Retomada: Brô MC’s lançam álbum em projeto do Instituto Alok

Som Nativo: Cantando em guarani, o grupo fortalece a conexão transfronteiriça e inspira jovens indígenas - Leandro Benites
Som Nativo: Cantando em guarani, o grupo fortalece a conexão transfronteiriça e inspira jovens indígenas - Leandro Benites

Em entrevista ao Jornal O Estado, Kelvin Mbarete fala sobre o novo álbum do Brô MC’s e projeto do Instituto Alok que une rap, cultura indígena e resistência

 

Transformando o cenário da música nacional, o grupo indígena Brô MC’s dá um passo decisivo para se firmar como uma das principais vozes do território guarani que se estende além das fronteiras do Brasil, abrangendo também o Paraguai e Argentina. Com produção do Instituto Alok, o grupo lança o álbum “Retomada”, um marco na consolidação do rap indígena como expressão artística, política e cultural no país.

Pioneiros ao incorporar o idioma e a vivência guarani-kaiowá ao hip hop, os Brô MC’s integram a Coleção SOM NATIVO, que reúne sete álbuns inéditos de diferentes etnias brasileiras. Os lançamentos chegaram às plataformas digitais no dia 9 de agosto, em homenagem ao Dia Internacional dos Povos Indígenas.

Em entrevista ao O Estado, Kelvin Mbarete um dos integrantes do grupo, revelou detalhes do novo projeto, que representa um novo capítulo na música indígena contemporânea. Formado em 2009 nas aldeias Jaguapiru e Bororó, em Dourados (MS), o Brô MC’s é composto pelos irmãos Bruno e Clemerson Veron, além dos irmãos Charlie e Kelvin Peixoto.

Retomada

O álbum “Retomada” traz um repertório autoral com 9 faixas: “Orereko”,
“Cemitério”, “Nda Peikuaai”, “Pehendu Hagua”, “Ndo Alei Peti”, “Retomada”, “Eju Mokoi”, “Drill GK” e “Até o Fim”. As letras seguem denunciando a pressão de vários setores da sociedade brasileira e do agronegócio sobre as terras indígenas.

A maioria das faixas foi gravada em idioma nativo. As letras entoadas pelos Guaranis Kaiowás (MS), Kariri Xocós (AL), Huni Kuins (AC), Yawanawas (AC), Guaranis Mbyás (SP), Kaingangs e Guaranis Nhandewas (PR) desenham um mapa sonoro e geográfico brasileiro que alerta o mundo sobre a conexão com a natureza, o cotidiano nas aldeias e séculos de resiliência cultural.

Para a reportagem, Kelvin Peixoto revelou que o processo criativo do álbum foi espontâneo e nasceu, em grande parte, dentro do estúdio. Segundo ele, as ideias já estavam construídas na mente dos integrantes, e as letras foram escritas de forma instantânea, com cada um contribuindo com suas próprias partes. “A gente só pegou a caneta e começou a escrever.Foi tudo muito natural, verdadeiro, a gente praticamente criou tudo na hora”.

Como a própria faixa que batiza o álbum indica, o álbum é uma fotografia da realidade vivida diariamente pelos artistas do Brô e toda a comunidade das aldeias Jaguapiru e Bororó, cercadas por fazendas do agronegócio. “Retomada” é um grito de resistência, mas acima de tudo de incentivo para a juventude indígena do Brasil.

Kelvin apontou a faixa “Cemitério” como a mais representativa do momento atual do Brô MC’s. Segundo ele, a música carrega uma mensagem potente e sensível sobre a realidade dos povos indígenas no Mato Grosso do Sul.

“É uma questão delicada, mas real. A gente fala que o Estado é feito sobre os cadáveres do povo guarani e kaiowá, e isso é verdade. Desde os tempos dos nossos antepassados, o sangue deles foi derramado nessas terras”.

Ao cantarem em guarani, língua falada no Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia, o grupo fortalece essa conexão transfronteiriça e inspira outras juventudes indígenas.

“A gente tem muitos amigos de outros países que se inspiraram no Brô MC’s pra fazer seus próprios ‘corres’. É uma união de força e resistência, cada um mostrando a realidade do seu povo. Escolhemos esse caminho pra contar a história do nosso e muitos fizeram o mesmo”,destaca.

Foto: Divulgação

Coleção Som Nativo

A Coleção SOM NATIVO é uma contribuição do Instituto Alok para a Década Internacional das Línguas Indígenas (2020–2030), em cooperação com a UNESCO. Considerando que muitas dessas línguas estão ameaçadas de extinção, o projeto reconhece a música como um fator essencial para sua preservação. Juntos, o instituto do artista brasileiro e a UNESCO compartilham o desejo de explorar possibilidades para criar um vasto acervo com a música dos povos originários de diversos continentes.

Com trabalhos que vão do Acre a São Paulo, a coleção inclui: Hiri Shubu Keneya Bari Bay, de Mapu Huni Kuin (Huni Kuin/AC); Saiti Kayahu, de Yawanawa Saiti Kaya (Yawanawa/AC); Cantos dos Encantos Kariri Xocó, de Wyanã Kariri Xocó – Cantos Nativos (Kariri Xocó/AL); Nhe’e Porã, do povo Guarani Mbyá (SP); Retomada, do Brô MC’s (Guarani Kaiowá/MS); um álbum colaborativo com Kaingang e Guarani Nhandewa, com participação do movimento Levante pela Terra (PR); e Kairau Vimiûû, de Rasu Yawanawa (Yawanawa/AC).

O processo de participação no projeto Coleção Som Nativo proporcionou ao grupo uma colaboração entre etnias de diferentes regiões. Segundo Kelvin, conviver com líderes, anciãos e líderes espirituais de diversas comunidades fortalece essa conexão e enriquece o trabalho artístico do grupo. “É muito bacana estar no meio dos parentes de outros povos indígenas. Foi uma experiência satisfatória, porque trocamos cultura e saberes, todos conectados pela ancestralidade de cada povo”.

Com o lançamento dos sete álbuns, por meio do Instituto Alok, dá-se continuidade ao objetivo de contribuir para a inserção artística indígena na sociedade e na indústria fonográfica algo iniciado com “O Futuro é Ancestral”, que recebeu indicação ao Grammy Latino, e que se confirma com a participação do grupo Brô MC’s no festival The Town, que acontece em setembro, em São Paulo.

“A gente tem que tirar o que sente dentro do peito, o que quer dizer nas letras. Foi isso que fizemos. Às vezes usamos pequenos trechos ou sons criados nos beats, mas não utilizamos cânticos e rezas tradicionais, porque há uma conexão espiritual muito forte que precisa ser respeitada. Não podemos simplesmente pegar uma reza para cantar. Fizemos tudo de acordo com o nosso coração e nossa visão, como indígenas guarani-kaiowá”.

Foto: Divulgação

Importância

O grupo deixou um recado para a juventude indígena que sonha em fazer arte, música e levar sua cultura ao mundo. Segundo Kelvin, ele reforçou a importância da preservação da língua e da cultura indígena em uma mensagem dirigida a esses jovens que desejam expressar sua arte e identidade. Para ele, manter viva a língua nativa é essencial para preservar a identidade e a riqueza cultural dos povos originários.

Não adianta dizer que é indígena se não fala a própria língua. Pintar o rosto e se vestir como indígena qualquer um pode fazer, mas falar a língua verdadeira é o que realmente importa. Não deixem de lado a sua língua e sua cultura. A nossa língua é nossa identidade, nosso DNA. Também é essencial não abandonar os ‘corres’, os esforços e lutas que cada um faz pela sua comunidade”, finaliza.

Serviço: Nas plataformas de streaming, as músicas da Coleção SOM NATIVO podem ser ouvidas com as letras em suas línguas originárias. As versões traduzidas estão disponíveis no site oficial: www.institutoalok.org.

Para acessar os álbuns, basta buscar pelo nome da coleção ou pelo nome de cada artista. Um link direto também está disponível na bio do perfil do Instituto Alok no Instagram. Toda a monetização gerada com as reproduções é revertida para os artistas indígenas participantes do projeto.

 

Amanda Ferreira

 

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