para banco, temos os bancos públicos e os da rede privada. O importante é que tivesse um número adequado de pessoas para orientação no autoatendimento, que desse uma proteção para os clientes que não têm o conhecimento do sistema e que, muitas vezes, correm o risco de ser assaltada dentro das agências bancárias, por pessoas oportunistas que estão ali para aplicar algum golpe, e não são funcionários da rede bancária. A responsabilidade, estando dentro da agência bancária, é do banco. Isso muita gente desconhece.
A outra questão é sobre o tempo de 15 minutos de duração na fila, que deveria ser respeitado e as pessoas ficam mais de duas horas. Por que? Porque os trabalhadores hoje estão mais voltados para fazer visitas externas, onde realizam captações, vendas e aplicações, que é uma exigência dos bancos. Ao invés do funcionário ficar dentro da agência atendendo o cliente, e respeitando os 15 minutos por lei. A maioria das agências estão com a necessidade de mais de 20% em números de funcionários.
O Estado: A cobrança do imposto sindical voltou à pauta – ela foi extinta com a Reforma Trabalhista. Qual a importância desta cobrança para o sindicalismo?
Neide: A cobrança do imposto sindical é fundamental para a sobrevivência da organização dos trabalhadores, garantindo recursos financeiros para que os sindicatos possam cumprir seu papel de representar e defender os interesses dos trabalhadores de forma independente e eficaz.
Na categoria bancária, nós conseguimos incluir na nossa pauta de reivindicação um acordo com a Fenaban (Federação Nacional dos Bancos) para que tivéssemos uma taxa negocial. Então, isso deu para as entidades sindicais que representam os bancários uma sobrevida, afinal, só se faz uma boa negociação salarial quando há recursos. Com a extinção do imposto sindical, alguns sindicatos, por exemplo, enfrentaram dificuldades financeiras e até mesmo fecharam suas portas e demitiram funcionários porque não tinham o financiamento para luta sindical. A maioria dos trabalhadores, por exemplo, não contribui mensalmente para um sindicato, porque não é filiado/associado.
Se não tem financiamento para a luta, não tem como se organizar, e se você não tem como se organizar, tem perda da capacidade de negociação dos trabalhadores. Isso deixa os trabalhadores sem uma instituição que os defenda e fiscalize se todos os seus direitos estão sendo cumpridos. Por isso, é tão importante o sindicato e o retorno do imposto sindical.
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