Seis crimes em 24 dias expõem necessidades de maior rigor nas punições
No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, celebrado neste 25 de novembro para denunciar agressões e cobrar políticas públicas em todo o mundo, Mato Grosso do Sul registra um dado que expõe a gravidade da situação no Estado. Em 24 dias, novembro de 2025 já concentra seis feminicídios, o maior número mensal desde 2015, quando esse tipo de crime passou a integrar o Código Penal brasileiro. No mesmo período de 2024, foram três casos.
A tipificação do feminicídio em 2015, com a entrada em vigor da Lei 13.104, marcou o início da série histórica de mortes de mulheres motivadas por violência de gênero no País. Oito anos depois, em outubro de 2024, a Lei 14.994 transformou o feminicídio em crime autônomo, desvinculado do homicídio qualificado, o que permitiu maior detalhamento estatístico e a ampliação de mecanismos de prevenção.
Mesmo com as mudanças legislativas, os registros em Mato Grosso do Sul seguem em patamar elevado. Desde 2015, o Estado contabiliza 352 feminicídios, sendo 81 somente em Campo Grande. O primeiro ano da série teve 17 mortes. O pior até agora foi 2022, com 44 vítimas, seguido de 2020, com 40. Em 2025, até o dia 24 de novembro, são 37 feminicídios, número que já supera o total de 2024, quando 35 mulheres foram mortas em razão do gênero.
Novembro: seis mortes em menos de um mês
A mais recente vítima é Alliene Nunes Barbosa, 50 anos, ex-guarda municipal, assassinada a facadas em Dourados na noite de domingo (23). O suspeito é o venezuelano Cristian Alexander Cabeza Henriquez, 44 anos, que usava tornozeleira eletrônica e já havia sido alvo de pedido de medida protetiva no início do mês.
Segundo o boletim de ocorrência, o crime aconteceu por volta das 23h20, na residência da vítima, na Rua Romeu Martins de Almeida, região central de Dourados. O filho de Alliene, um menino de 9 anos, ficou trancado dentro da casa por aproximadamente 40 minutos, até conseguir pular o muro e pedir ajuda a um vizinho, que acionou a Polícia Militar.
Quando os policiais chegaram, o morador relatou que a criança apareceu chorando, dizendo que o padrasto havia matado a mãe. A equipe foi até o imóvel e precisou arrombar o portão. Alliene já estava morta com várias perfurações pelo corpo. O Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e o Corpo de Bombeiros foram acionados e constataram cerca de 23 facadas.
O menino foi encaminhado ao Conselho Tutelar. Em seguida, policiais iniciaram buscas pelo suspeito, que foi localizado na casa da mãe, na região da Vila Industrial. Cristian confessou ter matado a ex-esposa e foi encaminhado à Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) de Dourados. Ele usava tornozeleira eletrônica e, conforme o registro policial, Alliene havia solicitado medida protetiva contra ele no começo de novembro.
Entre as demais vítimas de novembro está Aline Silva, 26 anos, morta a facadas no dia 4, no Bairro Santa Tereza, em Jardim, a 236 quilômetros de Campo Grande. Aline estava em casa quando um homem de cerca de 55 anos chegou chamando por ela no portão e a atacou em seguida. De acordo com uma prima de 26 anos, que pediu para não ser identificada, a jovem se relacionou por dois anos com o suspeito, que não aceitava o fim do relacionamento.
Na mesma noite, em Aparecida do Taboado, Mara Aparecida do Nascimento Gonçalves, 43 anos, foi morta com um golpe de faca no pescoço. O filho da vítima foi preso, suspeito de cometer o crime. Segundo familiares, episódios de violência eram constantes. “Vivia agredindo-a”, relatou o irmão de Mara e tio do suspeito, em depoimento à polícia.
O mês também foi marcado pela ocorrência registrada em Rochedo, quando três membros da mesma família morreram após serem esfaqueados e queimados dentro de casa. As vítimas, Rosimeire Vieira de Oliveira, 37 anos, a mãe dela, Irailde Vieira Flores de Oliveira, 83, e um adolescente de 14 anos, apresentavam ferimentos no pescoço e no tórax e vestígios de fuligem na traqueia, o que indica que ainda respiravam quando o incêndio começou. O ex-namorado de Rosimeire, Higor Thiago Santana de Almeida, 31 anos, preso em flagrante, é apontado como autor. Segundo a Polícia Civil, o crime foi motivado pelo término do relacionamento.
Em Sonora, na noite de 17 de novembro, Gabrielle Oliveira dos Santos, 25 anos, foi morta enforcada pelo companheiro, Diovani Alfredo Dique de Oliveira, 31 anos. Antes de se entregar à polícia, ele telefonou para a mãe da vítima, informando que tinha matado Gabrielle por ciúmes e indicando o local onde o corpo estava.
Campanha “21 Dias de Ativismo” destaca avanço da violência digital contra mulheres
A campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Mulheres”, coordenada pela ONU Mulheres, tem neste ano o tema “Una-se para Acabar com a Violência Digital contra Todas as Mulheres e Meninas”. A iniciativa chama a atenção para formas de agressão facilitadas por tecnologias digitais, como assédio online, divulgação não consentida de imagens íntimas, perseguição em redes sociais, ameaças virtuais e uso de conteúdos manipulados por inteligência artificial.
De acordo com dados citados pela ONU Mulheres, entre 90% e 95% dos deepfakes disponíveis na internet são conteúdos pornográficos não consensuais, e cerca de 99% das pessoas retratadas nessas imagens são mulheres. A estimativa é de que 38% das mulheres no mundo já tenham sofrido algum tipo de violência online, enquanto 85% afirmam ter presenciado ataques digitais contra outras pessoas.
A campanha defende a adoção de leis específicas para criminalizar a violência digital, a responsabilização de plataformas e empresas de tecnologia pela remoção de conteúdos abusivos e a transparência na divulgação de dados sobre moderação e segurança. Governos, organizações e empresas são chamados a investir em proteção de dados, educação digital e apoio a vítimas.
No Brasil, a mobilização começa em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, para evidenciar o impacto agravado da violência sobre mulheres negras. No cenário internacional, a iniciativa é conhecida como “16 Dias de Ativismo”, com ações entre 25 de novembro e 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
OMS: violência contra mulheres é generalizada nas Américas
Novas estimativas divulgadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e por agências das Nações Unidas apontam que uma em cada três mulheres com 15 anos ou mais já sofreu violência física ou sexual em algum momento da vida na região das Américas. A violência praticada por parceiro íntimo é a forma mais comum. Uma em cada quatro mulheres entre 15 e 49 anos relata agressão física ou sexual do companheiro, e uma em cada oito já vivenciou violência sexual cometida por outra pessoa.
Os dados indicam que adolescentes e jovens entram precocemente nas estatísticas: cerca de 21% das meninas entre 15 e 19 anos sofreram violência por parte de parceiros antes de completar 20 anos. Entre mulheres com 65 anos ou mais, aproximadamente 23% relatam esse tipo de violência.
Segundo a OMS e a OPAS (Organização Pan-Americana da Saúde), apesar de avanços em legislação e políticas nacionais, as taxas de prevalência da violência por parceiro íntimo praticamente não diminuíram nas últimas duas décadas. A violência tem impacto direto na saúde física e mental das mulheres, está associada a lesões, infecções sexualmente transmissíveis, gestações não planejadas, depressão e, em casos extremos, ao feminicídio.
O relatório “Violence against women prevalence estimates, 2023” foi elaborado com dados de 168 países e territórios, incluindo 29 nas Américas, e será utilizado como base para a formulação de políticas públicas e estratégias de prevenção e atenção às vítimas.
Por Suelen Morales