Artigo: Filosofia nos moldes pantaneiros

Victor Hugo de Oliveira Marques
Foto: Arquivo

É comum referir-se ao Estado do Mato Grosso do Sul como uma região do país que vive plenamente sua vocação agrária. O que, em certa medida, não deixa de ser verdade, uma vez que é o 5º maior produtor de grãos do país. Diante desse quadro, poder-se-ia perguntar: há um espaço para a filosofia em MS? E que importância teria um espaço como esse? A questão, na verdade, não é saber se há ou não um espaço filosófico em nosso Estado, mas como fazer de nossa terra um recinto filosófico.

Tradicionalmente, não existe um ambiente propriamente filosófico. A filosofia está presente em qualquer lugar e não há canto desse mundo que não revele traços de sua presença. Por outro lado, o desafio é: como filosofar “nos moldes pantaneiros”? Como fazer do nosso Pantanal, a Atenas de Platão? Desde a Grécia Antiga, a filosofia aprendeu que o exercício do pensamento se faz a partir das dores e dos gritos da própria realidade. É sentindo o chão que se pisa e compreendendo seus clamores que é possível devanear-se em pensamentos. Os voos mais altos que os raciocínios humanos são capazes de produzir não são meras abstrações, mas modos de penetrar nas profundezas da existência humana para poder compreendê-la no seu todo.

Nesse sentido, a construção de um espaço filosófico em Mato Grosso do Sul não se faz importando filósofos. Pelo contrário, uma filosofia sul-mato-grossense deve nascer de suas próprias necessidades. E para isso, duas coisas seriam importantes. Primeiro: o incentivo e a valorização da cultura local. Não se pode fazer filosofia sem um profundo conhecimento da situação em que se vive. Esse reconhecimento deve ir além dos estereótipos que muitas vezes se instalam e falseiam a própria realidade. Mato Grosso do Sul é um estado muito rico, não só por causa do agro, mas também por uma pluralidade cultural e uma intensa variedade étnica. Há diversas cosmovisões e metafísicas coexistindo em nosso Estado. Compreender isso já é mostrar o valor e a necessidade do segundo ponto: o incentivo àquele estudo que dá conta de perceber essa complexidade, isto é, o estudo filosófico. Com apenas dois cursos em nível superior para todo o Estado e um Mestrado Profissional, é impossível que a demanda filosófica seja satisfeita. Há sempre um déficit de profissionais da área para atender as demandas em âmbito educacionais, o que incorre na importação de pensamentos de outros Estados.

Contudo, ampliar cursos acadêmicos não seria suficiente. Fazer filosofia necessariamente não é só frequentar um curso acadêmico, mas é reconhecer a riqueza do chão que se está pisando e construir espaços de reflexão e circulação de ideias que visibilizem o tecido filosófico aí presente. Precisamos criar alternativas no modo de fazer filosofia que converse com a pluralidade de nosso povo. Criar espaços “pantaneiros” de refletir e fazer-se ouvir pela sociedade. O fazer filosófico envolve muita criatividade e por isso tais locais ainda se tornam desafiadores. O próprio fazer filosófico é “pensar fora da caixa”.

Mas todo esse esforço valeria a pena? Bem, essa é uma pergunta bem interessante, pois ela nos leva à outra: seria de interesse coletivo aprender a extrair de si o que é propriamente o melhor? Parece óbvio que qualquer atividade social busca isso: extrair de si o melhor. Mas como saber o que é o melhor de si? É aí que a filosofia se mostra útil. É interessante para nosso Estado vender a melhor imagem possível para aqueles que aqui chegam. Porém, nem sempre essa melhor imagem é apresentada, justamente porque é mais fácil aderir a estereótipos do que mergulhar e conhecer a si mesmo. Juntamente com outras ciências que buscam fazer o mesmo trabalho, a filosofia não é uma instância apenas de reflexão, mas de divulgação de ideias. Com ela, torna-se mais fácil falar e veicular aquilo que é próprio. Foi por meio da filosofia que ideias do Oriente chegaram ao Ocidente. Assim, a filosofia se torna útil em propagar o conhecimento, que é fundamental para um Estado que está em processo de desenvolvimento e busca sua autonomia no cenário nacional.

Vale a pena, sim, desenvolver uma filosofia nos moldes pantaneiros. Um espaço filosófico de autoconhecimento, reflexão e divulgação daquilo que seria nosso mais próprio. Seria extrair de si o que há de melhor, a fim de valorizar e preservar o que é nosso.

Por Victor Hugo de Oliveira Marques, professor, pesquisador e coordenador do curso de filosofia (UCDB). 

Acesse as redes sociais do O Estado Online no Facebook Instagram.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *