‘Garcia – Luta, Fé e Justiça’! Lenda e realidade, história e ficção se entrelaçam em HQ de Olimpio Leme

Foto: arquivo pessoal
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Na infância, os pais, os avós, tios, parentes em geral, costumam nos encher de histórias, de suas vivências em outras cidades ou estados, coisas que aprenderam, e principalmente, as lendas dos quais foram criados acreditando. Esse tipo de conhecimento é um dos mais importantes da nossa vida, e serve para transmitir a cultura e o saber de um local e um povo. E foi a partir de uma lenda, escutada na infância, que a HQ ‘Garcia – Luta, Fé e Justiça’, de Olimpio Leme, nasceu.

Quando tinha oito anos, o quadrinista e artista visual ouviu pela primeira vez a história de Januário Garcia Leal, e desde então, a saga do homem nunca mais saiu de seu imaginário. Ao se conectar com a história mais uma vez, resolveu se aprofundar ainda mais no conto do homem conhecido como ‘Garcia Sete Orelhas’, realizando ao longo de cinco anos uma extensa pesquisa, que se transformou na história em quadrinhos ‘Garcia – Luta, Fé e Justiça’, primeiro trabalho autoral de Leme, financiado pelo FIC-MS (Fundo de Financiamento de Investimentos Culturais), com lançamento marcado para esta quinta-feira (7), às 19h, no Sindicato dos Bancários.

Foto: arquivo pessoal

Em pleno século XIX, época da colonização portuguesa, o fazendeiro Januário Garcia Leal, após o assassinato cruel do irmão, entra em uma empreitada de vingança contra seus algozes. “Essa história foi contada para mim quando eu era criança, pelo meu pai, e na época eu fiquei muito impressionado, tanto que nunca me esqueci. É uma história trágica de um homem que busca justiça, honra, de uma maneira que hoje em dia sabemos ser dura, mas que era o que ele tinha como recurso na época”, conta o autor e ilustrador.

Livro x HQ

Com cinco anos de pesquisa, muitos ficam com o seguinte questionamento: por que não um livro? Para o jornal O Estado, o autor explica que sua decisão de transformar sua pesquisa em HQ foi motivada pelo objetivo de democratizar a leitura para todas as idades.

Foto: arquivo pessoal

“Eu desenho desde os dois anos de idade e consumo quadrinhos desde os cinco. A ideia de fazer uma História em Quadrinhos foi, então, um caminho natural que tomei. As HQs têm um papel fundamental nos primeiros anos de leitura; a minha é recomendada para maiores de 14 anos, mas a obra visa estimular a leitura também como Narrativa Gráfica para este público”, explica.

Conforme Leme, países como EUA, França e Espanha, já utilizam das HQs como estímulo de leitura para crianças e jovens. “Dos anos oitenta para cá, há uma busca por transformar as Histórias em Artes [como o autor prefere chamar] em uma leitura mais séria e exclusiva. Nós temos várias obras autorais, longe do mainstream, mas que já se tornaram inclusive filmes e séries, como por exemplo “V” de Vingança, Watchmen, Sandman, que tratam de temas sérios que levam a reflexões importantes para os dias de hoje”, destaca.

“Eu pesquisei durante cinco anos através de livros e artigos para apresentar uma obra que misturasse mito e realidade. A busca por tratar a linguagem com imagens juntamente com palavras é a porta de entrada para esta casa que se chama literatura, estimulando inclusive a leitura de livros. A minha vontade de ler começou pelas HQs!”.
Além da democratização, o autor reforça como a linguagem das HQs também facilita a transmissão de informações.

“A Narrativa Gráfica além de entreter também tem o papel de democratizar a informação que ora buscamos nos livros. A parte do desenho pode atrair e decodificar para um público maior que muitas vezes não tem tempo ou não se aproxima de uma leitura mais específica. Há uma infinidade de HQs que abordam os mais variados temas, tanto para alfabetização, temas lúdicos infantis e infanto-juvenis e também mais críticos”.

Legado

Por meio de livros, documentos e registros, Leme descobriu que Januário Garcia Leal realmente existiu, e sua saga trouxe sua família de Minas Gerais, para a atual Região do Bolsão. A pesquisa possibilitou que o autor trouxesse elementos históricos sobre os povos originários e quilombolas, pouco mencionados na narrativa original, buscando, assim, uma leitura mais ampla do contexto.

“É uma história muito complexa dos idos de 1800, porque toca em temas sensíveis. É claro que muitas das ações dele foram inflexíveis, e a intenção não é glamourizar nem justificar, mas entender que isso fez parte da nossa história e ver o que podemos fazer para não deixar isso acontecer novamente”, frisa.

Foto: arquivo pessoal

Construção

Totalmente ilustrada por Leme, que também assina o roteiro, as ilustrações foram criadas em papel e nanquim, que aumenta a riqueza de detalhes. Como cada página é uma prancheta, foram 136 pranchetas e muitas horas de trabalho até o resultado final. A construção imagética foi realizada com fotos e desenhos da época. “Como as pessoas se vestiam, usavam chapéu, cortavam a barba e até mesmo os cabelos. Tive que pesquisar bastante, o tipo de vestimenta, utensílios, armas, arquitetura dos ambientes urbano e rural, carro de boi ao paramento dos cavalos”.

Movimento

Para o artista, a importância de contar essa história, além de apresentar uma parte da história do próprio Estado, é refletir sobre questões sociais, desigualdade, injustiça, e entender como hoje em dia podemos contribuir para uma sociedade mais justa. “Desde a colonização a história do Brasil foi pautada pelo conflito, e minha ideia não é julgar o que já aconteceu, mas ver maneiras de construir algo em cima disso, de corrigir uma rota. Nosso país tem muitas coisas que precisam ser mudadas, mas a solução não está lá fora, e sim em conseguirmos construir uma nova visão, de uma nação única, com visões diferentes, mas com respeito. Pode parecer utópico, mas tenho esperança”.

Leme ainda pontua que o Estado está no caminho de criar uma cultura própria, baseado na união dos diversos povos existentes aqui. Para ele, as HQs fazem parte de uma linguagem universal capaz de aproximar os diferentes povos e culturas.

“O apelo histórico e também com viés jornalístico é uma parte excepcional da nona arte, como por exemplo as tiras de jornal. Nós temos registro de parte da história de nosso país que conseguimos ver a atmosfera, o retrato de uma época, justamente por elas”.

A vida que imita a arte

Durante sua pesquisa, o autor descobriu que a saga da família Garcia era semelhante com a sua própria, que tinham terras na região. “Sou o quinto Olimpio Leme Cavalheiro, de nome e sobrenome, e o primeiro Olimpio foi assassinado por disputa de terras, então essa situação de conflito é algo muito próximo da minha família. Percebi que esse tipo de acontecimento era normal na época, e escrever e desenhar sobre o tema foi como uma homenagem não só a família Garcia, mas também à minha”.

Mesmo com a obra recém saída do forno, Leme já se prepara para a próxima jornada. “Eu penso em começar já uma nova pesquisa que irá englobar novas histórias de Mato Grosso do Sul. Temos aqui no Estado uma infinidade de Histórias, contos que merecem e devem ser contadas para as novas e para as experientes gerações. Nossa literatura é gigante e precisar ser difundida e porque não em História em Quadrinhos? O mundo será pequeno para nós!”, finaliza.

Serviço: A história em quadrinhos “Garcia – Luta, Fé e Justiça”, do autor e ilustrador Olimpio Leme, publicada pela Life Editora, por meio do FIC-MS (Fundo de Investimentos Culturais), será lançada nesta quinta-feira (7) de novembro, a partir das 19h, no Sindicato dos Bancários de Campo Grande MS e Região, que fica na Rua Barão do Rio Branco, 2.652 – Centro. Evento aberto ao público e com entrada gratuita.

 

Por Carolina Rampi

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