Roberto Higa: Ícone do Fotojornalismo de Mato Grosso do Sul fala sobre fotografia, legado, lutas e celebrações

Foto: Marcos Maluf
Foto: Marcos Maluf

A trajetória de Roberto Higa é um exemplo de perseverança e dedicação à fotografia. Nascido em 1951, em uma família de oito filhos, Higa desde cedo precisou trabalhar para ajudar em casa. Foi nesse cenário desafiador que, entre um emprego e outro, encontrou na fotografia uma paixão que transformaria sua vida e carreira. Da celebração à luta, Higa, que tocou o sino em sinal de vitória após tratamento contra um câncer de orofaringe, continua em busca da grande foto que sempre sonhou em capturar.

Foi no Diário da Serra, nos anos 70, que Higa se encontrou com a fotografia. Assim como uma lente se encaixa na câmera, o fotógrafo e mentor Danton Larro reconheceu o talento de Higa e viu que seu lugar era por trás das lentes. Durante esse período, Higa entrou no universo jornalístico e, com a orientação de Larro, aprendeu os primeiros passos da profissão, moldando sua visão criativa através da fotografia.

Ciente de que precisava ampliar seus horizontes, Higa partiu para São Paulo, em uma viagem de três dias para a cidade de Bauru, que naquela época era um polo de aprendizado e novas experiências para os aspirantes a fotojornalistas. Lá, aprendeu as técnicas e os desafios que envolvem a profissão, além de entender a importância de registrar momentos que fazem história. O retorno a Campo Grande, sua cidade natal, foi marcado por uma grande virada em sua carreira, com a realização de sua primeira exposição de fotografias, o que consolidou seu nome no cenário local.

Naquela época, o fotojornalismo não era uma profissão fácil, especialmente em um estado em constante crescimento e transformação como Mato Grosso do Sul. Havia poucos recursos, e os fotógrafos enfrentavam condições de trabalho complicadas. Mas, para Higa, cada desafio foi uma oportunidade de aprimorar sua técnica e contar histórias visualmente.

Seu objetivo são as objetivas

O trabalho de Roberto Higa não pode ser dissociado da história de Mato Grosso do Sul. Ao longo das décadas, ele capturou momentos marcantes que ajudaram a construir a identidade da cidade, sendo uma das figuras responsáveis por fotografar a divisão do estado. A lente de Higa estava sempre atenta a tudo o que acontecia ao seu redor, registrando desde os eventos mais simples até os mais grandiosos.

O jornal O Estado visitou a casa do fotojornalista, onde foi recebido com entusiasmo por ele e sua esposa, Sandra Higa. A residência, que também é um museu, abriga artefatos, pinturas, esculturas e coleções de moedas e cédulas de diversos países, elementos que marcaram a trajetória do fotojornalista. O espaço, dividido em setores, guarda um acervo pessoal de mais de 10 mil fotos, organizadas por ano, desde o início da carreira de Higa até o presente. Sandra compartilhou que está atualmente organizando o acervo e já separou as fotos de 1995, com planos de seguir até 2006, quando a era digital passou a dominar a fotografia.

Vestido com trajes brancos, Higa relembrou o início de sua carreira e os momentos marcantes de sua trajetória como fotojornalista. Ele compartilhou suas experiências de vida, o cotidiano das pautas que cobriu e a convivência com a família. Apesar das dificuldades para falar, Higa se mostrou determinado a contar sua história, afirmando com convicção que sempre teve o objetivo de se destacar na profissão e ser o melhor em seu trabalho.

“A maioria dos fotógrafos, se concentrava aqui. Mas eu sempre disse: eu não quero isso para a minha vida. Eu quero algo mais. E por isso, fui para São Paulo. Se eu não tivesse seguido meu caminho, eu ficaria no mesmo. Com o tempo, provavelmente me mandariam embora, pois isso é natural. Mas quando fui para São Paulo, foi quando percebi a grande diferença entre Mato Grosso (na época) e o resto do mundo. Foi assim que comecei a enxergar as oportunidades e a perceber o quanto eu precisava me mover para crescer”, abordou Higa.

Desde então, Higa fotografou de tudo: do belo ao feio, do novo ao velho, do começo ao fim. E assim foi construindo seu nome. O fotojornalista passou por diversos veículos locais, como Correio do Estado, Diário da Serra, Estado da Manhã e também atuou como fotógrafo do governo do estado de Mato Grosso do Sul, e também figuras politicas como Pedro Pedrossian e Lúdio Martins Coelho.

“Ser fotógrafo não se limita a fotografar apenas as coisas bonitas. No interior, você não tem a oportunidade de dar uma primeira página como um grande jornal. Você acaba ‘enchendo linguiça’ com o que tem. Então, eu fotografava mulher bonita, mulher feia, cenas tristes, cenas alegres – tudo isso eu coloquei na cabeça e comecei a fazer. Esse foi meu diferencial, deixar minha marca em tudo que fazia”, destaca.

Até hoje, Higa continua fotografando tudo o que considera interessante, acreditando que até o que não gosta tem valor, pois isso o mantém motivado. Enquanto vê outras pessoas parando de buscar desafios e deixando o tempo passar, ele segue em busca do novo, como sempre fez. Para ele, o dinheiro é apenas uma consequência da busca constante por algo que o faça viver intensamente, sem jamais se acomodar.

“Eu nunca deixei de acreditar que a grande foto ainda estava por vir. Às vezes, me lembro de uma palestra de José Hamilton Ribeiro, jornalista que perdeu uma perna na Guerra do Vietnã. Ele dizia que a grande reportagem nunca se perde; você tem que estar sempre à procura dela. Por isso, nunca saio de casa sem a câmera – um dia, a grande foto vai surgir. Quando eu aposentar minha máquina, aí sim vou saber que a minha jornada acabou”, afirma.

A fotografia até aqui…

Higa, que passou por inúmeras dificuldades de saúde ao longo dos anos, incluindo pancreatite, dois AVCs, dois infartos, Alzheimer e um aneurisma, relata com naturalidade a luta contra o câncer de orofaringe, uma batalha que, até o momento, tem exigido muito de seu emocional e força. “Quando você recebe o diagnóstico, é um choque. A primeira pergunta é: ‘Por que eu?’. Depois, com o tempo, você percebe que a coisa não é tão feia assim”, reflete.
Há três semanas, Higa finalizou o tratamento com quimioterapia e radioterapia tocando o sino de conquista no HCAA (Hospital de Câncer Alfredo Abrão de Campo Grande). A primeira etapa do tratamento foi superada, e agora, a próxima fase inclui a realização de novos exames. Até o momento, ele ainda não conseguiu se alimentar normalmente pela boca devido à dor intensa, mas está experimentando uma leve melhora na voz.

“Vamos refazer os exames e ver o que o médico diz: se acabou ou se devemos continuar. A gente viveu sete meses dentro de hospitais. A vida ficou restrita a nós, mas fomos superando cada fase. O câncer é uma palavra pesada, mas hoje os tratamentos mudaram muito”, conta Sandra, que acompanha de perto cada etapa da luta de Higa.

Apesar dos desafios, aos 73 anos, Higa se encontra entre a luta e o legado que construiu ao longo de sua trajetória em Mato Grosso do Sul. Como uma das figuras centrais na história da divisão do estado, ele registrou todo esse período através de suas lentes. Em sua reflexão, deixa uma mensagem importante para a sociedade: nunca se deve esquecer de onde viemos.

“A cidade ainda enfrenta desafios relacionados à cultura e à identidade local. Por que não valorizamos mais as figuras naturais da nossa terra? Enquanto lugares como Cuiabá demonstram orgulho de seu passado, aqui sentimos a falta desse sentimento de pertencimento. Nós somos da terra, temos o sangue sul-mato-grossense. Somos filhos da divisão. Para mim, o verdadeiro orgulho de um povo nasce do reconhecimento de sua própria história e identidade”, finaliza o artista da fotografia.

 

Amanda Ferreira

 

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