Lenda ‘O Minhocão’, contada pela avó, inspira autora a criar obra infantojuvenil

A escritora e professora Cristiane de Oliveira Silva e seu novo livro da saga Histórias da Vovó Lela - Foto: Divulgação
A escritora e professora Cristiane de Oliveira Silva e seu novo livro da saga Histórias da Vovó Lela - Foto: Divulgação

“Acredito que todas as lendas e contos pantaneiros têm potencial em se transformarem em livros”

 

Segundo algumas versões da lenda, o ‘minhocão’ é uma espécie de serpente longa, com focinho de porco, pele escura devido ao seu habitat e com uma couraça formada por ossos. Ele passa pelo Rio Paraguai e quando zangado derruba embarcações, revoltado pelo descuido do homem com a natureza. É uma das figuras mais enigmáticas do imaginário pantaneiro que ganha vida nas páginas do novo livro da escritora e professora Cristiane de Oliveira Silva. ‘O Minhocão’ é o segundo título da saga ‘Histórias da Vovó Léla – Contos Pantaneiros’, com uma mistura de folclore, literatura oral e inovação gráfica e será lançado nesta quinta-feira (15).

A obra é voltada ao público infantojuvenil e resgata a tradição de contar histórias de geração m geração, principalmente em comunidades pantaneiras. “Eu sou estudiosa, apaixonada pela oralidade. Até hoje, tudo que escrevi foram histórias que ouvi da minha avó. Por isso, criei a série ‘Histórias da Vovó Léla’”, relata Cristiane, que é pedagoga, mestre em Literatura pela UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul ) e atua como professora da rede municipal de ensino na educação infantil.

Quem dá voz a lenda é a própria Vovó Léla, que ainda criança encontra o ser junto ao pai. É a partir disso que a narrativa se desenrola, em uma mistura de fantasia, encanto e ancestralidade. Ao jornal O Estado, a autora revela que o processo de pesquisa para o desenvolvimento da obra foi principalmente pautado pela linguagem oral. “Pesquisei em algumas plataformas, mas não achei muita coisa, então foi de fato a história contada pela minha avó. Ela contava essa lenda do Minhocão, muito conhecida em Corumbá. Essa memória me inspirou a escrever o livro, que busca preservar esse saber popular”.

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Inovação gráfica

Mais do que uma história, “O Minhocão” é uma experiência sensorial e visual. O livro foi concebido como um objeto artístico: em formato sanfonado, ele se abre como se fosse o próprio corpo do Minhocão. As cores quentes escolhidas remetem ao calor e à intensidade do Pantanal. A proposta gráfica inovadora só foi possível graças ao trabalho editorial da editora Vida Produções, que assumiu o desafio de dar forma à ideia sugerida por Cristiane e buscou, ao longo de um ano e meio, maneiras de viabilizar o projeto.

“O livro foi pensado para provocar espanto e encantamento, como defende Rubem Alves, que dizia querer uma escola do espanto, onde a criança se deslumbrasse com o que encontrasse. O projeto gráfico, o texto e as ilustrações foram construídos juntos, nesse tripé”, afirma Cristiane. As ilustrações são de Benes, artista cuja contribuição dá vida ao imaginário pantaneiro e amplia a experiência visual da obra. Segundo a autora, a proposta é que a leitura seja também uma brincadeira, uma descoberta, um mergulho na cultura pantaneira.

Para quem importa

Cristiane recorda que o primeiro livro foi um dos pontos principais para pleitar a vaga no mestrado, já que a obra teve uma resposta muito positiva, tanto de educadores quanto do público. “Tive um bom retorno, inclusive do povo corumbaense, que conseguiu ter o livro em mãos e, por meio da obra, se reconhecer”, destaca. Além disso, o primeiro livro de histórias será levado para todas as bibliotecas públicas do Estado, após vencer um edital. “Já tive a experiência de ir em escolas realizar a leitura do livro. Em uma EMEI ouvi um ‘isso é incrível!’ de uma criança e outra ficar encantada por conhece a autora. Então, esse impacto, é um enorme feedback para quem escreve”.

A educadora reforça a importância da literatura infantojuvenil como ferramenta para fortalecer o sentimento de pertencimento cultural entre os jovens. “É uma necessidade, de se conhecer primeiro para depois buscar conhecer o outro”, explica. “Pode fortalecer o sentimento de perceber a nossa cultura como algo potente e incrível. Temos muita cultura, música, arte e precisa ser divulgado, levado para dentro de casa, para as escolas. É se reconhecer a partir da arte”.

Referências

A saga Histórias da Vovó Léla surgiu em 2023 com o primeiro volume, Contos Pantaneiros – Juvenil, também inspirado nas histórias ouvidas por Cristiane na infância. Agora, com “O Minhocão”, a autora amplia esse universo com uma obra ainda mais voltada às crianças pequenas e seus educadores, fortalecendo o vínculo entre literatura e identidade regional.

“Eu acredito que todas as lendas, os contos pantaneiros, tem muito potencial em se transformar em literatura infantil. Esses mitos, essas lendas, essas cantigas de roda, eu acredito que existe muito potencial. Quando tentei o mestrado, a minha pergunta sempre foi ‘onde está a literatura infantil, juvenil, sul-mato-grossense?’. Não conseguia encontrar. Existem muitas lendas e mitos que precisam ser colocados no papel, pensados e organizados. Há um longo caminho pela frente”, opina.

Foi na vivência da sala de aula que a professora e escritora entendeu com a relação das crianças e jovens com a literatura.

“A sala de aula é um divisor de águas para mim quanto escritora. Porque eu consigo perceber quem é essa criança. Ser pedagoga, estar como professora dentro de sala de aula, visitando crianças de idades diferentes, conhecendo como é a sua vivência, sua fala, o seu desenvolvimento. Realmente o momento da leitura, a qual todos os dias acontece em sala de aula, faz muita diferença para que eu pudesse conhecer bem o meu público, isso realmente é muito importante quando eu sento e penso numa escrita numa história”.

Mesmo com o rótulo de ‘infantil’, a autora acredita que suas obras vão além de uma faixa etária, sendo responsáveis por resgatar memórias, culturas e sentimentos. “Quando falamos ‘infantojuvenil’ colocamos em uma caixa. Existe uma leitura para infâncias. Imagino uma literatura que possa atravessar meu leitor, movê-lo, tirá-lo do comum. Essa literatura que eu escrevo são memórias, mas que tragam para esse leitor, para esse mediador, memórias afetivas, que seja uma literatura que traga memórias que estavam ali guardadas, sentimentos que estavam ali guardados”, diz.

“A tradição oral é o nosso maior acervo cultural. Em tempos de tantas mudanças, preservar o imaginário popular é um ato de resistência. Eu quis registrar essas lendas não só para encantar as novas gerações, mas para que elas entendam de onde vieram. Que saibam que as histórias da sua terra têm valor”, reflete a autora.

Serviço

O livro ‘O Minhocão’ será lançado nesta quinta-feira (15), às 19h, no Supermercado Comper Itanhangá (rua Joaquim Murtinho, 1679). Haverá a venda de livros no local, ou poderá ser adquirido por meio do site maisumsaber.com.br/produto/historias-da-vovo-lela-o-minhocao.

 

Por Carolina Rampi

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