The Weeknd faz de novo álbum um purgatório narrado por Jim Carrey

Instagram/@Theweeknd
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LUCAS BRÊDA
(FOLHAPRESS) – Na capa de “Dawn FM”, sexto disco de sua carreira, The Weeknd aparece com cabelos e barba brancos e um rosto cheio de rugas. É como se o astro canadense tivesse envelhecido muito mais do que os dois anos que separam o novo álbum de “After Hours”, o bem-sucedido disco que ele lançou no começo de 2020, e seu novo trabalho.

Se o trabalho anterior exalava solidão e tinha uma cara de fim de festa, agora The Weeknd –como sugere o título– encara os últimos momentos da noite enquanto vislumbra a luz do amanhecer. Ele eleva as reflexões sobre amadurecimento e crescimento pessoal a um nível existencial, como se buscasse algum tipo de salvação depois de uma vida de excessos e conflitos no amor e nas relações humanas.

“Nos últimos meses, estive trabalhando em mim mesmo/ Há tanto trauma na minha vida/ Fui tão frio com aqueles que me amaram/ Olho para o passado agora e percebo”, ele canta em “Out of Time”, faixa levada pelos vocais agudos, baixo suingado e uma melodia lúdica. Aparentemente, The Weeknd aproveitou os anos de pandemia e isolamento para cuidar da saúde mental e pesar sua vida nos últimos anos.

A música acaba com uma fala de Jim Carrey, que aparece durante todo o disco como o locutor de uma rádio fictícia –a 103.5 Dawn FM–, guiando a audição enquanto compartilha considerações filosóficas. “Logo você será curado, perdoado e renovado/ De todo o trauma, dor, culpa e vergonha/ Talvez você esqueça até seu nome”, ele diz.

Um disco inteiramente conceitual, “Dawn FM” se encaixa perfeitamente na evolução da discografia do músico desde as três mixtapes que o revelaram para o mundo em 2011.

O jovem que vivia entre festas e drogas e se dava mal em relacionamentos dez anos atrás –na trilogia inicial– enriqueceu e se tornou um astro que namora famosas e encara a exposição da fama –em seus discos mais bem-sucedidos, “Starboy”, de 2016, e “Beauty Behind The Madness”, de 2015– agora busca o sentido nisso tudo –em “After Hours”, de 2020, e no álbum atual.

Musicalmente, “Dawn FM” não traz grandes novidades. The Weeknd continua fazendo um pop e um R&B bem acabado, que bebe diretamente da estética dos anos 1980, de Prince a Talking Heads, de Tears For Fears a Giorgio Moroder. Na produção, ele tem ajuda do colaborador frequente Max Martin, renomado nome do pop atual, além de Daniel Lopatin, mente por trás do projeto eletrônico Oneohtrix Point Never.

O novo álbum não aparenta ter hits instantâneos, a exemplo da recente “Blinding Lights” –que se tornou a música com mais semanas nas paradas da Billboard em todos os tempos– ou de sucessos mais antigos como “Can’t Feel My Face”. Ainda assim, o trabalho está repleto de instrumentais eletrônicos afiados (como “How Do I Make You Love Me?” e “Every Angel is Terrifying”), grooves contagiantes (“Take My Breath”, que ecoa Daft Punk) e baladas melancólicas (“Less Than Zero”).

Há ainda soluções melódicas interessantes, como os vocais graves de “Gasoline” e os agudos exagerados de “Is There Someone Else?”. Um delicado Tyler the Creator engrossa o caldo na romântica “Here We Go… Again” e o AutoTune de Lil Wayne abrilhanta “I Heard You’re Married”.

Em “Dawn FM”, The Weeknd não parece preocupado em buscar novas sonoridades, mas sim tranquilo para refinar a estética que fez dele um gigante do pop contemporâneo a nível mundial. O objetivo é mais a continuidade do que a renovação –o que pode ser encarado como o ponto fraco da obra, que para o ouvinte casual ainda soa exacerbadamente The Weeknd, e exageradamente oitentista.

Mas “Dawn FM” funciona melhor dentro do contexto. E talvez sua faixa mais emblemática seja “A Tale by Quincy”, em que o lendário produtor Quincy Jones, muito conhecido por seu trabalho com Michael Jackson –referência inescapável em toda obra do canadense–, aparece contando uma história sobre ele mesmo que funciona para a vida e obra de The Weeknd.

Jones fala sobre como teve sua mãe retirada de casa quando ele tinha 7 anos, depois de ela ter sido diagnosticada com demência. “Crescer sem ela teve uma influência duradoura que eu não consegui entender completamente até muito tarde na vida. Isso afetou minha relação com minha família e com aquelas com quem estive envolvido romanticamente”, ele diz.

Abel Tesfaye, o nome real de The Weeknd, cresceu sem o pai por perto, e as histórias de relacionamentos malsucedidos e traições marcaram suas músicas ao longo da carreira. Em “Dawn FM”, ele está tentando quebrar esse ciclo, ainda que em “Here We Go… Again” fale sobre uma nova paixão por uma estrela do cinema –que os sites de fofoca apontam ser Angelina Jolie–, alguém que cura seus pensamentos depressivos. E “lá vamos nós de novo”.

Enquanto retrata um amadurecimento pessoal, The Weeknd faz de seu novo álbum uma metáfora do próprio purgatório, imagem que se revela na fala de Jim Carrey na faixa derradeira, “Phantom Regret by Jim”. Depois de uma noite agitada, “Dawn FM” é a ressaca moral que vem no dia seguinte –ou a dor de passar o passado a limpo antes de seguir em frente.

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