Nós, mulheres, participamos de vários espaços sociais e em constantes resistências. Não somos ingênuas, pois reconhecemos as vivências tecidas em meio às relações de poder masculino arraigado nas estruturas de nossa sociedade, seja no campo da ciência, da política, econômico… na vida cotidiana.
Esta é a perspectiva que trago para a reflexão sobre a nossa participação nas ciências, em tempos de intensa crise, cujas imagens no horizonte projetam cenários de horrores quanto às nossas sociabilidades e mesmo quanto à existência humana, minimamente adequada no planeta terra. Estas imagens projetadas têm fomentado sentimentos de medo e angústia, amedrontam grupos e pessoas, ao tempo em que fragilizam os enfrentamentos sociais, nas resistências e por transformações.
É verdadeiro! As instituições acadêmicas mal se recuperaram (quiçá conseguirão) das políticas de destruição, com os cortes de recursos orçamentários em anos recentes, além dos discursos negacionistas que procuraram deslegitimá-las de seu capital simbólico. Tenho para mim que as mulheres educadoras e pesquisadoras são, também, nas instituições científicas, a ponta mais frágil do sistema, todavia, elas têm se constituído em territórios inauditos de enfrentamentos; obstinadas, souberam resistir e precisam avançar.
Não são poucas as pesquisas sobre este tema, atravessadas pela perspectiva de gênero. De modo resumido, pode-se registrar que a entrada e permanência de mulheres no ensino superior seguem como um desafio. No Brasil, as mulheres estão maioria nas universidades, e dados do CNPq indicam que 43% são pesquisadoras. Na contramão desses números, os homens continuam ocupando as áreas de maior prestígio e a maioria em cargos de gestão. Esse quadro é gerado por assimetrias de gênero construídas desde a socialização binária das crianças e a continuidade de padrões sexistas nas outras fases da vida. Esta binaridade organiza amplamente as relações sociais e resulta em um mercado de trabalho, também, desigual e segregador para as mulheres.
Mulheres que conquistaram e continuam conquistando esses espaços acadêmicos e de pesquisa destacam os desafios sobrepostos à exigência da produção acadêmica: as responsabilidades seculares e cotidianas com a vida familiar em paralelo à cobrança de competências profissionais com características mercadológicas e meritocráticas, sem equilíbrio necessário com as especificidades de suas trajetórias, por muitas vezes, são avaliadas como traços de inferioridades. Há que se destacar os elementos de gênero, racialidade e sexualidade, considerando que as mulheres negras, indígenas, transexuais, travestis, consecutivamente, estão em menor número e vivenciam outras tantas sortes de preconceitos e discriminações.
Diuturnamente, as mulheres resistem contra o poder masculino que impera nas dinâmicas de violências, perpassadas de racismos, machismos, misoginias; questionam as violações de direitos, o desrespeito ao seu conhecimento e a misoginia nas ciências, fatores sentidos entre minúcias, nos olhares, nas ironias, nas dúvidas quanto à capacidade de construção teórica por parte delas. O aceite social e o disfarce das violências estão dispostos por linguagens e objetivos legitimados por discursos revestidos de neutralidade.
Não bastasse o referido contexto histórico, as mulheres, na conjuntura recente, travam luta incansável na afronta, nas resistências à emergência do conservadorismo fascista, cujos fins, dentre outros, visam bloquear a participação das mulheres em diversos setores da sociedade. Nessa lógica política que também se espraia nos campos das ciências, estão subjacentes as mais profundas hostilidades que emergem das doutrinas e interpretações antifeministas.
Para finalizar, com um ponto final provisório… É complexo para as mulheres adentrarem e permanecerem nas instituições científicas, mas é significativamente expressivo o prazer em construir conhecimentos críticos e em oposição a todo tipo de violência. Não há ciência crítica, solidária, acolhedora sem as mulheres! Ao contrário, as mulheres têm se colocado como protagonistas históricas desse processo.
Marisa Lomba é Doutora em Sociologia (UNESP). Professora Titular na Faculdade de Ciências Humanas (FCH-UFGD), onde atua nos cursos de Graduação em Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (Mestrado e Doutorado). Email: [email protected].
Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.
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