A CUFA (Central Única das Favelas) de Campo Grande está se preparando para homenagear à rapper Luciana Ferreira, conhecida como Nêgalu, que nos deixou no último dia 19 devido a complicações de um AVC (Acidente Vascular Cerebral). A celebração está marcada para hoje (1) e promete ser um tributo à vida e ao legado dessa importante figura da cena hip-hop local.
O evento, que também será uma celebração à cultura hip-hop, contará com uma série de atividades, incluindo uma Batalha da Ponte, parte do projeto Da Ponte para Cá, que reunirá jovens talentos da comunidade em uma competição de rimas. A programação terá início às 18h e será realizada na sede da CUFA, localizada no bairro São Conrado. A entrada é gratuita para todos que desejam participar e prestar sua homenagem a Nêgalu.
Além da Batalha da Ponte, a CUFA receberá os grafiteiros Thais Maia e GB, que irão expressar sua arte nos muros da instituição em uma homenagem visual à Nêgalu. Letícia Polidorio, coordenadora da CUFA em Campo Grande, também foi amiga de Luciana por 14 anos e conta sobre a força e criatividade da amizade que veio antes hip-hop “A ‘Lu’ (como era apelidada carinhosamente por conhecidos e amigos), sempre foi uma mulher de muita força, de resistência, uma mulher que sempre encorajou outras mulheres. Tínhamos uma conexão muito forte, toda vez que nos encontrávamos, ela ressaltava minha evolução como mulher, como resistência na cidade”, relatou, Letícia.
Letícia afirma que homenagear a amiga vai além de reconhecer apenas o seu trabalho, mas também sua essência como artista, militante e amiga. “Percebemos que Lu deixou um legado e nós, mulheres, podemos continuar esse belo trabalho, nos apoiando e impulsionando umas às outras”, compartilhou Letícia.
Nêgalu
Nêgalu, cujo nome artístico era Luciana Ferreira da Silva, era uma figura central na cena musical de Campo Grande. Desde o início de sua jornada em 2014, quando começou a frequentar aulas de break, até sua participação ativa em eventos como a Batalha de Poesias das Minas e da Comunidade LGBTQIAPN+, ela sempre esteve comprometida em utilizar sua arte como ferramenta de transformação social.
Luciana era membro do colegiado estadual de hip hop, deixou sua marca não apenas como artista, mas como uma voz ativa em questões sociais. Sua presença vibrante e comprometimento com a expressão artística ecoavam em suas performances nas batalhas de poesia, onde sempre trazia à tona temas relevantes e inspiradores.
Sua influência ultrapassava os palcos, envolvendo-se em importantes diálogos e ações, especialmente na luta contra a violência sexual infantil e a violência contra a mulher. Além disso, Nêgalu equilibrava sua vida entre o rap, seu trabalho e sua família, destacando-se não apenas como uma talentosa artista, mas também como uma mãe dedicada e profissional na confecção de roupas para a moda hip-hop.
“Lu”, deu os primeiros passos em sua carreira musical em 2016, com o lançamento de sua primeira música intitulada “Nunca é Tarde”. Esta faixa marcou sua estreia na cena musical regional, sendo realizada em colaboração com o grupo de rap “Posse Sul Rapper’s”, do qual é membro até os dias atuais. Seu primeiro álbum foi produzido em parceria com o renomado BEATMAKER DJ TGB. Aos 33 anos, ela equilibra sua vida entre o rap, sua carreira profissional e sua família, sendo mãe de uma menina e atuando no desenvolvimento de roupas para a moda hip-hop, um estilo de vestimenta com raízes nas culturas afro-americana, caribenha e latina.
Homenagem
A comoção pela perda de Nêgalu também se estendeu por outras esferas da comunidade artística e cultural de Mato Grosso do Sul. O Fórum Estadual de Cultura emitiu uma nota em homenagem à artista, reconhecendo sua força e potência como uma mulher negra, mãe e figura central do hip-hop local.
Nas redes sociais, o rapper Bruno BR, marido de Nêgalu, expressou suas homenagens com várias postagens, destacando a cumplicidade do casal. O artista compartilhou uma música que compôs em 2019 como uma homenagem à cantora, evidenciando sempre seu apoio inabalável à esposa.
“Quero um amor que vibre com os raios da aurora…
Onde quer que eu vá…
Estarei ao lado dela,
Com o sorriso e a beleza que são dela,
Pois ela tornou minha vida bela,
Minha flor.”
Para o Jornal O Estado, Bruno falou sobre a história da artistica e como se conheceram. “A história de Lu é muito bonita. Ela passou sua infância na periferia de Campo Grande, cuidando de seu pai quando sua mãe se separou. Viveu todas as amarguras que a periferia pode oferecer a uma menina negra. Na adolescência, foi morar com sua mãe e conheceu o hip-hop através de um CD que encontrou na rua no final da feira. Ali, se apaixonou por escutar histórias do cotidiano. Foi em um show do Racionais que teve contato com os artistas mais relevantes do Brasil. Era seu aniversário e foi escolhida para entrar no camarim e conversar com o grupo. A partir dali, passou a frequentar apresentações de hip-hop, assistir batalhas de break e treinos no centro comunitário de seu bairro, Tijuca II ”, detalhou Bruno.
O rapper relatou o impacto que a cena do hip-hop terá após a perda de Negâlu. “Tudo isso sintetiza toda a essência dela, que enfrentou todos os preconceitos e modelos impostos a nós, do hip-hop de Mato Grosso do Sul. Ela lutou para que o hip-hop do interior estivesse presente nas políticas públicas, quebrando o tabu de que o hip-hop era somente na capital. Ela mostrou que as meninas do hip-hop estão lado a lado com os meninos, e que a nova escola tem muito a ensinar à velha escola. Ela deixa um legado lindo para todos os manos e minas, mostrando que milagres acontecem”, finalizou Bruno.
Batalha na Ponte
A Batalha da Ponte estará presente no local para uma competição de rimas. Para a reportagem do Jornal O Estado, Serena MC proponente e mediadora e
Marcus Perez coordenador pedagógico, compartilharam sobre as ações desenvolvidas pela iniciativa.
“Trata-se de uma ação de contrapartida do projeto ‘Da ponte pra cá, da escola pra lá’, desenvolvido com o apoio da Lei Paulo Gustavo e da Sectur (Secretária Estadual de Cultura e Turismo). Esse projeto tem como objetivo implementar um circuito de oficinas de rap destinadas a crianças e adolescentes de escolas públicas de Mato Grosso do Sul”, comentou os coordenadores.
Em 2023, Marcus destaca que surgiu a necessidade de estruturar as ações já realizadas pela SERENA MC, artista do cenário regional de hip-hop, de forma mais organizada em um projeto prático. Diante do feedback positivo das atividades, serena sentiu a necessidade de expandir o alcance das ações e atingir mais crianças e adolescentes. Foi então que ela e seu colaborador realizaram a elaboração desse projeto em conjunto com o produtor executivo Marcos Mattos.
O nome do projeto faz referência à música do Racionais, “Da ponte pra cá”, e reflete a realidade dos jovens, “da escola para lá”, simbolizando o elo entre a periferia e a escola. Essa ponte representa o rap, a educação, a cultura e o contato com as raízes por meio do ritmo, da poesia e da valorização da arte periférica.
Serena MC atua como proponente, coordenadora geral e instrutora das oficinas, enquanto Marcus Pérez assume a coordenação pedagógica. Subúrbia Única, multiartista de Campo Grande, e MC CJ também desempenham o papel de mediadores dos conteúdos de rap nas escolas.
A ação ocorrerá no mesmo dia em que a CUFA prestará homenagem a Negâlu, sendo um evento que reflete o trabalho da artista com suas raízes entrelaçadas ao hip-hop, perpetuando seu legado mesmo após sua partida.
“Acabou que a ação acontece no mesmo dia em que a CUFA decidiu homenagear a Lu, uma figura muito importante para cena do hip-hop sul-mato-grossense. Nossa ação planeja homenagear ela compondo esse encontro com a batalha de rima e mantendo viva a mesma tradição que colocou a Lu nesse lugar de honra e reconhecimento que ela merece”, finalizou o coordenador.
Serviço:A homenagem Nêgalu será realizada hoje, a partir das 18h, com Batalha da Ponte, com projeto Da Ponte para Cá e grafites com Thais Maia e GB, na sede da CUFA Campo Grande, situada na Rua Livino Godoy, 710, no bairro São Conrado.O evento gratuito e aberto ao público.
Por Amanda Ferreira
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