No Dia das Mães, quatro artistas de MS contam a realidade materna na arte e os desafios de conciliar a criação com a produção cultural

Nathalia Andrade e filho - Foto: Arquivo Pessoal
Nathalia Andrade e filho - Foto: Arquivo Pessoal

A maternidade, ainda hoje, é encarada de forma polarizada: para uns, é um milagre; para outros, uma prisão que limita a mulher a uma rotina exclusivamente voltada para os filhos e a família. Mas, assim como tudo em nossa sociedade, muitas mães são resistências naquilo que fazem, a arte. Com ou sem rede de apoio, madrugadas a fio, essas mulheres seguem no dia-a-dia sem desistir dos sonhos, e provam, para o mundo, que sim, é possível ser mãe e ainda ser você mesma.

Marina e os filhos – Foto: Reprodução/ Arquivo Pessoal

Em um setor dominado pelo masculino, a quadrinista e mãe de Naruê, de 8 anos e Caê de 6, vem em uma espécie de contramão de muitas histórias. Para ela a maternidade foi o ponto de virada para seguir o sonho de ser artista. Sempre com os dois pés na arte, a chegada dos pequenos foi o que deu a coragem necessária para que o talento virasse profissão.

Com um processo criativo iniciado após a chegado dos pequenos, a arte de Marina foi fortemente influenciada com a maternidade. “A minha arte está muito embasada na minha maternidade, na minha experiência como mulher. A arte me atravessa de diversas formas e os temas que busco abordar dentro dos meus quadrinhos e ilustrações, tem a ver com esse ser mulher, ser mãe”, contou para a reportagem.

Em um país onde mais de 91 mil crianças foram registradas sem o nome do pai no último ano, conforme dados da Arpen (Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais), Marina destaca como seguir por esse caminho não é fácil, onde ser mãe carrega um fardo maior do que ser pai.

“Não disponho de um tempo longo para produzir. Preciso trabalhar em todos os horários possíveis, me falta sono, muitas vezes me vejo produzindo de madrugada, sou estudante também. A gente precisa se desdobrar. Quando a mulher escolhe a carreira junto à maternidade, ela sabe que terá que sacrificar algum outro ponto da vida dela”.

A sociedade impõe à mulher-mãe uma dedicação exclusiva à maternidade, algo que não acontece com os homens, o que muitas vezes leva à exclusão da carreira. “O setor artístico não oferece apoio suficiente para mães artistas. Em muitos espaços, a mulher-mãe é forçada a uma escolha injusta: ou a carreira, ou os filhos. Ao excluir as crianças, excluem-se também as mães”, ressalta.

Marina reflete que o legado que busca construir, não apenas para si, mas para outras mulheres, é sobre o desejo de conciliar a maternidade e a produção artística. “Espero contribuir para uma construção diferente do que significa ser mãe. Que ser mãe é muito mais do que uma caixinha que colocam a gente, que limita o nosso comportamento, que limita a nossa forma de ser, que faz a gente viver com medo. Ser mãe é dar chute na porta, é topar com os desafios. Vejo uma coragem infinita dentro dos olhos de cada mãe que conheço”.

Ser mãe com olhar atencioso

Vocalista da Banda Brisa e da Rádio Paulista, a cantora Jackeline Cafure é mãe de Eduardo, de 14 anos e Henrique, de 5. Há 18 anos cantando em eventos, bares, e restaurantes, ela concilia a profissão de assistente social no Hospital de Câncer Alfredo Abrãao, com a música e a maternidade.

Jackeline Cafure e os filhos – Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

“Na minha primeira gestação, tocávamos nos principais bares de Campo Grande. Me lembro que toquei até os 8 meses, quando me permiti pausar para o nascimento do Eduardo. Junto a isso, estava concluindo a minha graduação em Serviço Social e também fazia estágio em um órgão público”, relembra.

Com o nascimento do primeiro filho, Jackeline precisou diminuir o ritmo na música para atender às demandas da maternidade. “Diminui a frequência nos shows, especialmente até os dois anos do Eduardo”, conta. Ao retornar aos palcos, contou com o apoio essencial de seu esposo, tia e outros familiares. “Deixava tudo organizado em casa, chegava no horário, tocava e voltava direto. Sei que tive sorte, pois nem todas as cantoras têm esse suporte”, reconhece.

Diante dos desafios da maternidade, a cantora admite que em muitos momentos pensou em desistir da arte. “Os desafios são grandes, a responsabilidade de educar e cuidar dos filhos gera uma sobrecarga emocional e física enorme”, desabafa. No entanto, foi com o apoio familiar e a certeza de que não poderia se afastar daquilo que sempre fez parte de sua identidade que ela conseguiu superar essa fase.

A maternidade trouxe uma nova perspectiva ao trabalho artístico da cantora, tornando-a mais atenciosa e empática. Ela destaca que muitas mães artistas, sem apoio, acabam levando os filhos para não perderem oportunidades. “Criar espaços mais inclusivos, oferecer incentivos financeiros e apoio na divulgação seriam alternativas importantes”, afirma.

“Assim como meus filhos, a arte é essencial”

Outra mãe que divide seu tempo entre pincéis e cuidados maternos é a artista visual Laís Rocha, conhecida como Bejona. Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e integrante dos coletivos Sankkofa, Enegrecer e Dorcelina, Bejona é mãe dos pequenos Miguel Rocha, de 6 anos, e Lis Ametista Rocha, de 4. Ela vivencia de forma intensa os impactos da maternidade no cenário artístico, sentindo em seu próprio corpo e trajetória como esse papel pode influenciar diretamente sua produção e atuação como artista.

Laís Rocha e filhos – Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal

Com uma rotina intensa marcada pelas responsabilidades com os filhos e as demandas domésticas, a artista encontrou na arte um espaço de resistência e equilíbrio. Mesmo sem contar com uma rede de apoio, ela afirma que nunca deixou sua produção artística de lado. “Assim como meus filhos e todas as minhas obrigações, a arte é essencial para que minha vida ande”, destaca.

Conciliar a maternidade com a carreira artística trouxe para Bejona desafios. Entre os principais obstáculos, estão o cansaço extremo, a sobrecarga de tarefas, a falta de recursos e a escassez de espaços acolhedores para mães no meio cultural. A gestão do tempo e a prioridade às demandas familiares impactam diretamente sua produção, exigindo esforço constante para manter a arte presente em sua rotina.

“A maternidade sempre bota em cheque a sua opção de escolha. Tudo precisou ser readaptado. A arte acontece quando sobra espaço. Tudo o que a maternidade acarreta afeta diretamente minha vida artística, e preciso constantemente me desdobrar para não desistir ou parar”, afirma.

Segundo Laís Rocha, o mundo da arte ainda é excludente para mães, especialmente as que enfrentam a maternidade solo. Embora o ambiente pareça acolhedor, o apoio real veio apenas de pessoas próximas. Apesar das dificuldades, seus filhos sempre estiveram presentes em sua trajetória artística, participando de aulas, exposições e feiras desde a faculdade.

“Meus filhos são apaixonados pelo que faço e participam ativamente dos momentos. A arte vai te manter viva, será sua forma mais genuína de expressão. Que sua maternidade não impeça, nem por um segundo, o seu coração de criar”.

“A maternidade é um renascimento visceral”

Nathalia Andrade é atriz, performer, escritora e pesquisadora em Letras na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), além de mãe de Hávi, de 9 anos, e Sol, de 4. Co-fundadora do Coletivo Clandestinas, que dá visibilidade à atuação de mulheres na arte, Nathalia constrói sua trajetória marcada por resistência e expressão, enfrentando os desafios da maternidade e as limitações estruturais que ainda persistem no meio artístico.

Nathalia Andrade e filho – Foto: Arquivo Pessoal

“Um dos principais desafios é conseguir cumprir uma aula, ou um ensaio, ou um simples debate do início ao fim, sem interrupções, pois quando as crianças estão comigo, apesar de ser muito prazeroso, é uma demanda grande de atenção. A minha realidade econômica sempre me obrigou a escolher entre a arte ou trabalhar. A maternidade intensificou isso”, conta Nathalia para a reportagem.

Conciliar a maternidade com a vida artística impõe diversos desafios para Nathalia, como a falta de apoio institucional, espaços culturais pouco acolhedores e dificuldades financeiras. Muitas vezes, precisa planejar com quem deixar os filhos e ainda enfrenta a rejeição de ambientes que não aceitam a presença de crianças, o que a afasta de algumas atividades.

“A maternidade me fez ver o mundo de outra forma, é uma transformação profunda. Deixamos de ser o centro e passamos a nos dedicar ao outro, o que muda a forma como encaramos tudo. A arte é isso, a maneira como olhamos e fazemos o mundo. Parir é um renascimento, e não digo isso de forma romântica, mas como um renascimento visceral, que transforma a maneira de fazer tudo, inclusive a arte”, explica a atriz.

A maternidade levou a artista a desenvolver um processo criativo mais consciente, diferente da produção espontânea que mantinha antes. O contato com outras mulheres a acolheu e abriu novas possibilidades artísticas. Neste Dia das Mães, ela reafirma sua identidade como mãe e artista, mostrando que as duas trajetórias podem coexistir.

“Se conectem com outras mães, criem rede, e não se calem, não aceitem ‘os sapatos que lhe cabem’, a maternidade é um desafio, é exaustivo e a estrutura social nos limita, mas se temos o poder de gerar uma vida, conseguimos alcançar os lugares que quisermos, curta o caminho, de mãos dadas com suas crias”, finaliza.

Por Amanda Ferreira e Carolina Rampi

 

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