Enquanto governo anuncia busca ativa, famílias seguem sem receber o cartão do Mais Social

Durante reportagem várias pessoas relataram denúncias sobre o programa - Foto: Redes Sociais / Montagem: Allan Gabriel
Durante reportagem várias pessoas relataram denúncias sobre o programa - Foto: Redes Sociais / Montagem: Allan Gabriel

Anúncio de capacitação para ampliar inclusão social contrasta com relatos de famílias que aguardam benefício há anos

Descrença e desilusão são palavras que definem a longa espera de famílias de baixa renda em Mato Grosso do Sul. Diversas mães vieram procurar a reportagem para expressar o descontentamento com a situação, visto que muitas relataram que se cadastraram no benefício, mas não receberam o retorno sobre o cartão há dois anos.

No Estado, onde mais de 19,3% da população vive abaixo da linha da pobreza — segundo o Banco Mundial —, o programa Mais Social foi criado em 2021 como uma política pública para auxiliar famílias em situação de vulnerabilidade. Com um cartão no valor de R$450, destinado exclusivamente à compra de alimentos e itens de higiene e limpeza, o programa prometia aliviar a pobreza extrema que atinge milhares de lares. No entanto, para muitas famílias, o benefício ainda é uma promessa distante, com esperas que se estendem por anos.

Yanka Santa Cruz de Melo, 28 anos, moradora do bairro Serra Azul, em Campo Grande, é uma das milhares de mulheres que aguardam o cartão do Mais Social. Mãe de três filhos, ela sobrevive com 500 reais mensais, ganhos como babá. Yanka fez o cadastro em março de 2023 e recebeu a visita dos técnicos do programa em abril do mesmo ano. Na ocasião, foi informada de que em 90 dias receberia o cartão. Passados quase dois anos, ela ainda espera. “Eles disseram que iam me ligar, mas nunca mais tive notícias”, relata.

Em contrapartida, a SEAD (Secretaria de Estado de Assistência Social e dos Direitos Humanos) afirma que não há cartões pendentes de entrega. Em resposta à reportagem, a pasta declarou: “Quando o cartão chega na sede, entramos em contato com o beneficiário para que possa retirá-lo pessoalmente”. No entanto, os relatos das famílias contradizem essa informação.

Uma fonte que preferiu não se identificar relatou ao jornal O Estado Online que, ao perguntar para um coordenador do programa sobre o benefício e relatar que estava há dois anos sem um parecer, recebeu a seguinte resposta por um canal de atendimento de um aplicativo de mensagens:

“É isso mesmo, tá? Não tem nada de extraordinário aí. Na sua mesma condição tem mais de 10 mil pessoas. Eu já fiz visitas em setembro de 2022 e o cartão não chegou até hoje. Depende do Governo, então você ir lá na sede ou ligar não vai resolver nada.”

Vitória Alves Ramiro, 23 anos, moradora do Jardim Noroeste, vive situação semelhante. Com três filhos, ela fez o cadastro por telefone e recebeu a visita de uma técnica do programa, que não saiu do carro durante a abordagem. “Ela só perguntou os nomes e idades de todos da casa e disse que em três meses eu receberia o cartão. Não tive mais retorno depois da visita”, conta.

Governo prioriza novos cadastros

Enquanto milhares de famílias esperam há anos para receber o benefício, o Governo anunciou, na última quarta-feira (26), uma capacitação de servidores estaduais para fortalecer a busca ativa de famílias em extrema pobreza. Segundo a SEAD, o treinamento servirá para melhorar a identificação das famílias mais vulneráveis e ampliar a inclusão no Mais Social.

Secretária da Sead, Patrícia Elias Cozzolino, em coletiva. Foto: Marcos Maluf

A iniciativa prevê que, a partir de 17 de março, servidores comecem visitas para alcançar as 17,6 mil famílias que não recebem apoio social do Estado. Durante o evento, a secretária de Assistência Social e Direitos Humanos, Patrícia Elias Cozzolino, declarou:

“O objetivo é que a pessoa atendida pelo programa Mais Social seja aquela que está em situação verdadeira de vulnerabilidade, porque esse é um programa de segurança alimentar. Ao final dessa inclusão, nós poderemos afirmar que o Estado de Mato Grosso do Sul não terá ninguém na extrema pobreza.”

A fala contrapõe diretamente com a realidade de quem já se cadastrou e ainda não recebeu o benefício. Segundo a SEAD, atualmente 38.489 famílias são atendidas pelo Mais Social.

Em entrevista, a secretária negou que existam cartões pendentes e afirmou que algumas famílias acreditam estar esperando o benefício sem terem sido efetivamente aprovadas. “O que acontece é que a pessoa acha que porque se inscreveu já está esperando o cartão, e não é assim”, afirmou.

No entanto, relatos como o de Jacqueline do Nascimento Pereira, 37 anos, desmentem essa versão. Desempregada na época do cadastro, ela foi informada durante a visita que havia sido aprovada, mas nunca recebeu o cartão. “Sempre ligo lá, mas dizem que não tem cartão novo. Fui até a sede, mas me disseram que não sou a única. Tem muita gente esperando”, relata.

Para muitas pessoas, o cartão do Mais Social é a única esperança de acesso a alimentos e outros itens essenciais. A demora na entrega do benefício agrava a situação de vulnerabilidade, especialmente para mulheres chefes de família, que representam a maioria dos cadastrados no programa.

Por enquanto, as entrevistadas relatam não ter esperanças e que não acreditam mais em promessas. Yanka é uma delas. “Se Deus quiser eu vou receber esse cartão […] mas só vou acreditar mesmo quando a sede me ligar e falar para eu ir até lá e buscar esse cartão. Ao contrário disso não vou acreditar mais não”, relata indignada.

Apesar de o governo negar atraso na entrega de cartões, a busca ativa pode ser uma alternativa para encontrar essas famílias em vulnerabilidade e finalmente conseguir atendê-las sem espera de anos. Contudo, isso não é uma garantia de que o problema será solucionado, e enquanto isso a realidade de muitas pessoas é a mesa vazia e dificuldades para manter a casa.

Por Biel Gill e Kadu Bastos

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