“Fascista” é visto como xingamento. Não tenho esta intenção. Quero propor que reflitamos sobre o fascismo como conceito histórico e como, de modo particular, ele ressoa no Brasil atual. Entendo que o fascismo passa a ganhar força em sociedades onde há uma combinação entre crise econômica prolongada e perda de laços sociais.
Em seu sentido histórico, o fascismo surge na Itália nos anos 1920, como resposta a uma crise econômica grave, causadora de greves operárias e distúrbios sociais. Foi neste ambiente caótico que fermentaram as ideias de Benito Mussolini que, arregimentando esquadrões paramilitares, estabeleceu um regime violento de perseguição aos sindicalistas e opositores, impondo os interesses da elite empresarial e financeira sobre a sociedade, entre 1922 e 1943. Obviamente, o regime não se impôs apenas pela força, mas construiu hegemonia com estratégias de censura e controle midiático (rádio, cinema, jornais), com uma educação alienante e articulada com a religião, exaltando a figura “potente” do líder (Mussolini), cuja imagem era irradiada nas instituições e lares do país (ver o filme “Um dia muito especial”, de Ettore Scola, 1977). Poderíamos falar ainda do nazi-fascismo, mas voltemos ao Brasil atual.
Desde a crise econômica de 2008 e os subsequentes efeitos da precarização no mundo do trabalho, redução da renda média dos trabalhadores, ajustes fiscais e contrarreformas previdenciária e trabalhista, o descontentamento social com as instituições políticas aumentou drasticamente. Nesse contexto é que fermentaram ideias neofascistas desde a última década. Assim, passou-se a predominar em setores médios e populares da sociedade um discurso “antissistema”, identificando a origem dos problemas sociais na figura do Estado, e não nas formas perversas de acumulação do capital financeiro. Buscou-se encontrar culpados pela perda da qualidade de vida, pela precarização dos empregos, pela insegurança em relação ao futuro, pelo endividamento das famílias, etc. Logo, líderes que apresentavam um discurso violento contra as instituições ganharam adesão popular e, ainda que alinhados com a classe dominante, vociferavam contra o “sistema”, ou seja, o Estado e o suposto excesso de direitos dados a minorias sociais. Os bodes expiatórios são grupos divergentes de certo padrão de normalidade, vistos como os responsáveis pela degeneração social: imigrantes, homossexuais, transexuais, sem-terra, sem-teto, indígenas, religiões afro-brasileiras, feministas, comunistas, negros pobres, etc.
O neofascismo funda-se em um pânico identitário. Na medida em que as relações humanas se dão cada vez mais nas redes sociais, em bolhas de comunicação, há uma fratura no tecido social que afeta qualquer contrato político-social. Os sujeitos passam a se irmanar em “grupos de guerra”, onde basta se identificar pelo ódio comum a um determinado inimigo. Fora isso, há certo consenso de que a sociedade é apenas uma competição voraz, e que só os mais sagazes e agressivos se sairão bem, pois não há espaço para todos. Essa ética perversa é diuturnamente apregoada por líderes políticos, “coachs” e até lideranças religiosas. Como sair desta arapuca é tema para um próximo texto.
Volmir Cardoso Pereira, docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. E-mail: [email protected]
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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