Livro de papelão traz memória, aventura e histórias

Arquivo pessoal
Arquivo pessoal

De Volta ao Trem da Morte é um reviver de memórias, aventuras e histórias que o jornalista Nelson Urt fez pela primeira vez em 1985, com o fotógrafo Nico Esteves, e publicou como reportagem na Revista Placar. Agora, 35 anos depois, o refazer desta trajetória foi junto ao filho com papel de segurança, fotógrafo e claro, de lembranças. O livro-reportagem é feito em papelão e registra o trajeto São Paulo-Santa Cruz de La Sierra pelo chamado Trem da Morte.

Nos anos 1980, a viagem de melhor custo benefício entre os países era um thriller de faroeste em plena ditadura militar boliviana cheia de golpes e contragolpes. Hoje é tudo diferente com a economia do país em crescimento, recuperação da autoestima e a liberdade de expressão com direitos constitucionais em prática. Nesta fronteira, Urt conta em 103 páginas riqueza culural do vizinho com raízes indígenas que marca desde a fronteira. De Ladário, o jornalista relata as transformações do que percorreu daquela época até 2015 nos trilhos e na vida dos povos brasileiro e boliviano.

“Perdemos o Trem do Pantanal, isso é um fato triste. Mas o trem do lado da Bolívia continua correndo. Parou agora devido à pandemia, mas está pronto para voltar assim que normalizar a situação. Ainda é o mesmo Trem da Morte? Ah, a resposta está nas 103 páginas do livro-reportagem, uma ideia que foi amadurecendo ao longo de todos esses anos e que consolidei ao retornar de São Paulo para voltar a morar em minha cidade natal, Ladário a partir de 2007”, revela Urt.

Companhia

Ele explica as intenções de levar o filho que vão além da energia da paternidade. “Convidei meu filho, Otávio Jamal, para me acompanhar no trajeto por alguns motivos especiais. Primeiro porque ele queria conhecer a Bolívia. Segundo porque precisaria de alguém de 1,90 metro ao meu lado por medida de segurança e ele de fato é muito atencioso e prestativo, e foi muito útil ao fazer as fotos. Na primeira viagem, em 1985, viajei ao lado de outro grandalhão, o fotógrafo gaúcho Nico Esteves.”, explica.

O que marcou a viagem foi um erro calculado, mas que poderia terminar na cadeia. “Levamos um grande susto na volta ao sermos abordados no trem por dois policiais bolivianos. Revistaram nossa bagagem e descobriram um saquinho de folhas de coca que levávamos como encomenda para amigos no Brasil. Pensei: pronto, estamos lascados, seremos presos por causa das folhas de coca”, conta. Mas, a viagem seguiu bem sem quaisquer problemas depois de serem liberados, mas não sem um alerta. Ocorre que na Bolívia, o consumo de folhas de coca é permitido, para tomar o chá ou mascar, como estimulante. Já no Brasil é criminalizada.

“Vocês sabem que no Brasil folha de coca é proibido, é crime?”, perguntou o policial para pai e filho. “Sim, mas decidimos correr o risco e levar para amigos, para fazer chá”, responderam. E os policiais colocaram o saquinho de folhas de coca de volta na bagagem, os liberaram e eles foram embora. Na Bolívia, o plantio e consumo das folhas de coca mais que permitido, eles são garantidos pela Constituição.

A proposta do livro

De Volta ao Trem da Morte é oitavo título editado pela Maria Preta Cartonera no Mato Grosso do Sul. A editora é trabalha de forma artesanal e foi selecionada, em dezembro de 2020, pela Fundação de Cultura de Ladário entre as obras que se destacam pela inovação e o incentivo cultural na região, em concurso aberto pela Lei Aldir Blanc, que é regulamentada pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo Federal.

O exemplares pode ser encomendados pelo e-mail [email protected], facebook ou pelo whats 67-98439-3002. O preço é R$ 28 (para entrega em Corumbá, Ladário e Puerto Quijarro), com acréscimo de R$ 7,40 (postagem nacional) para envio pelo Correios para qualquer cidade do Brasil. Postem endereço inbox (chat) ou no e-mail.

Cartoneras

Os primeiros livros da Maria Preta Cartonera (com capas de papelão e miolo com papel reciclado) foram lançados em Corumbá, no Pantanal do Mato Grosso do Sul, no dia 16 de fevereiro de 2019. A editora artesanal foi criada pelo próprio jornalista Nelson Urt.

Os livros iniciais foram: Paixão e Morte no Bordel, com contos dos jornalistas e historiadores Luiz Fernando Licetti, Silas de Almeida e Nelson Urt; e Amor e Morte em Tempos de Chumbo, que reúne um conto inédito, além de crônicas, poesias e artigos escritos por Urt ao longo de dez anos.

A Maria Preta Cartonera Editora é inspirada nos projetos de livros artesanais, com capas de papelão (daí a origem castelhana do nome cartón) criados a partir de 2003 em Buenos Aires como uma saída para a grave crise econômica e editorial na Argentina, e que se propagaram mundialmente como literatura underground.

Em Mato Grosso do Sul, um dos mais notáveis seguidores desta linha de literatura autônoma e independente é Douglas Diegues, autor de poesias escritas em “portunhol selvagem” e criador da Yiyi Jambo Cartonera em Ponta Porã-MS e Assunção, no Paraguai.

Nelson Urt

Desenhista e letrista de origem, Nelson Urt escreve e ilustra os títulos de capa usando tintas PVA e nanquim, e hoje é 100% responsável pelos livros que manufatura no ateliê da Maria Preta Cartonera em sua cidade, Ladário, a 12 km da fronteira com a Bolívia, no Pantanal do Mato Grosso do Sul.

Urt cursou jornalismo na Faculdade Cásper Líbero em São Paulo e graduou-se em História na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Em 2020 Urt concluiu seus estudos no Mestrado de Estudos Fronteiriços da UFMS, em Corumbá, com um projeto de pesquisa sobre os dois livros e influências deixados pelo poeta corumbaense Lobivar Matos (1915-1947). O jornalista edita o blog Nave Pantanal, que reúne crônicas, poesias, artigos e reportagens do cotidiano da fronteira Brasil-Bolívia.

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