Ministra visita MS, reforça discurso sobre modernização, mas falhas no atendimento expõem urgência de mudanças
A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, esteve ontem (18) em Campo Grande (MS) para discutir melhorias na rede de atendimento às mulheres em situação de violência. A visita ocorreu após o feminicídio da jornalista Vanessa Ricarte, no dia 13, um caso que expôs falhas no acolhimento prestado pela DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), localizada dentro da CMB (Casa da Mulher Brasileira).
Apesar do discurso voltado para a modernização do sistema e a necessidade de desburocratização, o crime evidenciou falhas humanas no atendimento da Deam. Em áudios vazados, Vanessa relata que a orientação recebida na delegacia foi fria e sem informações necessárias para sua proteção. Além disso, foi instruída a avisar seu agressor e futuro assassino de que estava retornando para casa, sem o respaldo de escolta da Lei Maria da Penha.
Reunião com o Governo do Estado
Cida Gonçalves se reuniu com o governador Eduardo Riedel para pactuar medidas emergenciais e estruturar ações de aprimoramento no atendimento da Casa da Mulher Brasileira. Entre as principais iniciativas está a gestão compartilhada da unidade entre estado e município, que atualmente é responsabilidade exclusiva da Prefeitura de Campo Grande.
Também foram discutidas a informatização do sistema da Deam, a implementação de gravações nos atendimentos e a qualificação da equipe. Outra medida anunciada foi a implementação do sistema UNA Casa da Mulher Brasileira, desenvolvido em parceria com a Dataprev, para padronizar e estruturar os dados dos atendimentos em nível nacional. A fase inicial de testes começará em março na unidade de Campo Grande, após implantação em Teresina (PI) e São Luís (MA).
O governador Riedel reconheceu as falhas e enfatizou que é necessário aprimorar processos. “Falhamos enquanto estado, diversas instituições falharam. Não é a questão de uma pessoa específica, mas de um processo. Estamos discutindo melhorias, desde a gestão da casa até o acolhimento das vítimas”, afirmou.
Mudanças nos protocolos e investigação
O governo estadual determinou a revisão dos protocolos de atendimento às vítimas de violência e a apuração do atendimento prestado a Vanessa Ricarte. “Isso tem que ser investigado. Não podemos, de maneira prematura, acusar qualquer um ou qualquer uma. Seria uma leviandade. Mas vamos olhar com lupa esses processos e investir o que for necessário para garantir a proteção das mulheres”, disse Riedel.
A ministra Cida Gonçalves reforçou a necessidade de um atendimento mais eficiente e humanizado. “Não podemos apontar apenas uma falha ou uma instituição. As falhas são do sistema como um todo. Precisamos garantir que os serviços conversem entre si, que haja um atendimento integrado e humanizado, onde as mulheres possam confiar que serão protegidas”, declarou.
A partir dessa mobilização, o estado do Mato Grosso do Sul também assinará o ACT (Acordo de Cooperação Técnica) do Ligue 180 para encaminhamento mais ágil de denúncias. A intenção, segundo a ministra, é evitar que novas tragédias como a de Vanessa aconteçam. “Acreditem nesse serviço, não desistam. Estamos aqui para melhorar, porque ele é um serviço de qualidade e deve salvar vidas”, concluiu.
Também participaram da reunião, da parte do governo do estado, o vice-governador, José Carlos Barbosa, a secretária de Estado de Cidadania, Viviane Luiza da Silva, e a subsecretária estadual de Políticas para Mulheres, Manuela Nicodemos Bailosa. Pelo Ministério das Mulheres, a diretora de Proteção de Direitos, Pagu Rodrigues, a Ouvidora, Graziele Carra Dias, a chefe de gabinete da ministra, Katia Guimarães, e o coordenador-geral de Infraestrutura para Políticas Públicas, Marcelo Pontes.
TJMS anuncia construção do Fórum da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) anunciou nesta segunda-feira (17) o início dos trâmites administrativos para a construção do novo Fórum da Mulher, Criança, Adolescente e Idoso. O presidente do TJMS, desembargador Dorival Renato Pavan, confirmou que o edital de licitação seria publicado ontem, no Diário da Justiça.
O novo fórum será construído em um terreno de 5.440 m² no Jardim Imá, nos fundos da Casa da Mulher Brasileira, em Campo Grande. O projeto prevê uma área edificada de 1.504 m² e a instalação de seis varas judiciais especializadas no atendimento a mulheres, crianças, adolescentes e idosos vítimas de violência. A iniciativa busca reforçar o compromisso do Judiciário com a proteção e acolhimento humanizado desses grupos vulneráveis.
A previsão é que o fórum esteja concluído até o final de 2026, suprindo uma demanda crítica do sistema judiciário sul-mato-grossense. Atualmente, os serviços judiciais dessas especialidades funcionam dentro da Casa da Mulher Brasileira, que abriga a 3ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ocupando apenas 261,6 m².
Novas medidas para o combate à violência
No dia 14 de fevereiro, o desembargador Dorival Pavan anunciou a proposta de instalação da 4ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Campo Grande, visando combater o aumento dos casos de violência de gênero. A expectativa é que a proposta seja aprovada na próxima sessão do Órgão Especial do TJMS, marcada para esta quarta-feira (19).
Na terça-feira (18), uma nova rodada de debates com representantes do TJMS e a comitiva do Ministério das Mulheres, que se encontra em Campo Grande discutiu as políticas de atendimento e proteção às vítimas de violência.
Batalhão Maria da Penha
Deputados e deputadas estaduais se reuniram ontem (18), na ALEMS (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul), com representantes dos demais Poderes para discutir novas medidas de combate à violência contra a mulher. O presidente da ALEMS, deputado Gerson Claro (PP) relembrou que as políticas públicas e que as polícias de Mato Grosso do Sul são das melhores do país, mas que é preciso entender o porquê de a sociedade conviver com esse tipo de crime e que são sim necessárias ações mais rápidas.
“Em 2024, foram 20 mil boletins de ocorrência. Somente agora em 2025 já registraram 1.300 boletins de violência doméstica. Em 2024 foram 5 mil medidas protetivas. Vai ser criado o Batalhão Maria da Penha, vai ter a mudança de protocolo de que não é a vítima quem decide que será acompanhada ou não. A polícia vai te levar em casa. O foco no nosso trabalho é ouvir a sociedade, estabelecer um plano de trabalho com responsabilidade, com a construção de todos os deputados e o esforço de todas as instituições, para que possamos melhorar a cada dia”, ressaltou.
A reunião, que foi fechada à imprensa, foi realizada a pedido da Comissão Permanente de Segurança Pública e Defesa Social, que é presidida pelo deputado Coronel David (PL), quem já comandou a Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. “ É importante deixar claro que o Mato Grosso do Sul já é um dos estados que estabeleceu várias condições para que a vítima possa procurar os órgãos e fazer a denúncia, mas é importante que a gente aperfeiçoe para evitar que novos casos como esse possam acontecer novamente. É triste, mas mesmo com todo esse sofrimento, que a Vanessa possa ser símbolo da mudança de conduta”, resumiu Coronel David.
A Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher e Combate à Violência Doméstica e Familiar da ALEMS também estará à frente desse processo. Paulo Duarte (PSB), que faz parte desta comissão, disse à imprensa que mais do que melhorias em protocolos, é necessário a mudança social da sociedade patriarcal, em que homens machistas se sentem no direito do domínio sobre às mulheres. “A começar pelos políticos, que não dão bons exemplos. Outra coisa é a briga ideológica. Ficamos sabendo que há escolas que recusam palestras sobre empoderamento feminino e combate ao machismo alegando que isso é coisa de comunista. Isso tem que mudar”, ressaltou.
Pedro Kemp (PT) também conversou com a imprensa ao final da reunião e contou alguns apontamentos. “Uma delas é o anuncia da criação da Vara da Mulher, pois uma juíza disse que tem 7 mil processos em sua mão, o que é humanamente impossível somente uma pessoa dar conta disso. Pedimos mais concurso para policiais femininas, com cotas, para chamar delegadas. Isso foi discutido também. Lembrando que não é só na Capital, mas no interior”, disse o deputado que já apresentou proposta que promove acessibilidade de antecedentes criminais de violência contra a mulher por meio de aplicativo.
Reforço na gestão e aprimoramento da proteção às mulheres
A ministra Cida Gonçalves destacou que um grupo de trabalho está sendo consolidado com as instituições que compõem a Casa da Mulher Brasileira, além do Governo do Estado, Tribunal de Justiça, Defensoria Pública e Ministério Público. A proposta é reconstruir uma estrutura mais eficiente para garantir um atendimento mais qualificado.
A ministra ressaltou que as falhas no atendimento não se limitam a uma única instituição, mas refletem um problema sistêmico. “Não é um problema da delegacia, do juizado, da defensoria ou da promotoria. É um grupo, um coletivo de falhas que precisa ser considerado e ajustado. Isso passa por uma discussão de gestão política, pela necessidade de um sistema tecnológico que integre todas as etapas do atendimento às mulheres e pela qualificação dos profissionais. Não basta apenas conhecimento técnico, mas é essencial que essas pessoas tenham aptidão e empatia para lidar com as vítimas”, afirmou.
Além disso, a Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande continuará sendo referência nacional, mesmo diante dos desafios. “São dez anos de atendimento e queremos que as mulheres continuem confiando nesse serviço. O Estado brasileiro está investindo recursos financeiros, políticos e humanos para aprimorar essa política pública”, completou Cida Gonçalves.
Está em análise um fluxo de atendimento que permitirá a intimação dos agressores de forma mais ágil, por meio de convênio com a Secretaria de Segurança Pública. A proposta prevê que policiais militares, devidamente treinados, sejam responsáveis por esse procedimento, além do uso de ferramentas tecnológicas, como intimações via WhatsApp e rastreamento da localização dos agressores.
Suelen Morales e Roberta Martins