Exposição da artista Syunoi estreia hoje no MIS, explorando as múltiplas camadas do tempo e suas implicações na arte e na vida
A passagem “Tão lentos somos no avançar que só a impaciência do desejo nos deu a ilusão de que o tempo de uma vida é bastante” de Clarice Lispector, ecoa ao longo da exposição “O Tempo Quando Olho”, da artista Sara Welter, conhecida artisticamente como SYUNOI. Com abertura marcada para hoje (17), às 19h, no MIS (Museu da Imagem e do Som), a mostra traz uma reflexão profunda sobre as diversas camadas do tempo.
A exposição é composta por uma série de obras que incluem desenhos, ilustrações, pinturas e instalações, cada uma abordando o tema da temporalidade de uma maneira única. O desenho, por exemplo, se destaca como a técnica em que a artista cria uma narrativa visual que capta os rastros deixados pelo tempo sobre o papel. Há uma intensidade no traço, que, ao mesmo tempo, sugere o movimento efêmero do instante e a permanência da memória.
Syunoi aborda o tempo de maneira poética e filosófica, convidando os espectadores a refletirem sobre as marcas que ele deixa em nossas vidas. A mostra explora como o tempo, invisível e constante, permeia cada ação e pensamento. A abertura contará ainda com a performance inédita 3R00C00700, da artista Madu Flores.
O tempo desenhado em papel e lápis
O conceito do tempo sempre esteve presente no trabalho de SYUNOI, mas foi só após alguns anos de exploração artística que ela percebeu a profundidade dessa relação. A artista descobriu que grande parte de suas produções abordam o tempo, seja como uma ideia ou metáfora, seja como a força que impõe condições sobre tudo ao seu redor.
“A vontade de expor surge quando concluí o meu projeto Resquícios do Tempo e logo também de estudos aprofundados em Curadoria, em Agosto. A partir daí concluo que uma exposição seguindo dois eixos conseguiria transmitir essa linha que norteia todas as produções”, explica Sarah Welter para a reportagem.
A escolha pelo papel como material de trabalho se deve à sua acessibilidade e versatilidade. Para a artista, o papel é um material fácil de encontrar e de armazenar — ela mesmo guarda tubos de papel enrolado em sua casa. O uso do papel, no entanto, vai além da praticidade: ele reflete diretamente sobre o desgaste do tempo.
“Sou uma artista que gosta de abraçar esse tipo de acontecimentos, quando mancha ou amassa creio que faz parte de como aquele objeto artístico conversa com o espaço e com o que está a volta. E propriamente ele imprimi essa memória e efemeridade quando vai se desdobrando dentro dessas condições, como os primeiros esboços, o desenho, o toque da mão e até onde for inserido”.
Syunoi descreve o lápis como uma ferramenta simples, mas certeira, usada para registrar a ideia do tempo. O conceito de que o tempo “digerirá tudo que toca” permeia sua exposição, que se desdobra em uma narrativa visual que transita entre o figurativo e o abstrato. As instalações, por sua vez, ocupam o espaço de maneira imersiva, criando uma experiência sensorial que convida o espectador a caminhar por elas, interagir com as obras e, assim, vivenciar o tempo de forma quase física.
“O desenho e a pintura ela surge com muita facilidade, consegue transmitir muito claramente tudo aquilo que passa na cabeça. A instalação, por exemplo, vem numa série de etapas, primeira ideia que tive foi em inserir o público em um lugar onde pudessem estar imersos num sentimento muito profundo, que questionassem tudo, e a partir de estudos e desenhos, a instalação surgiu”.
Arte como respiro
Um dos maiores desafios que Syunoi se propõe é trabalhar com o conceito de pertencimento, um tema que se entrelaça com a ideia de memória e com as marcas que o tempo deixa nas pessoas e nos espaços. Em sua pesquisa artística, a artista se depara com a dúvida como um motor criativo: a incerteza sobre quem somos e de onde viemos.
“O mundo atual está no levando a um excesso de tudo, temos a ilusão que temos acesso a tudo, e o quão bom é estar acessando tanta informação, sendo que, na verdade, a única informação que podemos acessar é o presente. A arte nos faz parar e entender que momentos tem a nos oferecer, faz refletir, entender, questionar, e nos conectarmos com nós mesmos”.
Em suas palavras, ela pergunta: “Quem eu era antes de ser digerida nas entranhas da dúvida?” Assim, suas obras não apenas refletem o tempo como uma força externa, mas também como um processo interno de autoconhecimento, buscando entender as lacunas deixadas pelas incertezas e as cicatrizes da experiência.
Syunoi afirma que não há uma influência clara em suas criações, que surgem a partir de tudo o que ela vê, toca, ouve e, principalmente, sente. O sentimento e as questões que permeiam sua percepção são os motores do seu trabalho. Para a artista, o processo criativo é orgânico e intuitivo: “Às vezes, penso em uma ideia e vou dialogando com ela até chegar ao papel, e, quando isso acontece, o acaso guia o processo de produção”.
A exposição “Tempo Quando Olho” não apenas apresenta uma série de obras, mas convida o público a participar de uma experiência sensorial e intelectual profunda, onde o tempo se dilata e se contrai, o passado e o futuro se encontram no presente.
Em uma sociedade marcada pela aceleração do cotidiano, Welter nos desafia a desacelerar, a refletir sobre o que perdemos e o que ganhamos à medida que o tempo escapa de nossos dedos.
Na transição do figurativo ao abstrato, na tensão entre o retrato do tempo e a ausência desse retrato, a exposição oferece uma visão única de como o tempo, embora invisível, se faz presente no cotidiano da sociedade.
Serviço
A exposição estreia hoje, 17 de dezembro, às 19h no Museu da Imagem e do Som — 3 andar — localizado no prédio da Fundação de Cultura na Av. Fernando Corrêa da Costa, 559.
Amanda Ferreira
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